Vista quase panorâmica das ruínas de Kuldhara

O Dia que Visitei uma Cidade Mal-Assombrada

Émerson Hernandez
Exploradores
Published in
5 min readOct 29, 2018

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Tranquilamente hospedado em tendas no deserto de Thar, ouvi a seguinte pergunta:

— Você tem medo de fantasmas?

Achando a pergunta meio sem cabimento, olhei desinteressado pro indiano que me questionava e querendo responder um "wtf?!?", acabei falando algo como:

— Não, por quê?

A resposta veio com outra pergunta:

— Mas você acredita em fantasmas, né?

Aprendi vendo Chaves que só idiotas respondem uma pergunta com outra pergunta, mas vamos lá… Estando de férias e meio que imaginando pra onde ia a conversa, respondi:

— Claro!

Deu pra ver a felicidade estampada na cara dele depois da minha resposta e então eu ouvi falar de Kuldhara pela primeira vez.

Conta a história que há mais ou menos 200 anos o próspero vilarejo era subordinado ao marajá que morava em Jaisalmer. Um dia o Ministro das Finanças (no vocabulário local, divã) da cidade-forte visitou o povoado e se encantou com a filha do chefe local. Salim Singh fez a corte, mas não obteve o resultado desejado. Extremamente enfurecido, ordenou ao chefe local, na frente de todos, que a entregasse. Caso contrário, subiria todos os impostos da região, como represália.

Os cidadãos de Kuldhara ficaram ao lado de pai e filha e, temendo a ira do divã, escaparam durante a noite, sem deixar nenhum rastro. Salim mandou homens por toda a região para encontrar os fugitivos. Porém, nunca ninguém foi encontrado. As centenas de moradores sumiram da noite para o dia, sem deixar rastro. E hoje o que se tem é uma cidade abandonada e, dizem, amaldiçoada. Desde o ocorrido ninguém mais habitou o local e nada cresce.

As ruínas da cidade, de dentro de um dos prédios (provavelmente residencial) melhor conservados

Os cerca de 20 quilômetros de distância entre Jaisalmer e o meu destino foram feitos em uma paisagem bastante amarelada, com vegetação pouco abundante e alguns dromedários selvagens. O clima árido presente em todo o trajeto já prenunciava a maldição do local.

Ao chegar lá, deu para ver que a área toda está dentro de uma zona de proteção, com cerca e portão. Na identificação, uma grande placa mostrava vários dados e o que me chamou foi a proibição de estadia de seres humanos após às 18h. Perguntei ao guia o porquê daquilo, e ele me respondeu que houve vários relatos de atividades paranormais no lugar feito por aqueles que tentaram passar a noite nas ruínas. Por causa disso, resolveram proteger os turistas dos espíritos …

Talvez você se pergunte: se todo mundo fugiu, por que teria espírito ou seria a cidade mal assombrada? Bem, a explicação passa por uma outra teoria. Em uma versão alternativa, as pessoas não chegaram a fugir. Depois de dado o ultimato sobre entregar-lhe a garota, o cruel Salim Singh voltou à cidade. E, ainda mais raivoso por não ter conseguido o que queria com sua ameaça, mandou que seus soldados executassem todos os habitantes. Uma cova comum foi aberta no meio do que é hoje a área das ruínas e todos os corpos foram ali jogados e enterrados.

Muitos dos prédios estão bastante bem conservados e podem ser explorados. Ao subir os degraus de um deles, fica mais clara a expansão de todo o vilarejo através das ruas e paredes de tijolos. Nos detalhes, dá pra ver a vida que o local tinha, como os espaços para lanternas e lamparinas.

Como não acordei muito cedo aquele dia, toda a visitação foi feita com o sol alto, conhecido remédio afastador de aparições. Mas não dá pra negar que o silêncio do lugar é grande a ponto de ajudar muito na criação de uma atmosfera de expectativa. A exceção de um templo, todo o restante dos prédios está em ruínas e a cada curva ou canto escuro, alguma aparição pode fazer uma visita.

Teorias menos fantasiosas tentam explicar o fenômeno por conta ou de uma seca avassaladora, ou mesmo de um terremoto que tenha acometido a região. A própria história de deserção coletiva não é tão absurda, se considerarmos que muitos dos moradores da região eram ourives e essa natureza certamente seria de grande interesse de um Ministro das Finanças.

Nos dias de hoje, ter uma história peculiar é sempre bom para o negócio do turismo, principalmente na popular região do Rajastão. De todo modo, ao cruzar o portão de saída, a frase que veio a mente foi "no creo en brujas, pero que las hay, las hay" …

Um dos trabalhadores do parque contando a história em língua local.

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