O mundo não é meu

Dayanne Dockhorn
Estrangeira
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3 min readDec 19, 2019

Então é isso que eu faço? Empurro as pessoas pra onde elas resistem a ir. Aperto feridas, peço gritos, lágrimas, demando sentimentos e ações. Não me conformo com réplicas monossilábicas. No meio da sua resposta já cresceram mais 20 perguntas na minha língua.

Esse ano me identifiquei com a figura de uma ponte. Talvez porque tenha cruzado várias delas, falando literalmente pela primeira vez. Na mitologia grega, almas que deixam seus corpos para trás pertencem agora ao submundo. Para chegar lá, elas precisam atravessar o rio que separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos. Só há uma maneira de fazer a travessia, e é através de Caronte, o barqueiro. Ele é o responsável por levá-las de margem à margem. Caronte e seu barco poderiam muito bem ser uma ponte. Sinto que meu dever é similar. Só que menos macabro. Estou constantemente tentando guiar pessoas para outro lado, um lugar melhor. Debaixo de nós, nunca é o mesmo rio que corre, são margens diferentes. A cada um o seu. Também me identifiquei com aquela criança que subia ofegante no escorregador logo depois de você. Ela te apressava e muitas vezes acabava te machucando. Meu papel não é sempre gentil, e quase sempre encontra resistência.

Ainda não descobri por que tenho essa necessidade de me fazer responsável pelo que não me diz respeito. Me olhando nos olhos, pelo menos 6 pessoas já me questionaram por que me importo. Aparentemente, é custoso digerir que alguém se preocupa com o que não é dela. Agora sou eu, não eles, que ando questionando a necessidade de mudar tudo. Por que não posso esquecer de vez o que poderia ser e me ater ao que é? Mas se você é a soma das pessoas que ama, e se a sua felicidade depende diretamente da felicidade delas, como eu não seria responsável? Não seria irresponsabilidade pensar que não?

Pelo menos 3 pessoas já me disseram com ênfase catastrófica que esse não é meu trabalho. Como se, ao continuar por esse caminho, eu estaria fadada ao eterno desespero. Proferiram que eu chegaria baixo se não deixasse de tratar a ferida dos outros como se fosse minha. Balancei a cabeça todas as vezes, concordando. Juro que entendi. Mas então por que esse sentimento não desapareceu? Não amoleceu nem um pouquinho. Será uma necessidade astrológica? Há todo um pano de fundo cósmico do universo que a gente não vê. Talvez minha razão esteja aí, escondida. Realmente gostaria de evitar mais conflitos, mas harmonia não se estabelece sozinha e sem esforço.

Meses atrás, minha irmã me mandou um teste de personalidade online. Deixei a página em posse do título de Mediadora. Segundo o teste, mediadores são “idealistas e estão sempre buscando o melhor nas pessoas”. Eles “procuram um modo de melhorar e corrigir os problemas do mundo”. Uma mediadora também me remete ao contato entre os mortos e os vivos, à terapia de casal, processos judiciais e uma sala de aula. Em todos os casos, uma mediadora poderia muito bem ser uma ponte.

Não sei onde estou indo com isso. Só sei que tive um sonho e, nele, uma atriz de cabelo cinza me dizia em voz doce: o mundo não é teu para consertar. Os teus braços não são grandes o suficiente. Foi a primeira vez que tive uma visão Dela.

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Dayanne Dockhorn
Estrangeira

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