O brilho do adverso

Melina Cavalcante
Crônicas de uma cidade sem fim
2 min readJan 25, 2019

Este texto não é sobre São Paulo. E por se recusar a ser, é. Estas palavras são o rastro da trajetória elíptica de todos aqueles que, assim como eu, não são daqui e, no entanto, percebem seus corpos orbitando em torno de um sol que brinca de se esconder no pano cinza.

Talvez seja a alucinação de Belchior ou talvez eu tenha me dado conta do engano de uma promessa que não se cumpre. Onze longos, efêmeros, esfumaçados anos se passaram sem eu conseguir fazer deste o meu canto. Um fracasso embaraçado nos pés daquela que não conseguiu deixar a sua terra.

São milhões de desencontrados vindos do norte. Quantos antes de mim? Quantos ainda por vir com “os pés cansados e feridos de andar légua tirana*”?

Este texto é para aqueles que da vida só conhecem o trabalho. Para quem não tem medo de morrer. Para quem vive de transformar. Para quem promete, um dia, regressar. Para as vozes que se escutam do celular pré-pago da TIM. Para as mãos que oferecem aquela comida que só se come aqui. Para os peitos ausentes que estão cheios de saudade. Para os que suspiram. Para os que não desistem. Para os que amam de um jeito seco e profundo. Para quem escolhe plantar o futuro com as mãos calejadas do agora. Para quem faz da própria história a lâmina afiada que abre a clareira do comum-viver.

Quantos antes de mim? Quantos ainda por vir?

São Paulo, peço licença. Vou germinar palavras com o brilho latente do seu verso.

*Fotografia 3x4, Belchior: https://www.youtube.com/watch?v=UyYH1biSlBY

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Melina Cavalcante
Crônicas de uma cidade sem fim

Mestre em Psicologia Social | Facilitadora de aprendizagem| Pesquisadora de carreira e gênero.