Crédito: Brent for Business

A Batalha dos Aflitos em Willesden Green

Vinicius de Avila
Exploradores
Published in
6 min readOct 12, 2020

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O ano era 2005. Estava vivendo em Londres, trabalhando, estudando, viajando e aprendendo. Trabalhava de segunda à sexta como supervisor no Caffé Kix em Hammersmith. Saia de casa às 06:00 da manhã. Trabalhava até às 17:00. Não estava mais frequentando a escola de inglês, já havia concluindo todos os níveis do curso. Nas horas vagas, corria nos belos parques ingleses, frequentava cinemas, teatros e algumas casas noturnas com a namorada. Descobri um cinema onde a entrada custava 1 libra esterlina. Visitava museus, exposições, castelos, cidades do interior, praias. Tentava experimentar tudo aquilo que Londres tinha para oferecer. Não era pouca coisa.

Futebol? Jogava sempre que aparecia a oportunidade. Normalmente, com os funcionários de duas empresas que estavam alocadas no prédio onde a filial do Kix funcionava. De vez em quando, jogava uma bola nos parques ou com uma turma de brasileiros muito louca que jogava Futsal em uma quadra em Queens Park. Outra turma de brasileiros, “once in a blue moon”, me convidava para rolar um caroço em um parque em Kensal Green.

Por esse tempo que fiquei por lá, sempre me perguntam, não foi a nenhum jogo do Campeonato Inglês? Olha, confesso que tentei, mas era praticamente impossível conseguir assistir a jogos da Premier League. Na primeira temporada do José Mourinho no Chelsea, tentei comprar ingresso para um jogo contra a equipe do Reading, na ocasião, a última colocada no campeonato. Sem chance. Depois, tentei conseguir ingressos para uma partida do Fulham. Na época, alguns jogadores conhecidos jogavam pela equipe do oeste de Londres, tais como Van de Sar (seleção holandesa), Saha (seleção francesa), Luís Boa Morte (seleção portuguesa) e McBride (seleção americana). Nada feito: ingressos esgotados. Deveria ter tentado conseguir algo para a segunda divisão do campeonato inglês, mas, naquele período, confesso, tinha outras prioridades.

Na Copa do Mundo de 2006, muitos colegas de trabalho (estava trabalhando de forma part-time em uma rede de restaurantes portuguesa), foram ao jogo do Brasil contra a seleção do Japão, realizado em Dortmund. Custava 300 libras esterlinas, incluindo passagem aérea, hospedagem no hotel e ingresso para a partida. Não fui, não tive a menor vontade. O Brasil acabou vencendo por 4x1. A verdade é que já não estava tão interessado em assistir às partidas de futebol, como já estivera em outras épocas. Além do mais, gastar para assistir à seleção brasileira? Nem pensar. O time do Brasil jogou umas 5 vezes em Londres durante o período em que estive por lá. Não fui a nenhum jogo.

Ronaldo fazendo seu gesto clássico após marcar gol. Crédito: EFE

Visitei, ou passei, por muitos estádios dos times ingleses. Ganhei de um amigo uma entrada para conhecer o novo estádio do Arsenal, em 2006, mas não fui. Durante o ano de 2005, tive que conseguir outro trabalho. Precisava de mais dinheiro para realizar alguns projetos. O salário que recebia no Kix não estava mais sendo suficiente. Consegui uma colocação para trabalhar como garçom, nos finais de semana, no Dulwich Picture Gallery Café. Era uma cafeteria e restaurante dentro da mais antiga galeria de arte do Reino Unido. O estabelecimento, pertencia a mesma companhia de outro restaurante no qual eu já havia trabalhado como auxiliar de cozinha (washing up), a Digby Trout. Trabalhei em Dulwich por mais de um ano. Certa vez, ao me deslocar para o trabalho, presenciei a torcida do Millwall chegando no estádio para uma partida contra o Nottingham Forest.

Crédito: Dulwich Picture Gallery Café

Não me recordo com exatidão, mas acho que se enfrentariam por alguma das tantas copas existentes no futebol Inglês. Naquele ano, a equipe do Nottingham Forest estava disputando a League 1, a terceira divisão do campeonato inglês. O Forest é a única equipe da Europa, já vencedora da Liga dos Campeões da UEFA, a ter caído para a terceira divisão de um campeonato nacional.

Não me recordo qual foi o placar da partida entre Millwall x Nottingham Forest, mas o que chamou realmente a minha atenção, foi a forma como os torcedores do Millwall estavam chegando ao estádio. Eles enchiam vários vagões do trem, cantavam, bebiam, gritavam e eram acompanhados, bem de perto, com policiais portando grandes escudos. Os torcedores do Millwall eram considerados os torcedores mais violentos da capital da Inglaterra. O filme Hooligans (2005) dá uma ideia do que é a torcida do Millwall. Eles costumavam cantar nos jogos, “they don’t like us, they don’t like us, we don’t care” (eles não gostam da gente, eles não gostam da gente, não nos importamos).

Créditos: Imagem promocional do filme “No One Likes Us, We Don’t Care”

Durante aquele período, eu estava bem desligado em relação ao Brasil. No ano em que cheguei na Inglaterra, 2003, ainda acessava aos sites de veículos de comunicação do Rio Grande do Sul e do Brasil. A partir de 2004, me afastei completamente das notícias brasileiras. Telefonava para os meus tios, para os meus pais de criação e para a minha mãe. Só. Por quê? É muito difícil morar fora e ficar tendo muitos vínculos com o seu país de origem, pensando em quem está lá. Um conhecido já havia me falado isso antes de eu ir morar no exterior. Pode parecer bobagem, mas, realmente, não é fácil. De qualquer forma, em 2005, eu sabia que o Grêmio estava disputando a série B do campeonato brasileiro. Não assisti a nenhum jogo, mas sabia, por cima, o que estava acontecendo.

No dia do jogo entre Náutico x Grêmio, a famosa “Batalha dos Aflitos”, acordei, tomei café, me arrumei e fui trabalhar em Dulwich. Mais de uma hora de viagem. Trabalhei o dia inteiro atendendo clientes e servindo mesas. Lá pelas 18:00 me despedi do pessoal, peguei as minhas gorjetas e tomei o caminho de casa. A gorjeta era um dos principais motivos pelo qual havia aceito aquele trabalho nos finais de semana. Chegava a receber até 60 libras esterlinas por dia por trabalhar aos sábados e domingos.

Eu estava, como sempre, acabado. Devo ter dormido no trem e no metrô no caminho de volta para casa. Quando coloquei meus pés no apartamento, um amigo, torcedor do Ceará, que também estava morando em Londres, me telefonou. Perguntou se eu estava acompanhando a partida. Perguntei qual partida. Após tantas horas de trabalho, havia esquecido completamente do jogo. Ele me disse que o jogo estava 0x0 e o árbitro tinha acabado de marcar um pênalti para o Náutico. Disse que não estava assistindo, que estava muito cansado, e desliguei. Esse amigo gostava de “secar” o Grêmio. Motivo? Afirmava que o Vozão havia sido roubado na final da Copa do Brasil de 1994.

Assim que ele desligou, telefonei para o meu tio/pai Adeni. Trocamos os habituais cumprimentos, perguntas e respostas usuais e ele começou a me narrar o que estava acontecendo no jogo de Recife. Eu conseguia escutar as vozes do Jonathan “ET”, Binho, Dudi e Márcio “Zebu” gritando na rua. Foi diferente, foi divertido. Pênalti. Defesa do Galatto. Gol do Anderson. Título da série B. Com o desfecho favorável, tudo foi festa. Lá de Willesden Green, em Londres, eu escutei as comemorações dos meus amigos no Parque São Sebastião. Afinal de contas, “com o Grêmio onde o Grêmio estiver”, não é mesmo Lupicínio?

Créditos: Divulgação Site Oficial Grêmio

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