Combatendo o empreendedorismo heróico

Bruna Santos
ethos insights
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6 min readMar 3, 2016

Texto escrito por Daniela Papi-Thornton e publicado na SSIR em 23/02/2016*
Tradução e edição Laura Nóra e Luana Santos

Empreendedor — herói | fundador admirado como herói e visto como o principal ator do progresso social.

Empreendedorismo heroico | a promoção e adoração heroica do empreendedorismo como sinal de sucesso, que estimula um ambiente de proliferação de esforços repetitivos e de poucos indivíduos buscando fazer parte de organizações melhores. Esse processo resulta em um mundo onde ninguém quer ser o número 2.

Porque nós precisamos avançar do “empreendedor social” para o impacto social.

Temos um novo herói na cidade, e parece que o Super-homem precisa abrir espaço pra ele. Entramos na era do empreendedorismo heroico, e a sua reverência levou inúmeras pessoas a perseguirem uma carreira que promete oportunidades para salvar o mundo, ter status social e ganhar dinheiro, tudo ao mesmo tempo. Nas escolas de negócios em toda a América do Norte e Europa, as listas de espera mais longas — uma vez reservadas para entrevistas de bancos de investimentos — são agora compartilhadas por cursos de formação em empreendedorismo e eventos de impacto social. Os cofres de garantias sociais mudaram, e começar um negócio social está no topo da lista de afazeres do aluno tipo A.

Eu assisti a essa mudança em primeira mão, primeiramente como um estudante de MBA, e agora através do trabalho em uma escola de negócios e conversando com estudantes em universidades de todo o mundo. Eu testemunhei um aumento significativo no número de alunos que listaram em suas ambições de carreira como “ser um empreendedor social”, um fluxo crescente de novos cursos de formação de empreendedorismo social, e um número crescente de estudantes recém-formados que saltaram diretamente para o lançamento de um empreendimento social.

Como eu percebi, cada vez mais, estudantes concentram seus empreendimentos em problemas que eles nunca viveram. Por exemplo, o desenvolvimento de um aplicativo para agricultores africanos por uma equipe que não entende de agricultura, nem nunca foi para a África. As minhas preocupações têm crescido em relação à forma como ensinamos, financiamos, e celebramos o empreendedorismo social. Eu me perguntava se outras pessoas tinham os mesmos sentimentos conflitantes que eu: excitação sobre as boas intenções, mas preocupação sobre como eles estavam se manifestando. Então eu decidi fazer uma pesquisa.

Eu realizei mais de 40 entrevistas com educadores, fundadores e empresários, e tive diversas conversas com alunos. Muitos notaram que o termo “empreendedor social”, que começou a ganhar popularidade mais de 20 anos atrás, costumava se referir a pessoas que tinham experiência em primeira mão com um problema e passaram a trabalhar para resolvê-lo. Essas pessoas modificaram a forma como os sistemas funcionavam através de esforços colaborativos entre setores, e apesar da geração de renda fazer parte de seu trabalho, os seus esforços e influência ultrapassavam muito o tamanho de seus negócios. Muitos educadores e fundadores partilharam da minha preocupação de que o foco agora é uma versão destilada e produzida em massa da promessa do empreendedor social.

Nesta era de “todos empreendedores”, aceleradoras, incubadoras de empresas e cursos de formação de empreendedorismo social estão em cada esquina. A maioria deles se concentra em treinar as pessoas com as habilidades que elas precisam para iniciar um negócio social, mas negligenciam as muitas outras habilidades necessárias para compreender plenamente um problema e fomentar mudanças sociais.

Para realmente mudar um sistema, eu acredito que as pessoas precisam de um conjunto mais abrangente de habilidades, incluindo os sistemas de pensamento, uma compreensão das ferramentas de colaboração para um impacto coletivo maior, e habilidades de liderança laterais, tais como a capacidade de liderar sem poder e a habilidade de galvanizar o movimento em direção a um objetivo comum através de um ecossistema de soluções diversificado. Eles também precisam de uma compreensão fundamentada de si mesmos e suas habilidades, tais como a forma como eles gostam de trabalhar, quais papéis em uma equipe melhor atendem as suas competências, e se / como a sua tolerância ao risco se encaixa com a gama de opções de carreira de impacto social. Finalmente, se eles planejam tomar uma liderança ou papel estratégico na resolução de um problema, eles precisam de uma compreensão profunda da realidade desse problema.

Infelizmente, muitas vezes, as pessoas que recebem o financiamento para tentar resolver desafios globais não viveram os problemas eles mesmos. Isto vem de uma série de preconceitos. Os doadores, por exemplo, muitas vezes financiam as pessoas com quem podem se relacionar e, como o efeito Dunning-Krugar explica, muitas vezes pensamos que os problemas sobre os quais nós menos sabemos parecem mais fáceis de resolver. A obsessão de se tornar “um dos fundadores” também surge de uma falta de programas de financiamento educacional. Por exemplo, a maioria das universidades oferecem competições ou financiamento para ajudar os alunos a iniciar um empreendimento, mas não têm concursos e ferramentas para apoiá-los em aprender sobre e, em seguida, “acompanhar” os problemas que preocupam.

Nós — os educadores, programas de treinamento em empreendedorismo social, fundadores de impactos sociais, e professores de universidades que dão dinheiro e incentivos aos alunos para sair da universidade e solucionar problemas antes mesmo de fornecer a eles as ferramentas para compreender esses problemas — somos parte dos culpados por esse fenômeno. Estamos desperdiçando recursos limitados em soluções superficiais para problemas complexos, e dizendo aos nossos alunos que esta OK usar o tempo e “backyard” de alguém como um campo de aprendizado, sem primeiramente exigir que eles assumam a liderança na resolução de um problema que eles ainda não entendem.

Minhas conversas me levaram a diversas ideias de como nós podemos trabalhar para redirecionar esse movimento de boas intenções. Aqui estão algumas:

  • Precisamos fornecer financiamento para aprendizado, não só para resoluções. Um bom exemplo disso é o financiamento “aprendendo com um problema” (inspirado pela Fundação Peery Diretor Executivo Jessamyn Shams-Lau). Somente equipes de candidatos que viveram os problemas que estão tentando resolver podem solicitar fundos para iniciarem um empreendimento. Mas outros podem agora se candidatar a fundos para sair e aprender mais sobre o assunto com o qual eles se preocupam — para apoiar um estágio com uma organização de impacto social em um desafio ou geografia semelhante, por exemplo. Também precisamos criar mais incentivos e ferramentas para os alunos aprenderem sobre os problemas e para identificarem uma série de maneiras que possam contribuir para soluções — para além das suas ideias de negócio. A nossa competição de mapeamento de ecossistemas na Escola Saïd de Business em Oxford, por exemplo, tem como objetivo premiar os alunos pela sua compreensão dos problemas com os quais eles se preocupam, e eu desenvolvi uma Impact Gaps Canvas, que outros podem contribuir, para ajudar os alunos a pensar através do processo de mapeamento de soluções.
  • Precisamos celebrar uma série de papéis de impacto social. Muitos estudantes acreditam que os empresários estão no topo da hierarquia de carreiras de impacto, mas isso não é verdade. Nós também precisamos de pessoas para ajudar no crescimento dessas start-ups, assim como pessoas com papéis em empresas mais tradicionais, governos e organizações para ajudar a transformá-las de dentro para fora. Educadores precisam evidenciar a gama de opções e modelos de carreira de alto impacto, estender elogios, e ajudar os alunos a identificar uma série de papéis em que eles podem ajudar a replicar, conectar e redesenhar os sistemas quebrados. Para fazer isso, lançamos umaConferência sobre Carreiras de Impacto Social em Oxford; planejando um Prêmio Alumni; e estamos trazendo uma ampla gama de modelos para inspirar nossos alunos a aprender com os problemas que os preocupam. Por exemplo, a experiência única de pessoas como Avani Patel — que aprendeu com problemas de educação, primeiro como professor e depois como um administrador de escola, antes de assumir um papel de gestão de investimentos educacionais filantrópicos — serve para inspirar outras pessoas que procuram formas de contribuir para a mudança social .
  • Precisamos perguntar questões de colaboração e aprendizado. Se quisermos criar soluções para os desafios globais que estejam fundamentadas a partir da profunda compreensão desses problemas e que fomentem a colaboração para impacto coletivo, precisamos parar de financiar apenas os que estão preparados para fazer isso! No entanto, muitos pedidos de financiamento e programas aceleradores fazem mais perguntas sobre a concorrência nos negócios do que sobre colaboração. E se cada financiador de impacto social perguntasse aos candidatos de start-up: “Quais as cinco organizações que trabalham no mesmo setor, dentro da mesma geografia, ou com a mesma demografia você falou, e o que você aprendeu os sucessos e fracassos dessas empresas?” Se nós incentivarmos e celebrarmos a “construção,” nós esperamos acabar com pequenas inovações concebidas em um vácuo, e os candidatos vão sentir menos pressão para provar que eles são únicos e mais pressão para provar que aprenderam sobre o problema e as soluções atuais antes de construir seus negócios.

Tal como acontece com qualquer outro problema sistêmico, para combater o empreendedorismo heróico será necessário um esforço coletivo. Como você acha que podemos canalizar melhor as boas intenções na direção de um impacto positivo coletivo?

* Leia esse artigo no idioma original em inglês no link.

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Bruna Santos
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Knowledge & Innovation Director at Comunitas, Open Gov activist & forever a student of Systems Thinking, Chinese Mandarin, Flamenco and photography