Pare de se odiar: Porque amar o próprio corpo é um ato revolucionário — Alexandra Gurgel

Cláudia Flores
estudos feministas
Published in
4 min readJun 2, 2019
Capa do livro, editado pela Best Seller

Este é um livro de leitura rápida e fluida — motivo pelo qual o estou resenhando antes de três outros livros feministas que estou lendo. Comprei o livro porque acompanho a Alexandra pelo seu canal do YouTube, o Alexandrismos, e a considero uma das criadoras de conteúdo digital mais relevantes nas discussões sobre autoestima, autoaceitação e amor próprio.

“Pare de se odiar” é um livro que parte da história pessoal da autora — com a qual me identifico e acredito que outras mulheres irão se identificar — para construir um guia de aprendizados com o objetivo de ajudar mulheres que estão em um processo de se conhecer melhor, se respeitar, se cuidar, e, claro, se amar.

Um jeito interessante de ler o livro é, sem dúvida, cruzar a história de vida da Alexandra — que, como muitas de nós, passou por bullying e pressões estéticas durante toda a sua infância e adolescência— com as nossas próprias histórias como leitoras e tentar entender os padrões que existem.

O fato de aceitarmos que existe uma espécie de “flow do auto-ódio”, e que ele surge lá na infância, quando uma menina é exposta pela primeira vez a um conjunto de padrões de beleza, e que nós, mulheres, somos mais exigidas a atender a padrões estéticos do que os homens, quando aceitamos essa diferença entendemos por que estudar e entender o feminismo é necessário. A própria Alexandra mencionou em vídeos do seu canal que “O Mito da Beleza”, da autora norte-americana Naomi Wolf (que pretendo resenhar aqui em breve) a ajudou a entender melhor essa conexão. E Naomi, em seu livro, explica por que essa temática do feminismo é tão importante em nossos dias:

“(…) a ideologia da beleza é a última remanescente das antigas ideologias do feminino. (…) Ela se fortaleceu para assumir a função de coerção social que os mitos da maternidade, domesticidade, castidade e passividade já não conseguem impor.”

Outro ponto interessante de “Pare de se odiar” é que a autora mostra as consequências, para a saúde mental, de uma infância e adolescência cheia de pressões para atender aos padrões de beleza e feminilidade. E expõe o quanto a internet e os meios de comunicação tiveram (e ainda têm) o poder de amplificar essas frustrações em níveis ameaçadores. Não há como não se identificar com a sua história:

“(…) eu me comparava com outras pessoas que tinham peito e colocava defeito no meu, que achava menor, deformado e sem graça diante dos seios lindos das minhas amigas do colégio. (…) Nessa mesma época, todas as famosas das novelas começaram a aparecer com silicone. No Fotolog, as meninas aumentavam os peitos. Só tinha capa de revista esfregando na minha cara aquilo que eu não tinha. Eu sentia raiva do mundo por não ter nascido com seios grandes.”

A partir de seus relatos sobre depressão e transtornos alimentares, Alexandra começa a explicar o que é a gordofobia e entendemos por que isso afeta a saúde mental de tantas pessoas. Vale a leitura como um grande aprendizado: assim como reproduzimos muitas vezes o racismo e a homofobia através de discursos que foram naturalizados, também naturalizamos a gordofobia a ponto de achar que chamar alguém de gordo ou gorda é uma ofensa. Enfim, é um tema delicado, complexo e que vale a leitura.

A partir daí, Alexandra traz o movimento body positive como forma de autoconsciência, e seu livro é cheio de dicas bacanas sobre esse tema, como um manual de sobrevivência mesmo, para lidar com o corpo fora do padrão e com o preconceito que existe hoje. De todas as dicas, a que eu mais curti é algo que vale para todos os que sofrem com a falta de autoestima, independente de ter ou não um corpo fora do padrão: “a opinião dos outros não define quem você é.” Com isso, ela diz que não dá para agradar a todos, e que não dá para impedir que as pessoas te julguem, mas dá para impedir que isso te afete. Mesmo sabendo que não é simples, e que isso pode até fazer com que você se afaste de pessoas tóxicas, é um bom começo se perguntar por que damos tanta importância a certos comentários.

“Pare de se odiar” traz uma grande reflexão, e eu vou passar meu livro adiante para uma amiga, e incentivar que ela passe para outra, porque acredito que essa mensagem tem grande valor. O único ponto que senti falta no livro foi algo que a Alexandra optou por não aprofundar: um embasamento científico que trouxesse argumentos de profissionais que endossam a existência da gordofobia sob o olhar da saúde e da ciência.

Sobre isso, a própria Alexandra justifica que preferiu não desenvolver o tema porque ele ainda é embrionário: seu foco, no livro, é mostrar que a gordofobia existe, e que pessoas gordas e magras realmente são tratadas de forma muito diferente no mundo hoje. E de fato isso ela consegue traduzir no livro.

Mas para mim, pessoalmente, não ter tocado nesse tema deixa algumas perguntas sem resposta. Primeiro, porque sabemos que em consultórios médicos a gordofobia acontece, e há médicos que se valem de vários argumentos para dizer que engordar é algo negativo, e que gordura em excesso é doença, o que leva muita gente a se submeter a procedimentos radicais como a cirurgia bariátrica, que é uma cirurgia cada vez mais popular no Brasil. Segundo, porque tanto engordar quanto emagrecer também podem ser sintomas de doenças e transtornos, e entendo que talvez isso seja assunto para um livro inteiro — e pode ser o motivo pelo qual a Alexandra tenha escolhido não focar nele. Isso é uma opinião pessoal, e pra mim não tocar no assunto não invalida a mensagem do livro. Mas como essa luta (contra a gordofobia) está só começando, em algum momento vai ser necessário ampliar essa discussão, e transformá-la em ciência parece ser um caminho.

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