Avuá é preciso

Melina Cavalcante
Crônicas de uma cidade sem fim
1 min readOct 21, 2018

Não quero dizer... É poderoso matar palavras.

Quando elas falam rápido eu não entendo muito bem. Eu deveria entender. Nunca vi um filme sueco. Para onde viaja a minha família? A gente vai pescar. É… no rio Tocantins. Tenho memórias com cheiro de relva fresca, toque de água doce e de trilha sonora, baião. Não sei quem é Ingmar Bergman.

Minha mãe conta que demorei a nascer, foi um parto longo, preguiçoso, difícil dizer. No divã enxerguei meu rosto pela primeira vez. Cada um sabe o preço que paga para nascer, mas como é difícil deixar morrer... No sonho meus pés estão congelados, eles me cortam os pés. Eu vou me afogar. Há gelo em mim.

Alice!

O relógio tinha se quebrado, eu estava tentando arrumar. Não havia peça para troca. O relógio havia se quebrado. Eu não vou arrumar!

Achei a chave que guarda o cofre do tempo. Agora posso falar em Francês. Desci a rua da química com a bike que meu irmão deixou para trás na mudança que ainda não terminou de fazer. Eu tinha um dicionário novo. Avoir é um verbo com muitas flexões.

No sonho minha vó dizia: avoir é preciso, minha filha. Avuá é preciso…

Um difícil e precioso parto. Avoir avuá.

--

--

Melina Cavalcante
Crônicas de uma cidade sem fim

Mestre em Psicologia Social | Facilitadora de aprendizagem| Pesquisadora de carreira e gênero.