A Londres dos parquinhos

Uma mãe, um bebê, uma mochila e o mundo.

Munike Ávila
Exploradores
5 min readAug 11, 2022

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Carl foi promovido. Há um minuto atrás era apenas um entregador de areia úmida para crianças que brincavam na areia seca. Seu chefe teve de resolver um problema aparentemente importantíssimo, passou correndo ao seu lado, dando um toque em suas costas e proclamou “você está no comando agora!”

Carl ficou pasmado. Ao olhar para frente, se deparou com minha filha, um bebê de pouco mais de um ano, brincando na areia, sem compromisso. Ele gentilmente estendeu as mãos em sua direção, a oferecendo um punhado de areia molhada, que ela aceitou consentindo com a cabeça, pegando a oferta para logo jogar em cima de mais areia.

Nesse simples gesto, o garoto de cinco anos iniciou um complexo monólogo com o bebê que o fitava. “Era isso que eu fazia até pouco tempo atrás. Apenas entregava areia. Agora estou no comando. Mas não sei como devo agir. O que será que uma pessoa no comando faz?” Ele se questionava com seriedade para logo em seguida se desculpar educadamente, no maior estilo British, pelo amigo que acabara de respingar água no rosto de Valentina. “Ele ainda não tem experiência, começou agora nessa função. I’m so sorry!”

Estávamos em Londres. Uma Londres que eu não conhecia. A Londres dos parquinhos. Onde crianças se divertem com areia, água, balanços e gangorras e os pais conversam sobre as mesmas questões: meu filho vai começar na escolinha mês que vem, será que vai dormir com facilidade?

Diana Memorial Playground

Londres foi a primeira cidade em que viajei sozinha. Eu acabara de completar dezoito anos. Mochila nas costas, mapa na mão. A ânsia e excitação que as primeiras vezes proporcionam. Eu queria ver tudo. Tudo o que diziam que era para ver. Os museus, os monumentos, o underground, o London Eye, o Big Ben, a plataforma 9¾, os ônibus de dois andares.

Cheguei de trem cedinho, caminhei pela parte central da cidade com a ajuda de um mapa de papel e das placas, já que na época não possuía um smartphone. Pedia para estranhos baterem fotos minhas em frente a lugares importantes com uma câmera digital, para enviar a meus familiares e amigos por e-mail. Ligava para meus pais do orelhão com a ajuda de um cartão telefônico, raspado com uma moeda estampada com o perfil da rainha. As cabines telefônicas não serviam apenas como cartão postal, eram funcionais.

Com o passar dos anos, viajei à capital britânica para visitar pessoas queridas, não mais com o intuito de ver tudo o que os guias turísticos apontavam, mas passar um tempo com amigos residentes e conhecer a Londres deles. Toda vez que voltava, somava novas descobertas deste lugar caótico e, ao mesmo tempo, sedutor.

Agora exploro a cidade de um jeito diferente. Mochila nas costas, bebê na mão-no colo-no carrinho-no meu campo de visão. Foram nove dias de viagem e sete parquinhos em diferentes regiões — turísticas e residenciais — já que ficamos hospedadas na casa de uma amiga. E apesar de os brinquedos terem variadas formas, design, materiais; a areia ter uma textura diversa dos parquinhos de Estocolmo ou Oslo; ainda assim, um parquinho aqui é como um parquinho em qualquer lugar. Quer dizer, quase.

Escondido pelas ruas movimentadas de Londres, encontrei parques enormes destinados exclusivamente a crianças, com áreas externas e internas, espaços divididos por idades com brinquedos adequados a cada um. Planejei minha viagem em dupla, colocando na rota vários parquinhos e, como sempre, fui surpreendida ao deixar a cidade me guiar, descobrindo tantos outros que não encontraria nas páginas da internet, somente mesmo caminhando por aí — agora no ritmo desapressado de minha filha.

Não vivenciei somente a Londres dos parques infantis, mas a Londres da cordialidade, onde pessoas oferecem ajuda prontamente ao ver uma mãe sozinha com um bebê, um carrinho e uma escadaria para acessar o metrô (diferente de Estocolmo, nem todas as plataformas tem acesso para cadeirantes/carrinhos); cedem lugar no ônibus; não se importam ao ver um bebê agarrado ao seio da mãe dentro do transporte público; interagem com a criança com devido respeito.

Ao dar de cara com as ruas londrinas pela primeira vez, minha filha explodiu de excitação. Ônibus, carro, pessoas, bicicletas, patinetes. Ela apontava para tudo o que via da janela do café em que comíamos nosso almoço tardio pós viagem — um simples sanduíche. Valentina navegou pela cidade com a liberdade e destreza de quem parecia morar ali. Juntas descobrimos uma nova Londres — ela pela primeira vez, eu através de seu olhar.

Kensington Gardens

Conheci novas áreas de museus que um dia fui, dedicadas especialmente aos pequenos, onde podem tocar, revirar, brincar. Sem objetos estáticos protegidos por vidros e cordas, feitos para poucos apreciarem. Atravessamos a plataforma 9¾, que agora conta com cachecóis, varinhas e uma fila a sua disposição. Vi o Big Ben transpassar minha visão em segundos de cima de um cavalo no carrossel. Ele continua imponente. Bonito.

Mas belo mesmo é o sorriso da minha filha, a reação quando vê algo aparentemente espetacular. UAAAU! Um parquinho novo! Um balanço! Um cavalinho! Gangorra! Cordas! Água! Areia! Areia!

AREIIAAAA!!

Ela gritou aos quatro ventos cercada por crianças de idioma anglicano que não entendiam seu entusiasmo, ao ter aprendido a pronunciar uma nova palavra em português. Ofereceu a porção de areia molhada a Carl, que subitamente teve uma epifania. “Eu te ajudo, little baby. Afinal deve ser isso que uma pessoa no comando faz. Ajudar os outros, não é?”

“All right, boys! Eu estou no comando agora! Vamos ter um dia incrível!” — O menino de cinco anos anunciou, como quem prevê o futuro.

E foram mesmo dias fantásticos.

Petersham Gate Playground, Richmond Park

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