Relato etnográfico

Etnografismos
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3 min readJun 10, 2022

De cidade em cidade, de país em país, de continente em continente, os números aumentavam e eu acompanhava assiduamente tudo pela televisão. Nos primeiros meses da pandemia de COVID-19 a Globo liberou de graça o acesso online ao Globo News, passei grande parte do primeiro trimestre de
2020 ouvindo ou vendo este canal, ia dormir e acordava com seus plantões diários. As notícias de brasileiros vivendo na Europa se espalhavam pela internet, o pânico com o número de mortos na Itália junto às imagens das pessoas lotando os supermercados com o medo de um colapso destes locais foi traumatizante. Seria o fim?

Começamos a busca por culpados, a xenofobia aumentou, a hostilidade com os profissionais da saúde cresceu, as medidas de lockdown foram extremamente discutidas, os debates da CNN já me enjoava, todo o caos político no Brasil me enjoava, parece que vivíamos diversas pandemias ao mesmo tempo, é casamento de um péssimo governo com uma péssima conjuntura mundial. Neste momento eu deixei de acompanhar jornais e redes sociais, me foquei na minha saúde mental e voltei a rotina de estudos e trabalhos, passando o máximo de tempo paranoico com espirros e tosses fora de casa ou isolado dentro do quarto.

Além da COVID, parece que estes últimos tempos tem ceifado diversas vidas ou estamos mais atentos e mais anestesiados à morte? Perdi 5 tios só neste ano de 2021, a maioria não foi constatada a moléstia. Após ter minha família inteira infectada pelo COVID e ficar duas semanas isolado, o medo da morte era real, a gente recapitula tudo que já passou, tudo que ainda gostaria de fazer e só resta deixar para o destino.

A vacina trouxe esperança, após tomar, meu ânimo aumentou mas ainda não me sinto seguro para frequentar eventos sociais. A sensação é de perda de tempo, uma simples ida a praia ficou extremamente difícil e proporcionalmente inversa em questão de satisfação, quando consigo, sempre sozinho ou com minha companheira. Desde o início eu já pensava que a pandemia poderia demorar 1 ano para passar, nunca pensei que demoraria
muito mais. A falta de conhecimento de outras pandemias e epidemias pesou aqui, pois diversas delas vão e voltam com os anos após o surto inicial, e conforme se criam melhores métodos de profilaxia ou de cura, os números de infectados vão caindo lentamente.

Meus maiores medos nestes tempos foram a ansiedade e o medo da morte. Minha concepção de saúde e doença tornou-se mais ampla, comecei a estudar assiduamente a História Ambiental e a relacionar tudo ao meio ambiente, entrei em um grupo de estudos de história da saúde e doença e relacionei com maior firmeza a expansão do capitalismo com a atual e futuras zoonoses. Diversos autores dizem que o avanço da cidade sobre o campo irá tornar estas pandemias mais recorrentes, qualquer doença que possa surgir daqui pra frente não será mais surpresa para mim. O futuro se mostra complicado para nós como espécie, será o fim do antropoceno? Só me resta a esperança na
tecnologia e na humanidade para reverter esse quadro apocalíptico.

Eduardo

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Exercício de escrita do tempo presente proposto pelos integrantes do CONATUS - laboratório de pesquisas sobre Corpos, Naturezas e Sentidos (antropologia/UFF).