Etnografismos
etnografismos
Published in
3 min readMay 24, 2022

--

Ted Lasso é uma coisa!

Ted Lasso pra mim é a prova de que paixão à primeira vista existe. Me surpreendo quando num dia, procurando um filme pra me fazer companhia — hábito que a Eu criança e Eu adolescente tínhamos e que a Eu adulta abandonou por alguma motivo — enquanto arrumo meu quarto, me deparo a meia-hora em pé com Ted Lasso. O nome, agora, do protagonista. Que é o
Jason Sudeikis de bigode. Em Londres. Um pouco-experiente treinador de futebol norte-americano que se muda para Londres. Contratado por um time famoso, à beira de uma relegação. Quem o contratou foi Rebecca, que vive um inferno pessoal e que agora é dona do time que pertencia ao seu ex-marido, que é um babaca. Ela quer afundar o time. E sim, a série sabe do absurdo dessa premissa. E pouco importa. Ele é espirituoso, positivo e, curiosamente, seu lema é “Believe”, de “Acredite.” E por que falo disso? Minha sina, sentir mais no Cinema do que na vida.

Ora, Ted Lasso despretensiosamente bate na porta de sua chefe todo dia para lhe dar biscoitos. Os melhores biscoitos que ela já comeu na vida. E que fazem ela se sentir em casa. O que ela não fala, já que não quer se afeiçoar a ele (tarefa que ele torna muito difícil). Ela o pergunta aonde ele compra os biscoitos e ele não a diz, já que se assim fizesse, não poderia levar para ela e dizer ‘bom dia’ todos os dias. Ela sorri. Ele sai. E, antes que o episódio termine, descobrimos que ele não compra os deliciosos biscoitos. Ele cozinha os biscoitos. De noite, algumas vezes na semana. E separa em caixinhas de tom pastel dois biscoitos, para cada dia. E, desculpe a pieguice, eu acho isso fofo. Não, eu acho isso muito fofo. Por que eu amo “coisas”. E o biscoito é uma “coisa”. Digo, o fato de a Rebecca se sentir em casa quando os come é uma “coisa”. Então, o carinho pelas coisas, mas não as coisas-coisas como costumamos definir as coisas. Refiro-me ao carinho por trás das coisas. Tipo quando a minha respiração e a da minha cachorrinha entram em sincronia quando ela deita sobre o meu colo. Ou quando escuto o coração do meu pai quando ele me abraça e quando escuto a risada da minha mãe. Ou quando sento calmamente para ler um café e tomar um livro. Não, ler um livro e tomar um café, desculpe. Um leite com nescau feito com amor (e com uma colher de cacau e canela). Uma mensagem com um sticker ridículo de uma amiga. Os filmes do Mubi. Áudios de sete minutos. O barulho do teclado quando se digita. Incenso de canela. Pão com ovo de manhã. “Lava a frigideira com o lado liso da bucha”. Um pôster do meu filme favorito. Ouvir a mesma música todo dia. Chocolate amargo. O céu de três cores diferentes no fim de tarde. Ouvir minha avó falar do seu livro favorito. Terapia. Aquele livro do Truffaut e descobrir que, na verdade, você só precisa de uma faca tipo de ‘chef’ na cozinha e que o resto é balela com o Anthony Bourdain. Pontos de exclamação e carinhas felizes em e-mails. Escrever. O instagram do Ary Fontoura e todos os livros da Maria Ribeiro.
Eu acredito, nesse tipo de coisa.

Thaíssa

--

--

Etnografismos
etnografismos

Exercício de escrita do tempo presente proposto pelos integrantes do CONATUS - laboratório de pesquisas sobre Corpos, Naturezas e Sentidos (antropologia/UFF).