dicotomia

Allie Terassi
eu, poesia
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2 min readSep 29, 2020

hoje acordei e descobri que sou poesia. mas não aquelas que os trovadores declamavam em cantigas, ou as de Camões no classicismo português. nada daqueles sonetos com exatas escansões silábicas, nem aquelas rimas limitadas. sou poesia como as de Andrade: incultas e, às vezes, irreverentes. coloquial, sem me lembrar da sintaxe. descobri que eu não começo com letra maiúscula e até esqueço dos meus sinais de pontuação.

sabe? me assustei. porque hoje, eu acordei e descobri que sou filosofia. mas não aquela de Schopenhauer que me impede de sonhar, nem a de Platão, tão platônica. sou uma filosofia quase como a de Sartre: totalmente condenada à liberdade. meio cética de mim mesma, mas certa das incertezas que me fazem real.

acho que essa liberdade assusta. porque hoje mesmo, descobri que sou arte. mas não daqueles quadros cubistas de Braque ou Picasso. não, que chatice. sou arte como as de Dalí: surrealista demais para ser concreta e real demais para ser utópica. faço todos os meus relógios derreterem nas psicoses das canções que a minha memória persistente conclama.

e tudo isso continua me causando desconcerto. porque ainda hoje descobri que sou tudo isso. e nada disso. ao mesmo tempo. descobri que talvez eu seja poesia demais para ser poética, não rimo com essa dicotomia que sempre me declamaram, sabe? porque talvez essa minha filosofia seja livre demais para ser existencial e minha arte verdadeira demais para os quadros de Miró. é, talvez eu seja humano demais para esse mundo dicotômico. amanhã, eu realmente não sei se vou acordar, mas já descobri que sou real demais para tentar me encontrar.

me perdi. ainda bem.

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Allie Terassi
eu, poesia

sou uma falha epistemológica tentando produzir poesia e teologia. e a melhor delas está no outro.