A primeira vez que me “montei” como Drag Queen foi para causar no Lollapalooza Brasil 2017

Danton Gravina
Estranhos
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6 min readMar 30, 2017
O melhor look segundo Lady Gaga e Anitta

A experiência de se passar por outro, de ter uma mudança, mesmo que “social” e apenas de performance, vestimenta e maquiagem, acaba sendo uma coisa muito louca.

Quando soube que ia para um dos festivais mais cool do Brasil, o Lollapalooza, pra fazer uma cobertura um tanto quanto diferente para a familia tradicional brasileira, quis entender o cenário onde eu me encaixaria e me deparei com a seguinte treta:

Sabe como é, né? Tem gente que se incomoda com muita coisa que não entende. Logo que anunciaram o show do Metallica, em agosto do ano passado, parece que alguns fãs queridinhos resolveram se mostrar descontentes com o público.

A homofobia que rolou foi tamanha, que o Lollapalooza Brasil precisou se posicionar diante de tamanha “uózisse” dos machos.

E divulgou essa notinha linda aqui ó:

Lolla, seu lindo ❤

Eu que adoro uma provocação, adoro discutir e debater, pensei:

VOU DE DRAG PRA ESSE FESTIVAL E QUERO VER O QUE VAI ROLAR.

Logicamente, escolhi o dia do Metallica para o afronte e comecei a me preparar. Mesmo sendo um fã incondicional da cultura drag, nunca havia me montado assim e ainda não sabia quais requisitos cumprir.

Passei a semana antes da viagem dando um jeito de me equipar com uns amigos que já fazem drag e caçando drag queens que iriam ao Lollapalooza.

Até aí nada era tão difícil. Consegui umas roupas e uma peruca bem garota com o boy do meu roommate, que é drag queen (obrigado Frankie Monstro). Meu look garota do festival estava pronto.

Nessa viagem de entender o porquê de enfiar as coisas todas que a gente carrega pra ter prazer e se reproduzir dentro de um maiô minúsculo (maiô este que eu consigo sentir o gosto através de outros órgãos que não são minha boca), tô descobrindo mais sobre mim mesmo e muito mais sobre as pessoas.

Eu imaginei que isso ia acontecer quando eu topei ir pro Lolla em “full drag” e raspar todos os meus pelos do corpo e dar tchauzinho pra minha barba, entristecendo meu namorado.

Percebi como a ausência de pelos me despia de qualquer segurança que eu tinha de “parecer bonito” e me transformava em outra coisa que eu não experimentava ser há muito tempo — desde quando adotei o visual do “boyzinho gay branco de barba pós moderno”.

Outro ponto de “UAU”, foi o momento real da montação. De cara já senti uma das maiores dores da minha vida, sendo espremido por uma fita isolante usada pra prender minha peruca. Uma dor de 8,0 na escala de Richter (essa mesma que mede a intensidade de terremotos).

Foi um incômodo sem fim e por um momento achei até que eu tinha morrido e o capeta tava se divertindo me vendo gemer.

Mas sabem como é, né? Quem não ama se sentir maravilhosa? Quanto mais camadas de maquiagem a Paloma Maremoto aplicava na minha carinha de cavalo, menos dor eu sentia. Só que não.

Pra quem não sabe, essa meleca na minha cara, esconde o azulado da barba de boy.

Aproveitei pra bater um papinho sobre drags mulheres (Paloma é do sexo feminino e faz drag) e essa “conquista de espaços”. Paloma faz drag há mais de um ano e me disse que sempre tem alguém tentando desemerecer seu trabalho. Parece que até dentro da própria comunidade LGBT as pessoas esquecem as outras letras e focam só no G.

Maremoto, Palloma

Cara pronta, look no ponto, já havia escolhido até um nome: Dantonella.

Dantonella sempre esteve presente dentro de mim, surgindo em conversas com amigos e brincadeiras. Talvez ela seja um encosto e eu não soube identificar.

Depois da preparação de 3 horas, era hora de partir pra o festival.

Chegando lá, foi engraçado notar que o staff era muito preocupado em não me ofender. Ora se confundindo sobre que fila eu deveria usar, ora pedindo “uma licencinha, moça”. A vida de celebridade drag começava ali.

E começava mesmo porque já pisei em Interlagos com um pedido de “tira uma foto comigo?” e até o último segundo do dia de Dantonella, choveriam pedidos de fotos, elogios e abraços.

Eu só queria que essa influência toda que eu causava ao meu redor servisse para ter meu próprio ar condicionado particular. Afinal, estava bem quente e a amiga aqui saiu com uma jaqueta de couro, duas meias calças e uma peruca mais presa do que a língua do Patolino.

O curioso é que eu estava com muito receio de levar a frente essa empreitada. Achei que iam acabar comigo, que eu ia chocar muito as pessoas e seria a coisa mais estranha daquele dia.

Me enganei e o inverso aconteceu. Fui “celebrado” a maioria das vezes e acredito com toda a minha força que Dantonella estava mais famoso que a Suzana Vieira.

Muito famosa no UOL Entretenimento

Sobre essa experiência tenho 5 coisas pra dizer:

1.Se for se montar para um festival desses para questionar espaços LGBTs, não use salto. Foi uma das escolhas mais sensatas que já fiz desde o meu curso da universidade.

2. Tem um jeito mágico de fazer xixi inclinado de costas quando todo o seu “playground” tá embolado em roupas minúsculas e justas. Uma técnica milenar, eu diria.

3. Façam drag, invadam espaços e sejam vocês mesmos. Coragem é preciso, mas não podemos deitar para homofóbicos em hipótese alguma e precisamos mostrar que temos direitos.

4. Ainda tô com a marca da peruca na cabeça. E todos esses pedacinhos que ficaram colados na fita isolante e no grampo inflamaram :(

5. Tia que me encheu o saco no banheiro porque a porta estava aberta enquanto um amigo fazia uma foto, a senhora é muito chata! Ficou me pentelhando porque eu estava de drag e nem pelado eu estava, era só uma foto. Fica em paz e alcance a luz (ou enfie o dedo na tomada se esse for o caminho mais rápido).

Pegando uma carona com o carrinho da ala hospitalar #FABULOUS

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Danton Gravina
Estranhos

Um designer entusiasta dos olhares humanos, inovação, futuro e tecnologia. Nas horas vagas me aventuro ilustrando por aí.