Consultório

Dayanne Dockhorn
Estrangeira
Published in
4 min readMay 6, 2020

Então, assim, não é que… Desculpa. Eu sou muito chorona mesmo. É normal. Nem sei por onde começar. Tudo parece um emaranhado de fios soltos. Sempre fui muito nervosa. Inclusive já consultei uma outra psiquiatra em 2016. Ela me prescreveu um remédio, tomei por um mês e não gostei… Aí parei de tomar, ela prescreveu outro, era caríssimo pro meu bolso, então não tomei e também nunca mais voltei.

Mas então… Nos últimos meses passei a ter alguns sintomas persistentes. Falta de apetite, coração acelerado, dor no peito, insônia, agressividade. Até me machuquei em alguns momentos. Sinto um desespero grande, gerado por motivos reais, vários deles, e não consigo me acalmar.

A ideia de vir não foi minha. Já faço terapia há alguns meses e semana passada a psicóloga disse que seria bom fazer uma avaliação, que, de repente, algum estabilizador me faria bem. Eu já tinha pensado nisso — se eu precisava de remédios, pelo menos para me acalmar — mas sempre tive esse receio… Não queria algo que me mudasse, que alterasse como me sinto, que mexesse em coisas que não precisam ser mexidas. Não quero nada forte, cheio de efeitos colaterais. Será que existe um remédio assim?

Eu sei que não. A questão é… Eu sempre soube cuidar bem de mim, mas agora reconheço que não estou dando conta… Nesse momento, preciso de ajuda. Ajuda pra lembrar o lado bom das coisas, pra fazer um chá, pra comer algo que não seja pão e manteiga. Sinto raiva e culpa por estar assim, e também por não conseguir sair disso sozinha, como fiz outras vezes. Mas aí penso que tudo bem precisar de ajuda de vez em quando. Tem horas que a gente não dá conta mesmo, né? E eu estou esgotada há tanto tempo… Sinto que não sobrou energia nenhuma em mim. Tudo que eu tinha já se foi…

Me sinto muito sozinha. Como se tudo que eu vivi até agora fosse apenas um sonho, algo tão, tão distante desse lugar. Como se os últimos anos não pertencessem à mesma realidade minha e sua, aqui, agora. Na verdade, é como se eu tivesse voltado para o mundo real, entre aspas, depois de muito tempo fora, e ele é feio, sem graça… Real, mesmo. As memórias só vivem na minha cabeça, a ponto de não parecerem mais concretas. Não tenho ninguém pra dizer lembra disso? Se falo demais do que já foi, sinto que sou uma daquelas pessoas que vive das glórias do passado, ou que estou me gabando, falando de coisas distantes demais para serem alcançáveis a todos. Virei uma… Uma sombra do que já fui, como se só tivesse restado uma parte de mim, e é uma parte muito pequena, muito inferior ao resto.

Mas, pensando agora, vivi realidades diferentes que de alguma forma coexistem em mim. Como se o ponto de união entre elas não fosse algo impessoal, físico, uma fronteira, um avião, uma rodoviária, mas eu, minha mente. Onde estou agora; essa não é a minha vida. Não se parece em nada com a minha vida, então é difícil me sentir no lugar, firmar qualquer estrutura. Porque sei que logo tudo muda de novo. E voltar pro lugar que eu lutei tanto para sair me faz sentir que todo o esforço foi em vão.

Quando me sinto perdida, tendo a caminhar muito. Estou caminhando regularmente, não porque eu acho que caminhar é um grande exercício, mas porque caminhando é como se a gente colocasse os pensamentos em movimento, levasse tudo pra rua. Li, faz pouco tempo, que os sentimentos precisam de movimento. O luto, a tristeza, a raiva — eles precisam se movimentar através do corpo antes de ir, e é preciso deixar. Por isso tenho sido atraída pela ideia de dançar. Eu sou péssima, mas me fascina, como a maioria das artes. Mas meu corpo… É como se meu corpo se recusasse a tudo. Ele se recusa a relaxar, e eu sei que é a mente dando sinais do desgaste, se manifestando no mundo palpável, esperando que eu fique acordada para sentir toda a dor que está dentro de mim. Estou rangendo os dentes pela primeira vez na vida.

Entre diversos motivos pra tudo isso, o maior é o coração quebrado. O desconforto, a inquietação que estou sentindo é luto, eu sei. É a perda da normalidade, da conexão, do futuro. Perdi todas as alegrias. Talvez seja preciso ficar quietinha e não apressar as coisas… É uma maratona, não uma corrida, não é isso que dizem? Tenho que redescobrir a liberdade, os prazeres, a calma, a rotina… Sei de tudo isso. Mas a dor me freia. Ela é maior do que tudo nesse momento, e eu já aceitei isso.

Logo, não existe esperança. Imaginação é o que separa os jovens dos velhos, eu pensava. Enquanto os jovens conseguem imaginar um futuro melhor pra si, os velhos já não anseiam nada, só voltar ao passado, idealizando algo que não pode voltar. Agora acho que a questão não é falta de imaginação. É só que, às vezes, você tá tão machucada, tão amarga, que é difícil imaginar que pode melhorar, sabe? Então é melhor se ater ao que já foi bom. Não sei se deu pra entender. Mas é isso. Eu poderia ficar horas falando e com certeza não seria o suficiente pra contar tudo que passa pela minha cabeça. Crio mil significados possíveis em qualquer detalhe, como aquele quadro na sua parede. Às vezes penso que todo o meu problema é pensar demais. Mas uma coisa puxa a outra e, quando vê, já passou uma hora. O que você acha?

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