Edícula
Pode abrir a porta
Que eu vou entrar
E não sem você notar
Cê vai ver
Eu vou te olhar bem no meio
Enxergar bem no fundo
Onde você aí de fora
Nem imagina
Vou perfurar sua carne
Sua ideia
Seu processo
E ver através
Vou te encarar
Te incomodar
Encontrar aquele espaço
Feio
Sujo
Aquele lugar que você
Jura
Que tá esquecido
Inutilizado
Embolorado
Eu vou te contar
Gritando bem de dentro:
Esse lugar aqui
Úmido
Imundo
Escuro
Fechado
Esse lugar aqui
Fede mesmo
Fede mofo
E olha só
Tem bastante coisa aqui
Tem desejo
Tem maldade
Tem gente aqui
Eu tô inclusive te vendo
Vagando no abismo
Eu tô te vendo aqui
Só você
Que não se enxerga
Bem aqui na minha frente
Você luta
Tenta manter os pés
Parados
Tenta manter o corpo
Em pé
Faz tanto tempo
Que tô aqui
E você ali
De olhos fechados
Morrendo de medo
Tremendo de frio
Tentando escapar
Eu vou gritar daqui:
Acorda
O que o olho não vê
O corpo sente
O corpo enxerga
O corpo registra
E o seu já sabe bem
Que você tem vivido
Aqui
No escombro
Então abre o olho
Bota pra circular
O ar
A vida
Ou você assume
Essa zona de morte
Esse quarto de merda
Esse lixo desterrado
Que te ocupa
Ou continua vivendo
Assim
Nessa casa asséptica
Nesse espaço claro
Nesse ambiente artificial
E continua vivendo
Gastando cada resto
Cada migalha
Na tentativa de encobrir
O cheiro de podre
O corpo decomposto
A parte azeda
E continua vivendo
Tentando agarrar
Com as mãos infectadas
Cada poeira de pele morta
Tentando recolocar
Com as mãos trêmulas
Toda a casca de volta
E continua ignorando
Esse espaço enorme
Que você esconde aí dentro
Pode abrir a porta
Eu vou entrar
E não sem você notar
Cê vai ver
Eu vou te olhar
bem no meio
Enxergar bem no fundo
Onde você aí de fora
Nem imagina
resgatada do bloco de notas, fev.2019