Cogito RPG — O Bairro

Ex Ignorantia
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3 min readMar 29, 2019

“Vocês têm uma hora pra me entregarem a mulher nessa foto” — ele aponta o dedo para um rosto magro, abatido, mas desafiador impresso no papel em sua outra mão — “ou a gente vai passar bala em todo mundo. Sacaram?” O Demônio sorri cruelmente e seus olhos brilham por trás dos óculos escuros, sorvendo o medo que identifica nos presentes.

A comunidade do bairro já tinha problemas suficientes quando, naquele fim de tarde, três carros fecharam a rua principal e começaram a procurar freneticamente por uma jovem desaparecida. Ela deve ter feito algo muito errado, pensam os moradores assustados diante dos homens portando armas que entram, a seu bel-prazer, em todos os negócios e casas por perto.

Ao perceberem que seu alvo não estaria simplesmente esperando para ser encontrada, seu líder ordena que os moradores da quadra sejam trazidos para a rua, assustados e agarrados a seus entes queridos. Uma ameaça geral deveria surtir o efeito necessário, ele pensa.

“Que droga tá acontecendo aqui?” — pergunta uma voz cansada de dentro da academia de boxe a um prédio da esquina. Pelas portas, surge um homem negro de cerca de sessenta anos, bom porte físico e uma expressão que indica seu total desgosto com o que está presenciando. “Eu disse” — o Anjo da Guarda estica os músculos enquanto caminha até os homens armados — “Que droga tá acontecendo aqui?”

Rodney tinha total confiança de que seria capaz de derrubar os três capangas humanos que rapidamente se moviam em sua direção. Mas o Demônio, ele pensa, pode ser problema. Ele não pode expor os moradores da quadra a ainda mais perigo. Antes mesmo que seu pensamento se conclua, um dos brutamontes que vai em sua direção parece detido por uma força invisível e é, então, arremessado ao chão com um baque.

“Não comecem a festa sem mim” — diz outro Anjo que se aproxima, vindo da pequena fábrica têxtil do outro lado da rua. Em sua mão, os olhos treinados de Rodney podem observar fios que se contorcem como se estivessem vivos. Os mesmos fios que discretamente envolveram os pés e pernas do capanga agora desacordado. “Saiam daqui, voltem para suas casas, vamos” — diz o recém chegado para as famílias assustadas. O Demônio, confuso, apenas observa enquanto os moradores rapidamente partem para seus respectivos refúgios, para longe da violência que parecia cozinhar no ar.

Os membros da gangue olham para ele, divididos entre o inesperado convidado e o pugilista à sua frente. Ambos confiantes de si e, para o Demônio, incômodos e inesperados Anjos para complicar sua missão.

“Não no meu bairro, moleques” — diz Rodney ativando sua Relíquia e se lançando com um soco para cima do capanga mais próximo.

arte Isaac Santos

Como imaginavam, após incapacitar os capangas, mandando-os embora ganindo como cãezinhos a procura de suas mães, não havia nada que o Demônio ousasse fazer contra os dois Anjos a sua volta. Amargurado, ele silenciosamente entrou novamente em seu carro e sinalizou para que o motorista partisse. Mas não sem antes ter certeza de que havia memorizado as caras daquelas duas pedras em seu sapato. Estes Anjos ouviriam falar dele novamente, podem apostar.

Rodney e Silas, enrolando seus fios novamente em seus pulsos, observam seus problemas se afastarem com uma cantada de pneus. Por experiência, sabiam que a noite não estava terminada, que gangues não desistem tão facilmente de seus objetivos.

“Vamos tomar um café na minha casa. A gente chama todo mundo do bairro pra ajudar nessa. Você ainda tem o contato daquela professora que mora aqui por perto? Aquela Anja é durona”. Ambos caminham em direção a antiga academia, sentindo as dores pontuais do combate anterior. Sua noite está apenas começando.

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