Desventuras linguísticas em Rostov Velikij
“Toc toc” — alguém bate na porta do nosso vagão.
Abri e dei de cara com a fiscal do trem que apenas disse “Rostov!” e saiu a passos apressados antes que pudéssemos fazer qualquer pergunta. Nem o “thank you" fez questão de ouvir, já que não falava outra língua a não ser russo.
Estávamos chegando no km 224 da transiberiana. Uma cidade pequena e meio abandonada, mas que guarda um tesouro na beira do rio Nero: o Kremlin de Rostov.
Saímos da estação e caminhamos por 20 minutos, em um cenário deserto com casas abandonadas. Aquela era uma das cidades mais antigas de toda a Rússia. Cruzamos com alguns olhares curiosos de locais e seguimos rumo ao Kremlin.
Chegamos à bilheteria que contava com uma placa em inglês com os horários de abertura. Imaginei que ali alguém falaria o idioma, já que se tratava de um local turístico. Ledo engano. A maioria dos turistas são russos.
“English? Italiano? Français? Português? Español?” — tentei todas as línguas que era capaz de falar, mas a cada pergunta, a atendente negava com a cabeça e desviava o olhar como quem busca uma saída de escape ou alguém para salvá-la.
O máximo que consegui foi uma lista em inglês de cada atração com seu respectivo preço. Já era alguma coisa. Compramos o bilhete “combo” (700 rublos) e iniciamos nosso passeio pelo Kremlin — um dos mais antigos do país.
O Kremlin de Rostov é uma fortaleza com grossas e altas paredes, e grandes torres de batalha nas laterais. Acima das muralhas foram feitas passagens que permitem que você ande por toda a fortaleza e explore os edifícios que a compõem.
É permitido visitar todo o seu interior, que conta com exposições sobre a história do lugar, a arte, etc. A que mais gostei foi a sala dos sinos, onde é possível tocar sinos de vários tamanhos e sons, e ver todas as etapas da construção de sinos de catedrais. Sem contar que a senhorinha que cuidava era muito amigável (coisa rara na Rússia!)
Também é possível almoçar dentro do Kremlin em um restaurante que te faz voltar no tempo, com lustres de velas e cozinha típica russa. Eles oferecem menu em inglês, mas não falam a língua.
Uma das paisagens mais bonitas é o jardim com um lago artificial, onde muitos artistas passam o dia pintando a paisagem e vendendo suas obras.
Depois de conhecermos todo o Kremlin, era hora de voltar para a estação e seguir nossa rota na transiberiana. Como o tempo era curto e estávamos carregando bagagens, resolvemos pedir um táxi. A atendente da bilheteria pegou logo o telefone e chamou um táxi da cidade, antes que eu pudesse dizer o destino.
“3 minutes!” e apontou para a porta de saída. Bem, se “taxi” é uma palavra que todo mundo entende, “trem” também não deve ser difícil, não é mesmo?
Logo que entramos no carro, o taxista começou a falar em russo — e assim foi por todo o percurso enquanto a gente tentava de todas as formas dizer nosso destino. Primeiro mostramos o bilhete de trem que indicava a estação de partida (Rostov) e chegada (Yaroslav) no alfabeto cirílico. O cara começou a bater no papel e resmungar. A gente apontava pra “Rostov”, mas pelo visto ele pensava que a gente queria uma carona até a outra cidade e não gostou muito da ideia.
Falei “trem” em todas as línguas que conseguia, coloquei no google tradutor e mostrei para ele…nada. Ele continuava a falar, já não sabia se bravo ou apenas confuso. Mostrei a imagem de um trem e…nada ainda. No desespero arrisquei até um inglês com sotaque russo, mas é claro que não fez diferença. O táxi continuava a andar a 2 km/h enquanto a gente já pensava em desistir (e o cara continuava a falar). Até que meu pai apontou a direção da estação e Eureka!! Continuamos sem entender uma vírgula do que o taxista dizia, mas pela entonação ele tinha entendido finalmente. Meu pai continuou apontando o caminho (que era uma reta) só por precaução, vai saber né...
“Uffa! Agora é só pegar o trem! O que mais pode dar errado?”
Conferi o painel de horários — todo em russo— e lá estava o trem para Yaroslav que chegaria dentro de 15 minutos. Só não entendia em que plataforma o trem passaria, pois no painel estava escrito “8”, mas a estação só contava com 4 plataformas. Resolvi me arriscar a pedir informação na bilheteria. Mostrei meu bilhete eletrônico e apontei em direção às plataformas.
A mulher pegou o bilhete, telefonou para alguém e ficou falando por uns 3 minutos. Desligou, devolveu o bilhete e começou a fazer um sinal negativo com as mãos.
“Ué, não tem trem?!” —pensei.
A mulher então começou a gritar, enquanto fazia o sinal negativo com os braços e chegou a se levantar para deixar bem claro para mim o que eu não conseguia entender, a não ser que ela estava furiosa e era melhor eu sair da sua frente.
Nessa altura já não sabia se iria partir trem ou não, muito menos em que plataforma passaria. Mas se “quem tem boca vai a Roma, quem é bom de mímica chega em Yaroslav”. Foi a vez de perguntar para dois guardas sentados na área de espera: a primeira, ao ver o bilhete, fez sinal positivo e apontou para o relógio como quem diz “ainda não está na hora”, mas ao perguntar da plataforma, ela só dizia “sim”.
O guarda ao lado tentou nos ajudar falando tudo em russo, o que não resolvia a situação, mas ao menos foi gentil e atencioso, deixando a entender que a plataforma correta era a 1.
“Ok! Problema resolvido!” — não tão cedo!
O guarda pediu para ver novamente o bilhete e, não convencido, foi conferir as informações com o painel e confirmar com a senhora da bilheteria. Voltou com um semblante de que agora estava tudo claro — pelo menos para ele.
Nos chamou e pediu para segui-lo. Foi caminhando conosco pela plataforma enquanto explicava tudo sobre o trem, a direção que passava…deve ter até explicado o porque da senhora da bilheteria estar de mau humor. A gente só concordava e seguia. Nos acompanhou até a plataforma 2 e apontou para o trilho com sinal positivo.
“Moscou vai para aquele lado, Yaroslav para esse lado” — Agora sim descobrimos a bendita plataforma, mesmo sem entender uma palavra.
Por precaução, o gentil guarda ficou nos observando da entrada da estação até pegarmos o trem correto. Nos despedimos de longe, sem ao menos saber seu nome.
Quem diria, nem todo herói fala inglês.
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