um silêncio
são dez da manhã
e só os passarinhos cantam
comendo jabuticaba
dos galhos mais altos e frágeis
são dez da manhã
de uma semana pesada
resultados de eleições
apertadas as nossas gargantas
travadas as nossas clavículas
curvadas as nossas costas
amedrontadas pelas próximas semanas
batalhas a favor das vozes que serão
silenciadas se o ódio vencer vai ser
um silêncio
humano
as cigarras continuam cantando
porque a primavera veio
mas entre as pessoas
um silêncio
denso que nem
pudim que assa no ponto certo
sem nenhuma bolhinha de ar
para respirar
mas pudim é doce
e esse silêncio hoje
é férreo é meu
sangue na boca
depois de perder um dente
ano que vem
espero ainda ter dentes
riso gargalhadas sinceras
espero ter pernas e braços e voz
que se movem com orgulho
sem apesar de
olhar terno nos olhos
sem apesar de
abraços demorados
sem a pesar de
almoços de família
daqueles com mesa grande
e farta
já não são possíveis
para muitos
falta
carinho e olhar para o outro
falta
olhar para o medo do outro
falta
acolher o outro e proteger
o outro
só uma opção poderá
talvez
evitar o extermínio
talvez
se a gente se juntar
talvez
quem tem coração vote
talvez
vote com o coração
talvez
então talvez
dê certo
talvez
permaneceremos juntos
talvez
será possível comer
um peru uma farofa
sem indigestão
sem torta de climão
com pudim e mousse de maracujá
fresquinho porque aqui
em dezembro é verão
e depois vem 2019
sei lá como vai ser
mas espero
que o amor vença
mesmo pensando diferente
que o amor vença
para a gente poder cantar dançar viver
apesar das diferenças
por causa das diferenças
diferenças são potências
e as diferenças constroem pontes
e o contrário do medo é o amor
e a esperança é saber
esperar
pelo melhor
rompo o silêncio com um assovio
ainda é possível o assovio
ainda é permitido dar forma ao pensamento
ainda é permitido mesmo que odeiem
assovio
e o Bem-Te-Vi responde
lá do alto da jabuticabeira
bem te vi
te vi
Vivi
vi