#13, Belchior & Gilvan de Oliveira, “Belchior Acústico”

Tales Marques
experimentales
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4 min readSep 13, 2017

Um dos artistas mais interessantes e mais fora dos trilhos da MPB, Belchior viveu sua vida sem se importar, com uma relação muito próxima com o que escrevia em uma música. A filosofia do “viver, é melhor que sonhar” foi com certeza, o que definiu a vida desse grande cantor e compositor. Além disso, essa postura também ajudou a transformá-lo ainda mais em um mito, por o tornar um artista atemporal e que sempre dialoga com a juventude e a sua busca pela liberdade.

Eu considero o cearense como o artista mais próximo do que poderíamos chamar de folk brasileiro. Sempre influenciado pelo tradicional, por sua formação musical diretamente ligada à Igreja e pela influência das culturas típicas do nordeste em suas produções. Mas ainda com o ar contestador, de um verdadeiro libertário, batendo de frente com as maiores instituições e também com outros movimentos socioculturais.

Esse caráter desafiador da sua música fica claro principalmente em sua crítica a grupos sessentistas como o movimento hippie, sempre citado em sua música. Mas também aparecia devido a visão que os chamados “Pessoal do Ceará”, grupo formado por ele, Fagner e Ednardo. Os músicos que roubaram a cena no eixo Rio-São Paulo nos anos 70, rompeu diretamente com os tropicalistas pela sua proximidade com os conceitos vigentes da década anterior.

O cantor realizando apresentação ao vivo. Fonte: Rádio Verdes Mares

O rompimento não impedia, no entanto, que os músicos demonstrassem muita admiração por esse outro grupo. A divisão só deve ter existido graças as grandes diferenças conceituais existentes em sua música. Os tropicalistas traziam uma visão mais onírica do mundo, representando às coisas mais próximas do surreal e da pós-modernidade. Já os artistas cearenses buscavam uma visão mais concreta do mundo, suas críticas eram muito mais claras e contundentes, eram músicos que representavam melhor a sua época do que os já estabelecidos artistas da Tropicália.

Mesmo com toda essa proximidade com os outros cearenses enquanto se consolidava como artista da MPB, ele ainda sim não se identificava diretamente com o grupo. Belchior definitivamente não era o tipo de artista que fazia concessões pra se encaixar, ele vivia e buscava sempre a liberdade em fazer o que queria. Quando bem entendeu que não era mais o momento de cantar, simplesmente parou. Mesmo amigos que conviveram com o músico em momentos mais íntimos do fim de sua vida, diziam que o artista ainda tocava muito mas não cantava mais, não precisava mais.

A obra-prima de sua música folk é “Alucinação” disco que atingiu grande sucesso comercial e de crítica, além de possuir vários clássicos da MPB que tiveram interpretações e mais interpretações de outros grandes músicos, principalmente de Elis Regina. Já aqui falaremos sobre a obra que talvez expresse melhor todos os sentimentos do artista.

Belchior, “Belchior Acústico” (1991)

Belchior chamou para lhe acompanhar em “Belchior Acústico” um dos maiores violonistas do Brasil, o grande Gilvan de Oliveira. O músico que já tocou com outros grandes artistas, como Gilberto Gil e Milton Nascimento, traz uma atmosfera incrível para o som do compositor cearense. A combinação de voz e violão, potencializa o poder vocal de Belchior, que nunca apresentou uma técnica absurda mas sempre soube como comunicar e ambientar suas músicas.

O tom às vezes monótono da voz do cantor se combina muito bem com o violão extremamente virtuoso de Gilvan. Em muitas músicas o violão encaixa perfeitamente como o background perfeito para as composições e a entrega de Belchior, que desconcerta por representar tão bem as angústias e sofrimentos que afetaram a vida do artista.

O álbum lançado em 1991, ajudou a formar uma geração de fãs que não se encaixam no ambiente onde o artista havia vivenciado todas essas aflições. Essa influencia em outras gerações continuou presente na carreira do ator, principalmente depois que sumiu em 2011. Com muita cobertura da mídia, esse caso acabou levando a obra de Antônio Carlos Belchior ao conhecimento de um novo público.

O músico cearense definitivamente se contruiu como um dos artistas mais mitológicos da MPB. Seu folk contestador atemporal e seu estilo de vida que levava em conta a sua liberdade acima de tudo, foram os responsáveis pela construção desse ídolo da nossa música. Belchior é definitivamente um dos artistas mais interessantes de nossa música e todos os seus discos, principalmente Alucinação e este Acústico, dão o tom desafiador que representa a juventude de diversas épocas em nosso país.

AVALIAÇÃO: 9/10

Esse disco é provavelmente a grande pérola encontrada na discografia de Belchior. Longe de ser conhecido como “Alucinação” ou outros lançamentos, as adaptações realizadas no arranjo para o álbum não se perdem dos conceitos originais ao mesmo tempo que são capazes de trazer outras sensações. É incrível que esses sons sejam compostos só de voz e violão, definitivamente um dos melhores álbuns acústicos brasileiros.

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Tales Marques
experimentales

Música, cinema, quadrinhos e café. RP, produtor artístico e propagador de ideias.