Zika, governança e problemas complexos

Bruna Santos
ethos insights
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3 min readApr 3, 2016

Pausa na crise política para falarmos de novo no aedes aegypti. Não, ele não estava na lista da Odebrecht. O mosquito nos ajuda a lembrar de outro drama estrutural dos nossos tempos: a incapacidade das nossas instituições trabalharem em rede e distribuírem poder (e informação) entre si.

Não há dúvidas sobre a preocupação internacional com a propagação do vírus zika, transmitido pelo famigerado aedes aegypti, o mesmo transmissor da dengue, da chikungunya e da febre amarela. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de importância internacional (ESPII) por zika vírus e sua possível associação com a microcefalia e outras síndromes neurológicas.

A epidemia suscitou vários debates pertinentes e ainda não esgotados: aborto, patentes, a eficiência de políticas públicas, etc. Cada debate sempre traz consigo uma janela conceitual, através da qual se olha ao abordar o problema e a solução. Ao observar o caos instalado por conta da zika, nos debruçamos cada um sobre uma janela. A janela sobre a qual este texto fala aponta para um problema vai além da água parada, do mosquito e do repelente. Ela aponta para a (in)capacidade das nossas instituições lidarem com as incertezas, as vulnerabilidades e os riscos que problemas complexos e interdependentes como as epidemias globais representam.

A ameaça de outra epidemia fustigante como a de febre amarela no Brasil na primeira metade do seculo XX, ou a de Ebola que afetou de 2013 a 2016 mais de 28 mil pessoas e matou mais de 11 mil, fortalece as opiniões que defendem a necessidade de uma resposta coordenada ao problema. No entanto, para haver coordenação, há de haver simetria de informações. A realidade hoje é que os dados disponíveis para que agentes públicos, pesquisadores e sociedade civil possam desenvolver pesquisas e aplicações para compreender, controlar e gerir epidemias são escassos e pouco operáveis. As organizações internacionais publicam dados agregados anualmente, mas eles não são suficientes para resultar em uma gestão das crises eficaz. Esses dados agregados por organizações internacionais não são capazes de identificar para onde as equipes de saúde deveriam ser enviadas, por exemplo.

Alguns passos em direção a governança compartilhada

Em um momento como esse fica ainda mais evidente a necessidade de colaboração entre os diversos atores sociais que necessitam desenvolver soluções conjuntas de combate a uma epidemia global. Em fevereiro desse ano, um grupo de trinta publicações científicas internacionais e institutos de pesquisa, dentre eles a brasileira Fiocruz, a Nature e a Science, anunciaram um acordo para tornar públicos todos os dados produzidos sobre o vírus da zika, como forma de acelerar o combate à doença. A Fiocruz é a única brasileira a fazer parte do acordo. O Instituto Pasteur, que possui um acordo de colaboração com a USP, também se comprometeu a compartilhar dados.

Nesse contexto de crise e necessidade de resposta imediata percebe-se o potencial que ferramentas de governo aberto representam, podendo se tornar parte de um mecanismo global de resposta e prevenção a crises humanitárias. Essas ferramentas são obviamente o primeiro passo para a governança compartilhada de problemas globais complexos como as epidemias. Padrões de compartilhamento de dados abertos minimizariam o esforço da publicação de informações e poderiam resultar na criação de ferramentas como mapas de risco, por exemplo. Mediante o uso de dados mais precisos e detalhados é possível gerar sistemas de detecção e alerta precoce com base em dados históricos e em tempo real. Os caminhos possíveis para a interação da sociedade civil e científica a partir das informações compartilhadas em formato aberto são infinitos. Organizações diversas estariam aptas a trabalhar na busca de soluções mais efetivas para essa crise, cada uma para a sua realidade.
Em outro post falaremos mais sobre como as ferramentas de governo aberto são fundamentais para a efetiva articulação de redes multissetoriais. De terremotos a crises politicas, passando pelas epidemias, a complexidade dos problemas (e do impacto deles) aumenta a passos largos, e na mesma proporção deveria aumentar a complexidade dos sistemas responsáveis pela prevenção, mitigação e resposta a eles. O gargalo que antevemos já é nosso conhecido: a dificuldade de instituições compartilharem informações e poder.

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Bruna Santos
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Knowledge & Innovation Director at Comunitas, Open Gov activist & forever a student of Systems Thinking, Chinese Mandarin, Flamenco and photography