#15, Charles Mingus, “Ah Um”

Tales Marques
experimentales
Published in
4 min readSep 16, 2017

O artista sobre o qual falaremos hoje é um dos meus preferidos de seu gênero, conhecido como “O Homem Irritado do Jazz”, Charles Mingus é um dos personagens mais interessantes da grande história desse estilo musical. Filho de um negro e uma sino-americana, também com descendência escandinava e alemã, o baixista é um representante claro do aumento da miscigenação nos Estados Unidos do início do século XX.

Sua mãe só o deixava ouvir música gospel durante sua infância, mas conforme o músico foi crescendo passou a adquirir gosto por outros músicos, principalmente do jazz e da música clássica moderna. Desde jovem se interessou por tocar o violoncelo, mas com a dificuldade em tocar em orquestras e grupos de música clássica, acabou migrando para o baixo. Foi tutorado durante sua adolescência por dois grande baixistas Red Callender e Herman Rheinschagen, desenvolvendo a técnica de maneira apurada desde muito cedo.

Charles Mingus Sextet na Cornell University, Ithaca, NY. (1964)

Mingus então juntou uma personalidade muito forte com uma técnica impecável, parece que estamos descrevendo qualquer grande músico de jazz do meio do século passado, mas o baixista tinha uma visão diferente sobre as coisas.

Apaixonado pela música, ele era capaz de brigar de maneira feroz com algum colega que não cumprisse com o acordo musical realizado ensaio a ensaio. O artista também não tinha medo de ameaçar de maneira muito contundente as gravadoras que não o pagassem conforme o combinado e até pedir para os fãs não comprarem discos lançados por elas.

Apesar desse comportamento bastante difícil do músico ele era um homem que buscava se envolver além da técnica, produzindo obras muito críticas sobre a sociedade e o nosso comportamento. Também foi um empreendedor da música, fundando a Debut Records com o amigo e grande baterista de jazz Max Roach, o selo foi responsável por gravar um dos maiores ao vivo da história do gênero, com Mingus, Roach, Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Bud Powell.

Depois de passar alguns anos tocando em grupos de artistas do calibre de Duke Ellington, Louis Armstrong e The Bird, o baixista deu início em meados da década de 50 um dos períodos mais produtivos de qualquer grande músico de Jazz. Tendo gravado 30 discos durante uma década, Mingus se tornou a maior referência do baixo em toda a história do Jazz.

Charles Mingus, “Ah Um” (1959)

Durante o período, o músico formou a Jazz Workshop com diversos músicos que colaboravam esporadicamente em seus trabalhos. O grupo era formado por diversos músicos virtuosos em seus instrumentos como Horace Parlan, Booker Ervin e John Handy. Esses três inclusive estão presentes no álbum tocando os saxofonoes, tenor e alto, e o piano. Estes que são os grandes destaques instrumentais de “Ah Um” além é claro do baixo de Mingus.

O disco traz em seus arranjos a mistura entre o jazz tradicional e o jazz moderno. Isso trazia uma natureza muito diferente da usual ao som produzido por Charles, que muitas vezes é tratado como fora do padrão por isso. Os temas das músicas também são de uma delicadeza incrível, desde assuntos como a morte de amigos (“Goodbye Porkpie Hat”) até questões raciais (“Fables of Fabus”).

Mingus apesar de todo o seus problema comportamentais, que o levaram inclusive a uma depressão após o período mais produtivo de sua carreira no fim dos anos 60, sempre foi tratado como um dos mais respeitados músicos de jazz. Crítico ao consumo desenfreado de drogas que muitas vezes era vangloriado por artistas do meio como Charlie Parker, se portava claramente contra isso até em apresentações ao vivo.

O músico venceu a depressão e ainda voltou a produzir no fim de sua carreira, morrendo devido a uma esclerose lateral amiotrófica que lhe causou um ataque cardíaco. Produziu até o fim de sua vida, tendo deixado inclusive um álbum póstumo em companhia de Joni Mitchell, lançado cinco meses depois de sua morte. Mingus é com certeza um dos artistas que definiram o jazz moderno e “Ah Um” é sua magnum opus, merecendo uma audição sempre que possível.

AVALIAÇÃO: 10/10

Um álbum de Jazz capaz de se destacar em um dos melhores anos de sua história junto de lançamentos de Miles Davis (Kind of Blue), John Coltrane (Giant Steps), Dave Brubeck (Take Five) e Ornette Coleman (The Shape of Jazz to Come) já deve ser considerado um clássico por si só.

--

--

Tales Marques
experimentales

Música, cinema, quadrinhos e café. RP, produtor artístico e propagador de ideias.