Sou uma farsa

Natacha Portal
Portal Ensaios
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2 min readFeb 14, 2018

Minhas ações não acompanham meu discurso. Sou uma mulher egoísta e cruel. Mesquinha e hipócrita. Aponto e julgo o outro. Teço críticas severas às ações e postura alheia. Despejo hostilidade em forma de opinião. Descontrole verbal embebido na saliva vil de quem não reconhece o próprios atos. Estou decepcionada comigo.

Defendo a emancipação do ser. A inconversível responsabilidade de ser fiel a si mesmo, de respeitar o próximo, de pensar no coletivo, de se colocar no lugar do outro. Minha oratória de empoderamento, de autoconsciência, de sempre tentar entender ou, no mínimo, aceitar o outro malogra sob a incoerência dos meu atos. Dissonância de mim.

Abro os olhos para o absurdo em minhas atitudes. Recuso a alcunha de algoz. Dispo-me do orgulho e reconheço: sou a crueldade em crise. Refém da vaidade, espelho do meu ego. Quero limpar minha alma, higienizar meu caráter. Sinto-me pequena, esmagada por arroubos sórdidos travestidos de opinião. Estou envergonhada.

Esmiúço meus atos. Reduzidas a pó, minhas atitudes são poeira, grão de areia, que incomoda e machuca meus olhos. Quero a cura para a incongruência em mim.

Pra me encher do que importa

Preciso me esvaziar

Minhas feras encarar

Me reconhecer hipócrita

Dói me ver assim. Dói me reconhecer assim. Nos escombros da desconstrução identifico meus defeitos. Descobri o meu eu inimigo, na ponta da língua, na acidez das palavras. Oratória completa que enaltece a maldade em mim. Abdico do cinismo para expor, nua, a tristeza de me reconhecer ordinária.

Mas se eu não tiver coragem

Pra enfrentar os meus defeitos

De que forma, de que jeito

Eu vou me curar de mim?

Me cura de mim — Flaira

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