Quinta da Boa Vista
sonhei que era meu corpo que queimava
eu só podia observar
impotente
a pele arder
como merthiolate sobre machucado
soprar não adianta
vi as entranhas, músculos, sangue, linfa, ossos
virarem primeiro churrasco
depois brasa
e então cinzas
a pele a pururuca
sem gritar nem ai
não adianta gritar
sonhei que era eu quem pegou fogo
e acordei pesada
como se as cinzas do museu tivessem
acumulado sobre mim
a boca seca
os olhos secos
o corpo quente
febre causada pelo ódio dos outros
contra quem sou e escolhi ser
já estamos em setembro
falta muito para a luz da saída
ela chega, um dia, chegaremos
guiados pelo amor
ao longo desse túnel escuro
úmido apodrecido
é preciso acreditar no amor
cola universal
emenda até o erro mais arrependido
estanca o choro mais jorrado
consola a esperança mais queimada
destruir um museu
é assassinar um futuro
torresmo intragável
Nascido no dia 03/09/2018, as cinzas do Museu Nacional ainda mornas
Foto de Tânia Rêgo/Agência Brasil