Conheça os ursos e descubra porque a nova geração ursina não suporta mais a heteronormatividade

Danton Gravina
Estranhos
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8 min readApr 16, 2017

Desde sempre o ser humano se organizou/foi organizado em grupos para identificar-se no meio da multidão. É assim com todas as coisas, tanto que nem os pokémons escaparam da “categorização” e com os gays não seria diferente.

Essa informação é chocante mas eu preciso contar que existem diversos tipos de gays, categorizados e com nomes próprios, indumentária, jeito de agir, festas, língua e religião (calma, estou apenas sendo exagerado).

Tem coisa melhor que ator pornô pra ensinar “etnografia gay”?

Pra citar alguns exemplos, nós temos as barbies (gays da academia e maiores clientes da The Week), os twinks (gays adolescentes que fazem a cabeça dos daddies), daddies(que são gays mais velhos e geralmente AMAM as twinks), os ursos etc.

Nesse texto o assunto vai ser exatamente esse! Ursos.
Mas de onde vieram esses caras?

A cultura ursina começou nos anos 80, em São Francisco, como um filhote da cultura de motocicletas que começava a fazer a cabeça dos gays da época, assim como toda a cultura em torno do couro e outras “safadezinhas”.

A principio os ursos se estabeleceram como certa forma de resistência ao principal estereótipo gay desejado da época, onde todos se depilavam e precisavam parecer cada vez mais jovens, quem não se encaixava, estava cansado e buscava outra imagem para se inspirar.

A subcultura se popularizou em 1987 através da publicação Bear Magazine, de Richard Bulger, e Chris Nelson. A partir daí, a imagem do homem barbado, operário e rural era exaltada como um “novo” ideal de beleza para aqueles que não queriam parecer golfinhos lisos.

Bear Magazine trazendo os peludões e machões trabalhadores para o delírio dos gays peludos de 1987

Resumindo: Ursos são grandes, gordos e peludos. Uma grande afirmação de “macheza” e dureza.

Hoje em dia o contexto ursino está muito atrelado a isso e ursos mais jovens não se sentem mais representados por “machos peludos e trabalhadores”, e alguns não acreditam mais que ursos devem ser brutos e sim uma forma de celebrar novamente o corpo fora do padrão, imposto pela sociedade como belo e aceitável.

Como bom curioso que sou, e aproveitando a facilidade de ter um roommate ursinho, bati um papo com ele e fiz algumas perguntas sobre os “novos ursos” e o que ele achava dessa idéia de ter que ser machão.

Cê jura, né amore?

Afinal, Leonardo Vilardi (o roomie), criou há algum tempo um grupo no facebook chamado Bearbie, onde são estabelecidos debates e conversas sobre a nova geração ursina. O grupo conta com 4329 membros(até o fechamento deste artigo), que são selecionados criteriosamente.

Leonardo me contou que recentemente o grupo teve que ser alterado para secreto, pois apesar de o grupo sempre ter um discurso de ser um espaço aberto de resistência para jovens ursos afeminados, algumas pessoas magras, entravam no grupo se dizendo admiradoras mas adoravam cagar regra sobre o que de fato representava um urso.

Danton — O que é a nova geração ursina? Conta pra mim.

Leonardo — É formada por um pessoal de aproximadamente até 30 anos que se identifica com a estética de ser urso mas não se identifica com a idéia que a comunidade prega, sobre ser macho, discreto, por vezes até mais musculoso do que gordo.

Essas pessoas carregam as características físicas geralmente atribuídas a um urso, mas não querem ser comparadas com a atitude do cara do flyer da maioria das festas voltadas para esse tipo de público.

D — De onde veio a ideia do grupo?

L — Depois de levar muito fora em apps.
Às vezes por ser afeminado demais, outras por ser gordo demais e até por ser gordo de menos.

Além disso, da minha experiência com os inúmeros grupos que já existiam no facebook sobre esse tema, que estavam POVOADOS de caras magros de barba, que postam foto o dia todo, para caras gordos puxarem seus sacos.

De 15 grupos de facebook que eu conhecia dentro desse tema, nenhum tinha discussões sobre a comunidade, nem por estímulo dos administradores e nem pelos membros.
Era tudo sobre selfies de caras magros e joguinhos de putaria e pegação.

Cheguei a ler num desses que pra ser urso, bastava ter barba e se sentir como um.

D—E porque Bearbie?

L — Bearbie é um trocadilho, que mistura BEAR, junto com a Barbie, que sempre foi um símbolo de padrão de beleza e feminilidade.

Quando misturamos os dois, desconstruimos o padrão estético do bear machão e o padrão físico perfeito de uma Barbie. Transformando isso numa outra coisa.

E essa matemática linda?

D — Como você vê a cultura ursina hoje?

L — Eu vejo ela como uma cultura, que tem ficado pra trás em relação às causas. É um pessoal que parou no tempo e não faz nada pra tornar a comunidade LGBTQ inclusiva.
Os ursos que fazem parte disso há mais tempo mantém essa coisa do “machão” que existia no passado e a geração mais nova de ursos, usa o urso não como exemplo de bravura ou de “macho”, fortão. A gente prefere usar o urso como um simbolo fofo ou divertido.

O lance hoje em dia tem muita mais a ver com incluir pessoas que não se sentem representadas na comunidade gay, onde a heteronormatividade e o machismo não é visto como característica desejável.

D — Quando que você acha que ser bear virou cool?

L —Quando a mídia resolveu se apropriar disso pra criar uma cara nova para o que é cool ou ser macho. “Ah a gente cansou de caras lisos depilados com rostinho de bebê, a gente quer uma imagem rústica, viril. Vamo pegar os bears que estão ali já fazendo nada mesmo, só vamos colocar um abdome sarado e emagrecer eles mais um pouquinho, daí é só falar que a gente tá dando voz a essa comunidade no mercado”. Vide o Thor do cinema, por exemplo.

Mais fácil agora?

D — Me diz aí algum Bearbie famoso.

L —Big Dipper.

Ele é um exemplo de bear que se joga na mídia de uma maneira bem menos pretensiosa a ser um exemplo de macheza. Ele brinca com os signos da cultura ursina de maneira afeminada e divertida e se leva bem menos a sério no que se diz a respeito a ser bear. Diferente do que a comunidade e os integrantes dela costumam fazer.

D —Hoje você tem uma festa no Rio de Janeiro chamada Bearbie. De onde veio essa ideia? Como ela funciona? Quem frequenta?

L —A Bearbie surgiu principalemente pela necessidade de termos um espaço onde podemos ser ursos e fazermos coreografias de divas pop, usarmos maquiagem e roupas neon sem sermos julgados e sem recebermos olhares tortos de outros ursos.

É um lugar para celebrar a diversidade e olhar as pessoas além do que está por fora. O que menos importa ali é o fato de ser mais urso ou menos urso.

Quem tá na Bearbie tá ali pra dançar, conhecer gente, beijar na boca, independente de qual nicho aquela pessoa pertence, embora nosso foco seja sempre colocar em evidência o urso, que é de fato gordo e afeminado, não só o urso polido.

Nas peças de divulgação sempre usamos pessoas fora do padrão, de maneira descontraída e divertida. Diferente da maioria das festas, você pode encontrar as pessoas que estão no flyer se divertindo na festa. Não existe a pretensão de usar imagens de pessoas perfeitas que não existem só para atrair o público. A intenção é sempre fazer alguém se sentir representado.

Além disso, todas as edições tem um tema, para impulsionar as pesoas a entrarem em um mundo diferente. Onde elas possam ousar um pouco mais e sair do que elas estão acostumadas a fazer/usar para no dia-a-dia ou para irem em outras festas.

Ser machão pra que? (Bearbie / Divulgação)

D — Se eu te chamo pra The Week (boate geralmente frequentada por barbies), você me responde…

L — Hoje não, Faro. Rs.
Eu nunca fui, mas um dos motivos de eu não ir é ter que chegar lá e enfrentar todas as pessoas que me julgam nos apps e na vida por eu estar de shortinho e tênis de asa, fazendo a coregrafia de I’m Slave For You (Britney Spears), no palco da boate.

Esse é o Léo, também conhecido nas festas como Bearbiekill.

D — Agora a pergunta que toda celebridade precisa responder — Como você faz para manter esse corpinho?

L — Olha, uma dieta bem rigorosa a base de coxinha, refrigerante, sorvete, frituras e derivados de leite em geral.

D — O que você diria para as filhotinhas de ursa que estão nesse mundão afora?

L — Não se sinta mal quando forem chamadas de gorda, não deixem que as pessoas usem suas características para te ofender, ser gorda ou bicha não é algo ruim, é só o que você é mesmo, são só algumas características que compõem todo o seu serzinho.

Não ache que você precisa de babar ovo para pessoas bonitas para ser notado. Quem gosta de você, não gosta pelo que você parece, mas sim pelo que você é.

Tenha paciência com as filhotinhas que nasceram depois de você.
Ninguém nasce sabendo tudo sobre cultura ursina e empoderamento do corpo gordo. Tente ensinar um pouco para as lyndas antes de rachar a cara delas.

Fica aí a dica para as ursinhas que estão chegando agora na floresta, e pra quem também não faz parte desse grupo animal, o recado também está dado. O principal é respeitar o amiguinho e não discriminá-lo.

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Danton Gravina
Estranhos

Um designer entusiasta dos olhares humanos, inovação, futuro e tecnologia. Nas horas vagas me aventuro ilustrando por aí.