Maria Luiza com z

Natacha Portal
Portal Ensaios
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3 min readJan 14, 2016

Acordei mal-humorada, fui grosseira e magoei quem amo. Que bosta de dia, pensei. Resolvi caminhar até a praia, olhar o mar e quem sabe melhorar meu ânimo. Há pouco mais de dois meses em Florianópolis aprendi a apreciar o quebrar das ondas. Nunca fui muito fã de praia, mas a água salgada tem propriedades curativas, garanto. Caminhando, uma ou outra corridinha cortada pela falta de ar — fumantes entendem — resolvi salgar a alma. Fui até a ponta oeste da praia, lugar mais calmo, sem ambulantes e, às 9h de um dia nublado, com menos turistas.

Nunca levo bolsa durante as caminhadas e, por pura idiotice, nunca estou de biquíni. Não que tenha muita importância. Tirei a blusa, o tênis, guardei a chave e o fone de ouvido dentro do tênis e procurei alguém que pudesse olhar minhas coisas. Vi um senhor sentado na sua cadeira de praia, embaixo do seu guarda sol, olhando o movimento por detrás das suas lentes transitions. Pedi para ele olhar minhas coisas enquanto dava um mergulho. Tudo bem, ele respondeu.

Que mergulho! A água na temperatura ideal, o mar — como que sonolento — parecia me dizer “Não acredito que tu veio pra praia com essa cara de cu. Mau humor não resolve nada. Acorda, menina!” O mar é esse senhor brincalhão sem meias-palavras. Gosto dele. Na minha cabeça ele é um vovô queimado de sol com cabelos e bigodes parafinados. Eterno garotão.

Uns 15min depois, salgada e pensando na caminhada de volta, conheci a senhora que, com ajuda do mar, melhorou meu dia. A dona Maria Luiza estava se equilibrando para não cair com as ondas. Saimos juntas do mar.

Ela, professora aposentada, está há 7 anos em Floripa. Gaúcha de Novo Hamburgo (como tem gaúcho em SC!) dona Maria foi me contando a vida dela enquanto eu ia, devagar, comentando algumas inquietações. Foi quando ela me disse que não devemos desistir. Aos 60 anos, dona Maria resolveu mudar, literalmente, ir embora do Rio Grande do Sul. Vendeu tudo e falou para o marido “Tu quer vir? Se não quiser fica, mas eu vou!” Eita, mulher! Gostei dela no ato. Passados 13 anos, ela me contou que já empacotou suas coisas umas 5 vezes. “Natacha, que lindo o teu nome. Eu demorei 60 anos para mudar minha vida, sair da mesmice dos dias. Tu é nova, não desanima.” A minha resposta instintiva para quem diz que sou nova é sempre “Eu tenho quase 30!”. Não foi diferente. E não fez diferença para a dona Maria também.

Conversamos sobre muitas coisas, mas principalmente sobre a mudança na vida da minha amiga Maria Luiza “Luiza com z porque sou das antigas”, como ela mesmo diz. Ela achou o lugar dela, ama morar em Santa Catarina. Dormir com o barulho do mar e acordar com os passarinhos. Tive um sentimento de satisfação enquanto a ouvia falar, ela transbordava realização. Fiquei feliz. Não só por ela, feliz por a ter conhecido.

Meus problemas não sumiram, mas dona Maria me ajudou a enxergá-los de forma diferente. No final das contas, ela é a esposa do senhor com o qual deixei minhas coisas. Seu Nereo. Percebi que ele é o caladão do casal. Semana que vem irei visitá-los, ao lado da casa deles tem uma trilha que leva à praia do Moçambique. O neto mais novo deles é surfista, quem sabe ainda ganho umas aulas? No meu celular o número da minha nova amiga está gravado como “Maria Luiza com z”.

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