Mulher montanha

Cris Ljungmann
Exploradores
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5 min readJun 20, 2018

"Talvez amar, é aprender a caminhar por este mundo" -Octavio Paz

Cristiano Müller, "cumbrista" do Everest 2016, nas suas palestras corporativas tem como assunto central sua máxima façanha: o cume do Everest. (E como não?) Como ter um objetivo, foco e paciência é importante para, de fato, chegar ao cume.

Cansei de ir a todo tipo de curso e palestra de desenvolvimento humano, vivência motivacional, e ter uma montanha nas imagens como exemplos de superação. Pois é, a montanha é símbolo de superação. Mas será que na prática é mesmo?

Em direção ao campamento alto do vulcão mais alto do mundo, Ojos del Salado 6.893 mts., Chile, ano 2018.

Minha caminhada como montanhista começa antes de ter lembranças, na Patagonia argentina. Fez parte da minha vida desde cedo, mas mais como quintal de casa que como esporte, ou prática disciplinada. Íamos aos refúgios das montanhas da cordilheira em Bariloche, assim como nossos colegas da escola partiam para a praia com a familia. Nada demais, para mim era o meu normal das férias.

Campamento base cerro Condoriri (5.648 mts), Bolivia, ano 1993

Com o tempo, outros países e montanhas mais imponentes chamaram minha atenção, e com total desconhecimento de preparação para altitude, ou equipamento adequado, parti para a alta montanha da cordilheira Real, na Bolívia. A Bolívia de 1993, da pobreza digna, da vergonha das suas raizes. Época que viajávamos sem internet, nem telefones celulares. Fronteiras que atravessávamos dependendo da vontade do oficial de turno, e a pé.

Subir montanhas mais altas parecia não ser simplesmente caminhar de mochila e bombacha. A experiência tinha sido maravilhosa. Fizemos cume, boas amizades, aprendemos muito. Mas alguma coisa tínhamos feito errado. Um principio de edema cerebral não identificado, queimaduras no rosto, e um forte “sorochi” (mal de altitude em Aymara) foram algumas das conseqüências daquela viagem inexperiente.

De bombacha, moletom e um limitadíssimo equipamento, rumo ao cume do cerro Condoriri. Cordilheira Real, Bolívia.

A viagem impulsiva e desorganizada para Bolivia deixou um gostinho de quero mais. E os questionamentos: Por que e para que tanto sofrimento? O que leva uma menina de 16 anos a passar por tal sacrifício? A resposta na época: aventura, explorar o desconhecido e ganhar a competição contra o ego que fica constantemente falando "o que você está fazendo aqui? por que você está sofrendo deste jeito na altitude?"

O que eram férias da escola, foram se transformando em desafios de adolescente, curiosidades de jovem adulta com viagens para os Himalaias indianos, montanhas na Colômbia, mais uma vez à cordilheira boliviana e mil e uma voltas a minha amada Bariloche. Nada demais, novamente. Mochila e uma passagem para algum destino montanhoso e culturalmente rico. Simples e fácil de executar.

Caminho ao refúgio Frey, cerro Catedral. San Carlos de Bariloche, Argentina.

Mas em que momento o turismo de montanha se transforma em esporte? Como essa evolução gera a força para superar obstáculos? O sofrimento pela falta de preparo no treinamento e conhecimento, e a auto limitação pelo desconhecimento técnico da escalada de montanha, me levaram a sonhar com objetivos mais audaciosos e maiores.

Sem disciplina no treinamento, sem esforço na superação técnica e investimento no conhecimento, é impossível que uma montanha, com ou sem seu cume, sejam mais do que uma postagem nas mídias sociais.

No ano 2013 decidi voltar às minhas atividades de montanha com seriedade. Esta vez o hobby se transformaria em esporte. A escalada em rocha tomou conta dos meus finais de semana, e o muro indoor na cidade, a minha academia para treino na semana. Talvez a rocha não fosse uma montanha, mas faz parte do todo que a montanha exige.

Via "Fenda das Abelhas", Morro Itacolomi, RS. Brasil.

Aos poucos fui incorporando mais e melhor disciplina num conjunto de fatores que me levariam aos meus projetos ambiciosos na alta montanha. Foi uma caminhada de paciência, perseverança, esforço e treinamento físico e mental. O mais importante de tudo foi traçar objetivos concretos. Transformar os sonhos e fantasias da infância e adolescência, em metas.

Em 2017 cumpri meu sonho de voltar à Cordilheira Real boliviana como esportista, sem sofrimento desnecessário, e uma atitude forte.

Glaciar do Huayna Potosí, momentos antes da escalada técnica em gelo. Bolívia.

2018 trouxe mais uma expedição na alta montanha na região de Atacama, entre Chile e Argentina. Com grandes conquistas, frustrações e aprendizados em cerros acima dos 6 mil. Experiência que foi possível com o aperfeiçoamento e maior disciplina no treinamento. Mas com a certeza que o 70% da conquista é pela atitude e força mental, independente do preparo físico.

A montanha proporciona talvez o melhor e mais sadio auto conhecimento. É você com você mesmo, o seu real. Se você treinou, vai se dar bem. Se não, a montanha não perdoa. A montanha nos coloca no lugar no mundo, sua imensidade, sua imponência chega até ser assustadora e apaixonante ao mesmo tempo. A foto pode ficar bonita, mas lá não tem mentiras.

Cerro Laguna Verde, 5830 mts., região de Atacama, Chile.

Descobri que sim, de fato a montanha é símbolo de superação, porque o ciclo de sofrimento para atingir um possível objetivo, requer muito foco, disciplina, determinação, força de vontade, física e mental. O sucesso é a síntese de todo esse conjunto em um só. Você é capaz, você tem se superado e evoluído em direção ao seu melhor real. E o melhor de tudo não é a foto no Instagram, mas a certeza de que na próxima expedição ainda vai ficar melhor.

Cordilheira dos Andes, refúgio Atacama do Ojos del Salado, 6.883 mts, Chile — Argentina.

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Cris Ljungmann
Exploradores

Executive Coach, Life Coach, Corporate Consultant, Non-Violent- Communication trainer, Emotional Intelligence Coach, Team management and building expert.