Eurotrip de Motorhome

Émerson Hernandez
Exploradores
Published in
9 min readFeb 20, 2017
Vista de parte da ilha de Veli Rat, a partir do topo do farol Punta Bjanca

Quando o Duda falava sobre a sua experiência de ter alugado um motorhome na Europa para ir a Oktoberfest de Munique, aquilo me soava muito mais como uma boa desculpa para beber em diferentes lugares do que efetivamente uma road trip. Dois anos depois dessa primeira indiada, quando ele começou a planejar uma nova viagem, com as mesmas pessoas, com o mesmo tipo de veículo, mas com outro itinerário, eu resolvi rever minhas percepções iniciais. Por sorte ele e o Marcelo (outro viajante do motorhome) jogavam futebol comigo toda a semana e com isso consegui me aprofundar no assunto, tanto na viagem que já tinha acontecido quanto na nova que estavam planejando.

Certo de que era uma boa ideia, comecei a cogitar roteiros e parceiros de viagem. Convidei dois amigos que trabalhavam comigo (e que já tinham trabalhado antes) e fomos atrás de novas pessoas. Que sugeriram novas pessoas. Que espalharam a ideia e fizeram surgir outros nomes.

Desde o pontapé inicial até a efetiva compra das passagens aéreas, muitos participaram do planejamento de algum jeito, mas ao fim, só quatro viajaram: Carlos, Cecile, Portela e eu. E alguns causos dessa viagem — a pedidos — é o que quero compartilhar agora.

Planejamento

A ideia original incluía apenas pegar a estrada de motorhome, tendo como base Munique. A partir disso fomos criando as possibilidades de lugares, de duração de viagem e todos os outros recheios que achamos necessários. Como nem todos nós estávamos no mesmo lugar (Carlos e Cecile se revezavam entre Kampala e Joanesburgo), fizemos múltiplas reuniões via Skype e Google Hangout, com uma cadência de duas semanas entre cada uma delas. Cada reunião levava de 15 a 30 minutos, onde nos atualizávamos das ações que cada um tinha pego para si, pensávamos nos outros detalhes necessários antes de sairmos e compartilhávamos ideias e sugestões de lugares.

Ao fim das múltiplas iterações, saímos todos para a viagem com o itinerário (abaixo) onde cada um tinha uma lista de informações pertinentes — como lugares de camping e lugares de interesse — e a pequena lista de itens fixos:

  • os vôos de cada um de nós,
  • os dias de retirada e entrega do motorhome e
  • o aluguel do farol.
O itinerário preparado, antes de embarcar

Motorhome

Alugamos o motorhome pela internet. Existem várias opções disponíveis e a que usamos (por sugestão do Marcelo) chama-se EUBookings. Não se assuste: o site é feio, mas funciona. A lista de países — e cidades — , assim como tamanhos de veículos disponíveis deixa bastante flexível a escolha. Uma dica aqui é após entrar com os dados básicos olhar com atenção o tamanho do veículo. Vários deles foram construídos em cima de chassis de carros de passeio, fazendo com que não seja necessária uma carteira de habilitação específica para caminhão. Por falar em habilitação, para não termos problemas fomos conservadores e tiramos a Permissão Internacional para Dirigir.

Uma das primeiras perguntas que me fazem sobre o motorhome é o valor. E digo rapidamente que o preço não foi salgado. Pegamos o veículo no dia 21 e entregamos dia 5 (14 dias), totalizando €1700. Ou seja, gastamos um pouco mais de €30 por pessoa-dia em alojamento e deslocamento. Claro que você não deve esquecer que na conta final deverá ser contabilizado, também, o combustível. (Para uma noção sobre valores, existem alguns sites como este.)

Aproveitei que o ponto de partida era a Oktoberfest e cheguei na Alemanha um pouco antes da viagem, onde visitei um bom amigo que estava morando pelos arredores de Munique naquela época. Para chegar no escritório do Mc Rent em Sulzemoos e pegar o motorhome, sai da estação central de Erding, onde morava o Drebes, peguei o trem e fui até a estação de Fürstenfeldbruck. De lá peguei um táxi. Fica a dica: independente de onde você estiver em Munique (ou outra grande cidade da Europa) o estabelecimento com a garagem dos veículos provavelmente será distante do centro e precisará de alguma logística para retirada e posterior entrega.

Com as chaves em mãos, o primeiro desafio auto imposto foi estacionar no Mc Donald’s que ficava a poucos metros do local de retirada do veículo. Ocupei umas 4 vagas, mas estacionei. Depois disso, peguei uma autobahn e me dirigi ao aeroporto de Munique, para buscar a Cecile e o Carlos. Ali descobri que mesmo que o motorhome pudesse ir mais rápido, 150 km/h é uma velocidade suficiente para fazer todos os pratos e panelas de dentro do veículo começarem a balançar e tremer.

Multa em Bratislava

Note a porçãozinha individual do prato típico …

Chegamos de Viena em Brastilava perto das 10 da manhã. Estacionamos numa baita vaga: a poucos metros da praça central, na frente do escritório de informações turísticas. Caminhamos pelo centro histórico, comemos bastante — um prato tradicional que deu uns €15 para cada um de nós, com bebida — e fomos até o castelo. Resolvemos não passar a noite na cidade e então nos encaminhamos de volta para o nosso veículo. Ao chegar, descobrimos uma tranca de roda no motorhome.

Multa !

Sem entender o porquê, fomos tentar descobrir. Um foi atrás das placas de sinalização, outro foi para o guichê falar com um dos atendentes. Chamamos a polícia para resolver o causo e enquanto isso, usamos a tecnologia para descobrir que duas ou três quadras antes, havia uma placa na língua local informando que a partir daquele ponto, só poderiam estacionar automóveis identificados de moradores do centro histórico. Enquanto esperávamos os tiras, divagávamos sobre o valor da dívida. Ao chegar, tivemos o auxílio de um dos funcionários do centro de informações para intermediar com a língua. Ao nos identificarmos como brasileiros ganhamos a simpatia do policial que após a explicação de todo o ocorrido nos deu a sentença: vinte euros.

Farol na Croácia

Lembro que um dia eu cheguei em casa e minha flatmate da época estava avaliando as possibilidades de hospedagem em praias da Europa. Pra ser mais específico, a Lilian avaliava o aluguel de faróis na costa da Croácia. As fotos chamaram minha atenção e aquela ideia entrou na minha lista de coisas a fazer! Felizmente foi aceita por todo o grupo e acabou se tornando um dos nossos itens fixos.

Entrando no site dá pra ver que são várias opções. Como estávamos dirigindo um veículo, decidimos por um farol que conseguíssemos acessar por via terrestre. Acabou sendo o farol chamado Punta Bjanca em Veli Rat, na costa de Zadar, de onde partiríamos via ferry-boat.

A base do farol possui três apartamentos: um para a família que mora ali e dá manutenção para o local e dois para aluguel. Ficamos em um desses apartamentos e durante nossa estadia aproveitamos o dolce far niente que se resumia a: praia, sol, cerveja, polenta e descanso.

Punta Bjanca é o mais alto farol do Adriático, medindo 42 metros e tem como companheiro a capela de São Nicolau.

A ilha possui várias praias e pequenos vilarejos que acabamos visitando. Em um desses fomos abordados por um local que se ofereceu para documentar nosso passeio. Ele não se moveu muito para o enquadramento (nota-se pela foto abaixo), tirou a foto e nos entregou novamente a máquina. Agradecemos e começamos a caminhar para longe quando ouvimos um flap-flap-flap. Eu e o Carlos nos viramos para ver uma das cenas mais pitorescas da viagem. O senhor que nos fotografou estava — tranquilamente — sacudindo sua recém tirada calça para pendurá-la no varal e entrar novamente dentro de sua casa, apenas de cueca.

Os viajantes, pelos olhos do tiozão da cueca.

Um Quilo de Carne em Praga

Nham nham nham

Uma boa viagem deve possuir aspectos variados. E um dos que estava faltando até aquele momento era a adrenalina gerada por uma competição pitoresca. Esse fator começou a fazer parte do passado quando entramos em um restaurante para almoçar, depois de horas de caminhada por Praga. Abrimos a primeira página do menu e nos deparamos com um desafio gastronômico. A peleia proposta envolvia três atores: um ser humano, um quilo de carne de rés e o limite de tempo de trinta minutos.

Depois que o Carlos fez o pedido, o primeiro garçom perguntou: “Tem certeza?” e a incredulidade dos funcionários foi geral. Nos minutos que se seguiram, dava para ver a pouca fé que os funcionários levavam em nosso desafiante. Até que viesse o prato principal, ainda seríamos visitados à mesa pelo dono do estabelecimento, que portando um balde anunciou:

“Não vai sujar o meu restaurante. Se der algum problema, usa isso aqui.”

A carne chegou com a melhor aparência possível. Queríamos ter experimentado, mas infelizmente isso invalidaria o desafio. Nosso herói gravataiense se preparou para a primeira garfada e não parou mais. Até que, em um pouco mais de 20 minutos, a peleia estava encerrada. Entre palmas, assovios e todo o tipo de celebração ao redor da mesa, recebemos a notícia que não só o desafio estava completo, como ele tinha alcançado o oitavo melhor tempo. Com isso, o nome do Carlos foi incluído à parede da fama e dos recordes.

Ééééééé do Brasil !

Finalizando …

Depois de quinze dias na estrada, as histórias são várias. Algumas delas estão ali, outras não e certamente daria para escrever mais alguns textos desse mesmo tamanho sobre elas. Porém, para não me alongar muito, vou parando por aqui. Gostaria apenas de ressaltar alguns pontos que considero fundamental para considerar essa uma das melhores viagens que fiz na vida.

O primeiro dele é sobre o motorhome. Para alguns pode parecer indiada, mas isso não foi verdade. Os veículos são muito úteis e versáteis e o dia-a-dia de seu uso é simples. Passar a noite em áreas de acampamento ajuda nas questões de limpeza e recarga de energia elétrica, mas isso não é obrigatório. Ao contrário do que vemos pela América do Sul, há muita gente dirigindo esse tipo de veículo e é bastante frequente vê-los estacionados na rua, inclusive à noite. E se você, como nós, não quiser dar manutenção no banheiro, não tem problema. A estrutura para banho e toalete encontrada em campings e postos de gasolina é bastante boa, inclusive para mulheres.

O segundo item é ter internet disponível no celular. E usar! Foi bastante importante para adaptações (trocamos de local de acampamento em Budapeste, em cima da hora) e para traduções (mas sim, não fizemos/vimos a placa de áreas de estacionamento que nos teria evitado a multa).

Por fim, e mais importante: estávamos abertos a adaptação e com isso equilibramos a viagem entre plano e oportunismo. Paramos ou ficamos mais tempo em locais que não estavam no planejamento original, como Innsbruck, Zadar, Zagreb e o Museu do Tesla. Por outro lado, ficamos menos tempo em locais que não achamos tão interessantes, como Bratislava. Isso foi — para mim — fator fundamental para a satisfação de todos nós.

Em sentido horário: Prédios com os Alpes ao fundo em Innsbruck, Zadar, vendedora ambulante em Zagreb e nós no Museu do Tesla.

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