Oppenheimer (2023)

Marcel Trindade
Eu não sou crítico de cinema, mas…
4 min readJul 19, 2023

No decorrer do últimos 25 anos, Christopher Nolan alcançou um status de gênio implacável na Hollywood contemporânea. Com filmes extensos e virtuosos, temas elaborados e normalmente gravitando a ciência moderna, história geopolítica e dramas humanos, Nolan é artesão de um cinema com a aura artística de Kubrick e a voz inovativa de Spielberg. Em Oppenheimer (2023), o diretor parece ter encontrado um marco novo em sua carreira, integrando o brilhantismo de trabalhos anteriores como Interestelar (2014) e Dunkirk (2017) ao mesmo tempo em que supera obras mais titubeantes de seu catálogo, como Tenet (2020) e A Origem (2010), onde gimmicks e traquitanas parecem se sobrepor à necessidade de contar uma história mais concisa.

Divulgação/Universal Pictures

O filme abre com uma citação remetendo a Prometeu, o titã que roubou o fogo dos deuses e deu aos homens na mitologia grega. É um tema interessante de se revisitar, principalmente ao relacionar isso com a inegável sincronicidade do nosso próprio tempo. Ao encher a tela com figuras históricas na pele de um elenco tão variado e competente, Nolan opta por colocar tais personagens a serviço da história, retificando em muitos momentos sua necessidade de diálogos expositivos como em obras anteriores. A vantagem de ter esse elenco de personagens que são paradoxalmente conhecidos e desconhecidos do grande público lhe dá uma liberdade “quântica” em imprimir a partir de seus atores a personalidade e intenção que lhe servir melhor à história.

Cillian Murphy preenche a tela com uma grandeza conquistada na relação construída com o diretor ao longo dos anos (o ator figurou em metade dos filmes de Nolan) e faz uso de uma confiança estável para criar um personagem complexo e simpático (às vezes mais do que o necessário, em minha opinião). Robert Downey Jr o contrapõe, em uma performance generosa e contida, longe dos maneirismos caricatos que o ator precisou lapidar nos últimos anos para encarnar seus alter egos oriundos de literaturas mais juvenis e rasas. Embaixo de uma maquiagem densa, ele ainda assim traz uma voz única e harmoniosa com a totalidade da obra. Minha aposta é a de que ambos atores serão indicados a premiações nas temporadas vindouras.

Divulgação/Universal Pictures

O elenco é tão grandioso e traz tantos colaboradores novos quanto recorrentes do diretor, e a forma como eles são pulverizados ao longo do filme é feita com graciosidade e maestria. Em especial a participação de Gary Oldman como presidente Truman e Tom Conti como Albert Einsten. Confesso que fiquei muito feliz quando vi Macon Blair integrando o elenco, porque carrego grande simpatia por ele desde que vi o excelente Ruína Azul (2013).

Nolan alega não ter usado sequer um pixel de CGI na realização de Oppenheimer, o que é crível e talvez não tão surpreendente, mas certamente virtuoso, e prova que ainda é possível contar boas histórias com um roteiro competente, uma montagem eficaz e uma visão clara do que se quer contar. A direção de arte carrega muito da história, mas isso é um ponto pacífico na cinematografia do diretor, e esse cuidado com os detalhes sempre elevaram muito o tipo de cinema que ele faz.

Divulgação/Universal Pictures

Uma das novidades é uma interrupção na parceria do diretor com o compositor Hans Zimmer, substituído mais uma vez pro Ludwig Göransson, que havia colaborado em Tenet. O jovem compositor sueco que vem ganhando cada vez mais espaço em Hollywood consegue lidar de forma inventiva e sutil com a trilha sonora, amplificando as atuações e elevando a história com peças pouco convencionais, mas extremamente apropriadas.

Oppeheimer é um grande êxito do cinema. E nos ajuda a refletir momentos como o atual, onde mais uma vez, os avanços da ciência podem mudar tudo para pior ou melhor, só dependendo de quem aplica tal ferramenta. É interessante ver a meta mensagem que esse olhar para história deflagra em nosso presente. E uma vez que a caixa se abra, talvez só consigamos entender o quanto o mundo mudou quando conseguirmos mais uma vez olhar por cima de nossos ombros. Assista em IMAX, se possível. A experiência é incrível. Oppenheimer estreia dia 20 de julho em todos os cinemas.

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Marcel Trindade
Eu não sou crítico de cinema, mas…

Cartoonist and comedian. Works, lives and rests in Porto Alegre, Brazil.