Pacarrete é uma protagonista diferente, questionadora do que está imposto (Foto: Vitrine Filmes)

Nossas diferenças não nos tornam loucos ou dignos de vergonha

Pacarrete é um drama cearense que traz consigo reflexões e muitos risos

Maria Vitória Pimentel
EUFORIA
Published in
5 min readOct 15, 2020

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Pacarrete é um drama cearense que acompanha a vida de uma professora de balé, uma artista extravagante e excêntrica muito julgada pelo seu jeito agitado e diferente de ser. É uma obra comovente e necessária para momentos como o atual, marcado pela ignorância contra a cultura, a arte e as pessoas. Baseado em fatos reais e filmado em Russas, interior do Ceará, Pacarrete me cativa e me faz refletir quando reparo que tenho muito da personagem principal, também chamada Pacarrete.

Muitos veem loucura no seu jeito de ser. Mas na verdade, Pacarrete necessita de acolhimento e compreensão. É um filme que possui muita relevância e brilho, traz reflexões importantes e abordar um tema de suma importância, a sanidade mental. A personagem, por ser apaixonada pela arte, pelo balé e pela cultura francesa, mantém-se firme à ideia de montar uma apresentação artística para o aniversário de 200 anos da cidade de Russas, onde reside. Embora eufórica e muito disposta, precisa de apoio para que isso se concretize, bem como da oportunidade e do respeito das pessoas da cidade. Precisa convencer os gestores locais, pois somente através deles é possível presentear a cidade com seu talento, mas a forma como eles lidam com Pacarrete é desprezível e muito preconceituosa.

A partir disso, é visto com clareza o que a desvalorização da arte causa. O que a ausência da compressão ocasiona. E, consequentemente, a importância do respeito e da compreensão. No filme, retrata-se a desvalorização da arte e a ignorância do povo, em razão do contexto que estão inseridos, por não entenderem a importância da diversidade. São consequências de uma sociedade que não preza pela cultura e pelo respeito.

O filme tem uma abordagem extremamente tocante pra mim, Maria Vitória. Retrata a desvalorização pelo que difere e o quanto isso afeta a população. Talvez, a maioria de nós tenha um pouco da personalidade de Pacarrete. Onde vive, não há pessoas como ela, por isso muitos e muitas a julgam. De louca. Sem noção. Um julgamento preconceituoso que desrespeita a diversidade. Pacarrete reage aos julgamentos de forma explosiva, contundente e até agressiva. Pra mim, é nítido que a reação da personagem é resultado da ignorância das pessoas em sua volta. A ignorância nos afeta, é inevitável não afetar. Não somente aqueles que a praticam, mas toda a conjuntura que envolvida está.

Nesse viés, através da obra cinematográfica percebo que as pessoas diferentes do comum, que não encontram representatividade no seu meio social, querem e buscam respeito e compreensão, somente. Afirmo com propriedade. Uma vez que respeitar e compreender não é aceitar e concordar. Compreender é entender que independente da forma de pensar e agir, dos gostos, das preferências e entre outras questões, nada nos permite o direito de diminuir, ridicularizar, escandalizar e agir de forma desrespeitosa com os diferentes de nós.

Nasci, cresci em um lar, em uma família, em um bairro no qual sou diferente das pessoas que me rodeiam. Minha forma de pensar, minha forma de ver as pessoas e de lidar com elas são consideradas diferentes. Minha sensibilidade às pessoas e às situações reais é indescritível por ser algo muito particular. Nesses lugares descritos, não encontrei representatividade, embora tenha constantemente buscado. Com frequência encontrei críticas, opiniões maldosas e muito ofensivas, assim como Pacarrete. Também já fui taxada de louca, estranha, bipolar. Puta, dada e outras palavras sem o mínimo de empatia.

Marcélia Cartaxo, protagonista do filme, e Allan Deberton, diretor, no Festival de Cinema de Gramado de 2019 (Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto/Divulgação)

Reagi com revolta diante de tanta ignorância. Muitas vezes lágrimas, outras vezes gritos e até xingamentos. Não conseguia lidar e me conter com a tamanha estupidez da raça humana. Embora ainda muito jovem, ainda vítima, alvo de muito desrespeito, minha forma de lidar já não é mais a mesma. Tais atitudes agressivas chegavam à tona porque eu não sabia como reagir de outra maneira. Me causava sensação de revolta ter que ver, ouvir pessoas tentando me rotular, me diminuir e me agredir verbalmente. É conflitante você apenas querer ser você e ter muitas pessoas para tentar te convencer de que está errada ou errado por sua forma de pensar e agir. É difícil ouvir pessoas lhe definindo com opiniões agressivas e às vezes até com baixaria. Uma vez que essas pessoas não têm propriedade pra isso, pois não sabem, não sentem, não vivem e não são como a gente.

É preciso resistência por um mundo com opiniões, crenças, perspectivas diversas. É libertador pensar e agir fora da caixinha. O requisito é respeitar todos e todas! Mas claro, não podemos tolerar o intolerável. Dessa forma, é preciso lutar contra qualquer prática que não é respeitosa. Mas de que forma? Sendo para o mundo e para as pessoas aquilo que gostaríamos de encontrar.

Outro ponto importante… Recentemente li no Twitter: “Nascemos todos diferentes e morremos todos iguais.” Sim! Pacarrete era diferente e de forma indireta e direta as pessoas queriam fazer com que ela desacreditasse da sua verdade. Para que assim como tantos outros Pacarrete morresse igual a eles.

É necessário ressaltar o quão admirável é ver pessoas buscando ser o que são, buscando exalar sua essência, sua verdade e sua natureza. Ato nobre e corajoso, pois sabemos o quão desafiador é sermos nós mesmos. É lindo, é realmente nobre e admirável nos aceitarmos! Os que agem de forma desprezível para abalar as corajosas e os corajosos agem em prol de um mundo sem diversidade, sem pluralidade e sem brilho. Mas a meta é ser o que somos e buscarmos construir uma sociedade mais fraternal, entendendo que o diferente não é feio, ridículo, menor ou errado. Portanto, liberte-se do senso comum, do que impõe, das regras, dos conceitos formados, dos padrões e sobretudo liberte-se do medo, primordialmente do seu próprio. As nossas diferenças não nos tornam loucos ou dignos de vergonha. Somente nos tornam especiais, diferente dos iguais.

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Maria Vitória Pimentel
EUFORIA
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Tagarela compulsiva, curiosa irremediável e otimista patológica.