A cantora Lana Del Rey, musa do LDRV, tomando autoria do “Brasil Memético”.

Quem são os verdadeiros responsáveis pelos memes no Brasil?

As disputas autorais entre grupos sobre esse novo patrimônio nacional.

Nathalia Menezes
ETNOdigital
Published in
4 min readDec 2, 2017

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Escrever sobre memes não é uma empreitada fácil, apesar da pouca atenção com que a academia tradicional — o que perde ela! — insiste em olhar para o tema. Talvez o mais complicado na tarefa seja dissecar, num laboratório improvisado, um corpus que é tão vivo e dinâmico. Personalidades políticas, divas pop, bichos de estimação, youtubers, personagens de histórias em quadrinhos, supergrávidas: nada parece fugir a esse instigante turbilhão, e por isso mesmo é um contrassenso ignorá-lo.

Faz pouco tempo, a VICE Brasil publicou uma matéria intitulada Como o LDRV se tornou a espinha dorsal do Brasil memético. E, sem saber, o veículo adentrava um terreno um tanto espinhoso: aquele em que florescem as disputas pela cadeira de “protagonista da internet”. Naturalmente, o texto desagradou a uma parte dos que reivindicam a condição de “espinha dorsal” da produção de conteúdo na rede — ou, de modo particular, da produção de memes.

Expressas em comentários negativos sobre a matéria da VICE, as reivindicações partiram em grande medida de membros do Pandlr, que descende de uma comunidade do Orkut, a Jovem Pan. As críticas não pouparam, claro, o LDRV (Lana Del Rey Vevo), que surgiu como uma página no Facebook. Mas o que separa um e outro, afinal?

Entre protagonistas e coadjuvantes

O Pandlr está centralizado no fórum homônimo, no qual nasceram, por exemplo, os primeiros GIFs da Gretchen. Numa espécie de chan, os quase 100 mil membros — dos quais boa parte é LGBT — discutem sobre assuntos tanto corriqueiros quanto inusitados, criando conteúdo a partir de recursos verbais e não verbais. Das discussões saem por vezes expressões emblemáticas, como Morta e Fode essa buceta, que passam a figurar entre as preferidas de uma miríade de jovens na internet.

Por sua vez, o LDRV está sediado no Facebook, especificamente no grupo da “era”. A atual foi inaugurada no dia 10/10/17, com o LDRV Eden, do qual já participam mais de 250 mil pessoas. É por meio da comunidade que muitos conteúdos, sobretudo os vinculados à chamada “cultura LGBT”, viralizam. O já clássico meme da Turma da Inbonha, por exemplo, veio do LDRV.

É importante destacar que os dois grupos vão além de troca de histórias e imagens engraçadas: tanto no Pandlr quanto no LDRV há acolhimento e reafirmação de orgulho numa identidade LGBT. Pode-se encontrar facilmente posts e comentários sobre questões referentes a essa temática, como homofobia, problemas na família, política e até socialização.

Dessa forma essas duas comunidades encaram seus espaços como resistência em um ambiente preconceituoso, principalmente se observarmos as estatísticas de violência a essa minoria no Brasil. O senso de segurança e da possibilidade de autenticidade oferecidos justifica para os membros uma postura defensiva. Discussões sobre o que o grupo é e o conteúdo que ele posta portanto permeiam a própria identidade do individuo que nele participa, assim como da comunidade LGBT — o que não significa que a maioria das lésbicas, gays, bissexuais e trans do Brasil estejam no grupo ou se identificam com o que é postado.

Rir primeiro é rir melhor

A matéria da VICE orientou uma rixa que, na verdade, lhe é anterior. Embora abarquem públicos semelhantes, os dois grupos se entreolham com bastante desconfiança. O Pandlr, aliás, criou uma lista de “memes proibidos”, que são os que, de acordo com os membros, se “banalizaram” por meio do LDRV e de outras comunidades. Não bastasse, o desdobramento da Jovem Pan criou o Memepedia, acervo que, em tese, protege a autoria dos memes que surgem no fórum.

Saindo da competição entre LDRV e Pandlr sobre quem tem o controle da cultura LGBT na internet, também houve resistência na classificação do LDRV como “a espinha dorsal do Brasil memético” por pessoas que não fazem parte de nenhum dos dois grupos nem é LGBT. Outros grupos e subgrupos na internet também se ofenderam por sentirem sua importância diminuida ou por não reconhecerem no Lana Del Rey Vevo um retrato fiel do Brasil.

Páginas como South American Memes foram apontadas como uma opção melhor para o título mas o notório na repercussão da matéria foi a negação das pessoas em serem reduzidas a um grupo só. O próprio ato de compartilhar memes, embora feito em várias partes do mundo, é reconhecido como algo bastante brasileiro, devido a relação do país com o humor. Portanto, simplificar a produção de memes como sendo sustentada por um único grupo exclui muita gente do processo.

Em terra de prosumer, produzir não basta. É preciso produzir primeiro — ou seja, de um jeito autêntico e, portanto, melhor. O pioneirismo passa a conduzir a produção de sentido, além, claro, das disputas simbólicas entre os indivíduos. Já sabemos que dissecar os memes não é possível at all. Dentro do debate antropológico contemporâneo, resta-nos observá-los de forma participativa: imersos no campo, e não enclausurados no laboratório.

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Texto realizado por Alexandre Caetano e Nathalia Menezes.

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