O poder de um lápis

Munike Ávila
Exploradores
Published in
6 min readOct 15, 2018
Pascaline Ngabwe , aluna da escola Kabiria. Seu sonho é se tornar médica.

O mês de outubro é muito especial para mim. Não, não é o mês do meu aniversário, mas é o mês onde comemoramos, no Brasil, o dia das crianças e o dia do professor. Para muitos esses não passam de dias comuns, mas para mim são datas muito significativas.

Jacob, Maja, Jean Claude e Simbi: alunos, amigos e fiéis escudeiros.

Descobri minha paixão por ensinar quando comecei a dar aulas na universidade em 2014 e no ano seguinte decidi me mudar para o Quênia (sozinha e por conta própria) para continuar ensinando — dessa vez refugiados de guerra. Aprendi sobre força, recomeço, resistência, sonhos, sobre o que nos une, e que para alegrar o dia de alguém basta amor e um toque de criatividade.

No início do mês de outubro, enquanto estava morando em Nairóbi, meus colegas refugiados me convidaram para conhecer a escola que eles mesmos tinham fundado para as crianças da comunidade, já que não conseguiam mante-las nas escolas municipais devido as altas taxas.

Calçados das crianças na entrada da sala (Arquivo pessoal)

Chegando lá, me deparei com uma escola sem carteiras, crianças sem materiais e professoras com salários atrasados. Mesmo com a falta de estrutura, a comunidade dava um jeito de continuar a educar as crianças com amor e alegria. Porém, com o atraso dos salários, as professoras estavam a um passo de desistir do trabalho, fazendo com que a escola fechasse as portas e muitas crianças ficassem sem acesso a educação.

Foi aí que surgiu a ideia de fazer uma vaquinha online. Nunca esqueço desta cena: eu e o Jacob (refugiado com quem eu trabalhava, um dos fundadores da escola) sentados lado a lado anotando num pedaço de papel os custos de cada item para conseguir reestruturar a escola. Contas feitas e a esperança de que iria dar certo. A cada doação, nossos corações se enchiam de alegria, o riso tomava conta do ambiente. Caramba, tem muita gente disposta a ajudar! E assim, de pouco em pouco, nossa vaquinha ultrapassou as expectativas e nós conseguimos. Pessoas do Brasil inteiro doaram!

Me lembro até hoje, 11 de outubro de 2015. Era um domingo com tempo agradável. Eu e meu fiel amigo Jacob fomos até o centro de Nairóbi para comprarmos os primeiros materiais para a escola Kabiria. Era o único dia que tínhamos tempo, mas a maior parte das lojas estavam fechadas, salvo por um mercado e uma barraquinha que ficava na beira da estrada, no fim de uma longa rua.

– Quanto está o lápis? — Ele perguntou em suaíli.

– Oitenta xelins a caixa com 12. — Respondeu a atendente por trás da grade, algo comum em lojas da cidade.

Oitenta xelins. Aproximadamente três reais. 12 lápis por três reais. Um lápis por 25 centavos.

Vinte e cinco centavos.

Eu nunca esqueço toda a “pernada” feita no centro, andando de um lado para o outro para encontrar um lugar onde comprar cadernos e livros de atividades. O mercado foi a única alternativa. Passamos um bom tempo nas prateleiras e enchemos nossas cestinhas. A cada caderno passado no caixa, um sorriso trocado. A atendente olhava com cara de quem não entendia nada.

Saímos de lá com uma caixa de cada. O Jacob carregava na cabeça e eu em frente ao corpo. As ruas estavam desertas e a gente ria alto, de felicidade mesmo. Parecia que ecoava.

Então veio o dia seguinte, 12 de outubro. Dia de entregar para cada criança seu lápis e seu caderno. De se surpreender ao ver o sorriso no rosto de cada uma e a comemoração por aquilo. Do brilho nos olhos. Da (única) bola de futebol deixada de lado. Aquele lápis era muito mais legal que uma bola de futebol! Aquele simples lápis ia fazer com que a Rosemarie virasse uma professora e a Carol uma médica. Aquele lápis ia dar o poder as meninas e meninos que eles temiam perder: o direito a educação.

Um simples lápis de 25 centavos comprado numa barraquinha no fim de uma rua. Um simples lápis que está reescrevendo a história de todas elas.

Esta semana comemoramos 3 anos de projeto Escola Kabiria. Eu nunca poderia imaginar que o que começou apenas com uma “vaquinha” para manter a escola aberta, se tornaria um projeto que já atendeu mais de 150 crianças, proporcionando educação, alimentação e muito amor!

Nesses três anos já conquistamos muitas coisas para as crianças como material escolar, salários para professoras e cozinheiras, energia elétrica, cozinha e banheiros, biblioteca, uniformes, visita de voluntários — tudo isso com a ajuda de pessoas que colaboram do projeto de diversas maneiras, sendo com doações, venda de produtos, organização de eventos, etc.

Aqui dá para saber mais sobre o que já alcançamos, conhecer nossos alunos e seus sonhos, depoimentos de voluntários e muito mais. :)

Dizem que quando viajamos, deixamos uma parte da gente e levamos conosco uma parte do lugar. E quando moramos em outro lugar, aquela sempre será nossa casa. E casa a gente cuida, né?

Feliz dia das crianças a todas que lutam pelo direito a educação. Feliz dia dos professores a todos que dão o coração por essa profissão.

Feliz três anos de Escola Primária Kabiria! 💛

Foto: Maiara Minatto, voluntária do projeto

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Faça parte do projeto com a gente e nos ajude a continuar transformando o futuro dessas crianças! Acreditamos que de pouco a pouco conquistamos nossos objetivos, por isso toda ajuda é bem vinda!

CONTATOS:
escolakabiria@gmail.com / Facebook / Benfeitoria

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