Com guia é melhor, primo!
Quando chegamos ao sítio arqueológico de Baalbek, nos encaminhamos para a bilheteria. Além de vender as entrada para ver as ruínas, a pessoa que nos atendeu nos perguntou sobre nossa procedência. Respondemos e não demorou mais do que dez segundos para aparecer na nossa frente um libanês falando um português com muito menos sotaque do que eu poderia imaginar:
— Primos do Brasil! Adoro o Brasil! Tenho contato na embaixada aqui em Beirute. Sempre venho come eles visitar as ruínas aqui. Semana passada tinha um grupo de Brasília aqui. Eles gostaram muito. Ali dentro é muito bonito, primo!
— Puxa, mas tu fala bem português mesmo!
— Tou falando, primo. Tenho contato aqui com o pessoal da tua terra. Trago eles pra passear aqui dentro. Com guia é melhor, primo!
Ou seja, estava ali a oferta. Nos olhamos e, ao contrário do que sempre ocorre que é dar aquela falada em português pra alinhar o que se quer, tivemos de praticar a telepatia. Alguns segundos de silêncio e ele, avaliando os traços do rosto da Luiza, atacou novamente:
— Tu tens parentes aqui no Líbano, né prima?
Não lembro bem quanto aquela eternidade durou, mas acho que foi o Carlos que sentenciou:
— Não, obrigado. Vamos por nossa conta.
— Mas primo, aí dentro é muito grande. É melhor com guia, primo.
— Estamos bem, mesmo. Obrigado.
Eu já tava uns dois passos pra frente, tirando foto da entrada, ao que ouvi.
— Primo, deixa eu tirar uma foto de vocês aqui no portão, ao menos.
Alcancei a câmera pra ele que tirou a foto, nos mostrou e sentenciou:
— Ficou muito boa, né? Pra aparecer bem assim tem de ter alguém pra tirar foto. Com guia é melhor, primo! Tem grego, tem romano, tem fenício, tem bizantino. É muita coisa, primo. Depois não vai saber o que é o quê pra tirar as fotos! Demos aquele último sorriso amarelo e entramos no que é pra mim um dos lugares históricos mais espetaculares que já visitei na vida.
Baalbek foi construída pelos fenícios, e virou um grande centro de peregrinação a partir dos gregos, tendo seu apogeu na época dos romanos. As ruínas contam essas histórias através de prédios e ruelas que estão a disposição e ao contato da mão de qualquer um que se aventurar até lá.
Atualmente o complexo é considerado como um dos maiores e mais bem preservados exemplos da grandiosidade arquitetônica romana. O local para a construção dessa acrópole foi escolhida cuidadosamente sobre ruínas de outra cultura (anterior ainda mesmo aos fenícios) que assentou grandes monolitos que variam de 100 a 800 toneladas.
Se você procurar nos cantinhos da internet, vai encontrar explicações esotéricas ou alienígenas para tal feito, dado que o ser humano sozinho não seria capaz de tais proezas …
Por outro lado, uma boa dica que saiu de algum lugar — que não lembro bem qual — sobre quem quiser levar pra casa lembranças locais: fique atento! Vários artefatos "históricos, encontrados nos quintais das casas de alguém e agora vendidos pra você com exclusividade" foram confeccionados em alguma fábrica chinesa.
Estávamos hospedados em Beirute, de onde saímos no início da manhã. O mapa dizia que nosso trajeto seria algo em torno de noventa quilômetros o que nos deu uma falsa ideia de deslocamento. Primeiro, porquê a cidade fica a mais de mil metros de altura e subir tudo isso em menos de 100km aumenta a inclinação e, por consequência, o tempo. Mas além disso, há um outro fator muito importante e que não deve ser ignorado: há MUITAS barreiras militares ao longo do caminho. A cidade está há menos de 15 quilômetros de distância da fronteira com a Síria e então você já pode imaginar a treta.
Fomos parados em absolutamente todas as barreiras militares, onde apresentávamos os nossos passaportes e os documentos do carro. Tive a impressão de que em várias das vezes que fomos abordados o que nos fez parar foi a nossa disposição dentro do carro: Carlos dirigindo, a Luiza na carona e eu no banco de trás. Observando os outros carros depois, vímos que a disposição padrão era homens na frente e mulheres no banco traseiro. Ou seja, chamávamos muita atenção por não estarmos no padrão.
Mostrávamos os documentos, falávamos alguma coisa entre inglês e francês com eles e éramos liberados. Até que chegou a última barreira. O cara que veio nos atender só falava árabe e não mostrava os dentes em hipótese alguma. Tentamos inglês, francês, espanhol, português e nada. E a cada frase que dizíamos e ele não conseguia compreender, mais alto o tom de voz dele ia ficando. Além de ser um armário, o cara estava armado. Bem armado. O tempo ia passando e a gente não se entendia, o que fazia com que a feição do soldado ficasse cada vez mais cerrada. Então resolvi, do banco de trás, dizer:
— Baalbek. We are going to Baalbek.
O cara me olhou, acenou a cabeça positivamente, nos devolveu os documentos e nos deixou passar.
Ficamos mais ou menos duas horas no complexo. Até gostaríamos de ter ficado mais, mas o sol do meio-dia nos fez aprender na marra porque a cidade também foi conhecida como Heliópolis e nos convidou para irmos nos refrescar em algum restaurante da vizinhança. Na saída, quem estava a nossa espera?
— Foi rápida essa visita, hein primo! Acho que não aproveitaram bem. Eu falei que com guia era melhor, primo!
Demos uma boa risada, nós quatro. Ele ainda tentou nos fazer comprar um souvenir da banquinha de um patrício dele. Nos despedimos e fomos embora.
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