Por que incluir a diversidade é tão importante nas produções?

Entre êxitos e polêmicas, novos personagens mostram que os LGBTQIAPN+ não querem mais ser coadjuvantes.

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EstiloGeek
6 min readJun 29, 2022

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“Essa é a melhor maneira de protestar contra algo que não concorda. Não precisa vir na rede social fazer textão, apenas não consuma o conteúdo que o próprio capitalismo faz o resto”.

O comentário em uma rede social abordava a bilheteria da animação Lightyear (2022) da Pixar, banida de 14 países e com resultados bem aquém do esperado na arrecadação.

O motivo de tanta polêmica é uma pequena cena em que aparece um casal lésbico na animação, que foi considerada como uma afronta às crianças, associada com a temida ‘ideologia de gênero’.

Aparentemente, toda a história de superação e aceitação das diferenças do longa não são suficientes para apagar menos de 2 segundos de troca de afeto entre duas personagens adultas, que possivelmente passaria despercebida por grande parte das crianças se não fosse a histeria dos responsáveis.

Entender os avanços e apoiar a inclusão da diversidade, com personagens LGBTQIA+ na cultura pop não é só discurso de militância, mas o reflexo de uma realidade cada vez mais evidente: pessoas que não se identificam com a vivência heterossexual existem e não querem mais o papel de coadjuvante.

Os personagens saíram do armário

Para o pavor de Damares, dos defensores da tradicional família brasileira e de muitos nerds pré-históricos, que chamam de ‘lacração’ qualquer coisa que não exale testosterona, a diversidade está na pauta da cultura pop e nos últimos anos vários personagens clássicos ganharam novas interpretações, como a Velma (aquela do Scooby Doo), o Bob Esponja, a Betty dos Rugrats, o Homem de Gelo nos X-men e a reinvenção da She-Ra pela Netflix.

Sensação também na Netflix, a série adolescente Heartstopper é um bom exemplo de atualização da temática LGBTQIA+, já que imaginar uma produção com clima de comédia romântica protagonizada por garotos gays/bissexuais seria impensável em décadas anteriores. No máximo haveria um ‘amigo gay’ da protagonista, que auxiliaria com passagens de humor caricato, comentando sobre moda ou salão de beleza. Netflix, inclusive, que já trouxe outras séries e filmes que abordavam a temática da diversidade como motor da trama, como em Sense8, Sex Education, Hollywood, Queer Eye, The Prom, entre outras produções originais.

Para quem acredita que isso seja ‘sinal dos novos tempos’, é curioso lembrar que nos anos 90/2000 os animes já traziam esses personagens fora dos padrões heternormativos, com quebras de padrões. Shun, do Cavaleiros dos Zodíacos, chamava a atenção com armadura rosada e uma postura não violenta, ao contrário dos outro lutadores. Yukito e Touya mantinham um ‘bromance’ discreto em Sakura Card Captors, enquanto em Sailor Moon, o casal formado entre a Sailor Urano e a Sailor Netuno exibiam abertamente um relacionamento.

Um diferencial é que nas novas produções os personagens LGBTQIA+ não surgem mais como alívios cômicos, metralhadoras de bordões ou no esteriótipo sexualizado, como era comum em produções de 2010, como True Blood ou Looking, da HBO, em que os personagens gays estavam sempre associados com tramas de infidelidade e pegação nos estacionamentos.

Criticada de por trazer ‘trejeitos gays’ e corpos fora do padrão como aspectos de vilania (Hades e Scar), hoje a Disney é um dos estúdios que mais parece engajada para inserir acenos ao público LGBTQIA+, mesmo que muitas vezes o marketing ainda supere os resultados.

Com exceção do curta Segredos Mágicos, disponível no Disney +, no qual a temática é abertamente sobre um casal homoafetivo, Frozen 2 (2019) e Luca (2021), por exemplo, podem ser entendidos como alusões às vivências LGBTQIA+, mesmo que nada seja oficialmente indicado. Assim, como a adaptação da Bela e a Fera (2017) em que LeFoi, apesar de alardeado, não passou de algumas piadas discretas sobre o tema. Ou em Star Wars, quando os fãs pediam um romance entre Finn e Poe, mas tiveram um discreto beijo entre duas figurantes.

Até nas produções da Marvel, que nos quadrinhos já contam com avanços significativos, a representatividade ainda é bem discreta, como na bissexualidade de Loki (2021) que não passou de uma rápida citação na série (para logo depois se envolver com uma mulher loira), algumas citações rápidas da Valquíria em Thor, Os Eternos (2021) que um dos protagonistas aparece por alguns segundos com o marido ou em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022), banido de alguns países ao apresentar uma rápida cena em que aparece um casal de mulheres de mãos dadas.

Evolução? Sem dúvida! Mas com a repercussão dividida de Lightyear será que o estúdio continuará a comprar briga e expandir a temática da diversidade? Esas cenas rápidas serão ainda mais dúbias?

Por que precisamos de um herói gay?

Não podemos ter a ingenuidade que esses avanços da Disney, HBO e Netflix sejam apenas por convicção ou compromisso social. Assim como dezenas de outras empresas que mudam os avatares em junho com as cores do arco-íris, os grandes estúdios perceberam que o público LGBTQIA+ tem engajamento, escolaridade superior e estão em busca de identificação nos valores. No Brasil, 2,9 milhões de brasileiros acima de 18 anos se declaram como lésbicas, gays ou bissexuais, de acordo com o IBGE.

Para essa fatia da população, ver personagens representando a diversidade na cultura pop é uma oportunidade de perceber que não há problema algum ser fora do padrão e que todas as vivências têm suas histórias, desafios e superações. Em um mundo conectado e extremamente exposto, ninguém mais acredita que só existam histórias de amor dos contos de fadas, em que belas princesas brancas vivem ‘felizes para sempre’ após encontrarem um príncipe encantado. Trazer histórias com diversidade, portanto, é uma oportunidade de normalizar algo que sempre fez parte da sociedade e diminuir, gradualmente, os preconceitos e chacotas que ainda são frequentes.

Se você acredita que todo esse papo de diversidade seja #mimimi ou lacração, talvez seja importante também refletir sobre a importância da cultura como uma porta de contato com outras vivências. No especial Falas de Orgulho da GloboPlay, há um depoimento comovente de um homem trans que conta que só teve a abertura para conversar com a família sobre o assunto quando assistiu a novela A Força do Querer, na qual a personagem Ivana fazia uma transição de gênero e enfrentava a rejeição da própria mãe. Foi com a ajuda das cenas da novela que o jovem conseguiu ter repertório para lidar com questões pessoais e familiares.

Ao assistir personagens de animações ou superheróis LGBTQIA+, milhares de pessoas que ainda escondem a orientação sexual por medo de retaliação talvez tomem coragem de se expressarem com mais orgulho e o respeito às diferenças, sem mais associar essa vivência com algo clandestino, proibido ou vilanesco. Ter essa diversidade nas produções, portanto, não é apenas para parecer ‘descolado’, mas realmente poder fazer a diferença na vida de milhares de pessoas.

Já para as crianças, fica a oportunidade de começar um diálogo ainda dentro de casa. Com um mudo hiperconectado é quase ingenuidade acreditar que elas já não tenham contato com outras vivências nas próprias timelines e as produções oferecem uma oportunidade dos responsáveis orientar e explicar sobre o assunto, identificando que homens e mulheres adultos podem se relacionar com consentimento mútuo, por exemplo.

Ao invés de esconder uma verdade cada vez mais transparente, quem sabe, explicar sobre a diversidade seja o primeiro passo para que as novas gerações tenham uma relação mais natural com as diferenças e que uma cena com duas mulheres de mãos dadas não seja mais motivo de tanta polêmica, mas algo natural. 🏳‍🌈

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Tentando ser FASHION, aficionado pelas novidades POP e apaixonado pelo universo GEEK. “Cher acima de tudo, Madonna acima de todos.” 🏳️‍🌈🕶️