O Velho e o Novo, em Dresden

Émerson Hernandez
Exploradores
Published in
6 min readJul 26, 2022
O Centro Histórico de Dresden

Da janela do trem para Dresden, eu via o campo dar lugar a prédios antigos, bonitos, mas abandonados. A paisagem contrastava com o que eu já tinha visto em cidades como Frankfurt, Munique ou Dusseldorf. À medida que nos aproximávamos da estação central, o belo centro histórico (“Altstadt”) apareceu.

Capital da Saxônia, Dresden possui centenas de anos de história. Fundada no século XII, foi na época de Augusto, o Forte, que a cidade virou um centro artístico importante na Europa. Chamada de “Florença do Elba”, no século XVII era ponto de encontro de músicos, poetas e pintores que se dividiam entre sua arte e o consumo de café, cerveja e champagne.

Fürstenzug, a Procissão de Príncipes. O maior painel de azulejos do mundo apresenta a história dos mandatários da região.

Os séculos transformaram-na em referência cultural, fazendo com que Dresden ganhasse destaque. O que deveria ser apenas pelo lado positivo, infelizmente gerou outra leitura no meio do século XX. No apagar das luzes da Segunda Guerra, de 20 a 25 mil pessoas foram mortas, civis em sua grande maioria, numa operação militar conhecida como o Bombardeio de Dresden. A ação em conjunto das Forças Aéreas Inglesas e Americanas destruíram todo o centro histórico da cidade. Quem caminha pelas ruas, distraído, não percebe que os grandes prédios erguidos originalmente há mais de trezentos anos são na verdade um dos maiores exemplos de reconstrução. Se você parar na Augustusbrücke (Ponte de Augusto) com uma pintura do século XVII e compará-la com a atual vista da cidade, vai notar pouquíssima diferença. Então, friamente falando, a “cidade velha”, tem menos de 50 anos!

Embora o lugar fosse muito interessante, não paramos ali, pois nosso albergue ficava na outra margem do Elba, na parte conhecida como Neustadt (numa tradução quase literal, “cidade nova”). Eu viria a descobrir depois que o rio separa mais do que os dois momentos de ocupação da cidade.

Durante o regime da Alemanha Oriental (DDR), o lado onde nos hospedamos foi um lugar ocupado por excluídos da sociedade. Essa má fama acompanhou a região e nos anos 90, pós unificação, toda a área era indicada como “evite” nos guias de viagem. Na virada do milênio, mudou seu status e hoje é o bairro pra se hospedar. Rodeado de bares, restaurantes e galerias de arte, a popularidade da região se justifica pra quem procura vida depois que o sol se põe.

Ouvindo algumas pessoas da cidade, eu ousaria dizer que a má fama tem raízes na própria cidade. Ainda hoje, o conflito entre o novo e o velho ainda continua. De um lado do rio, a população mais sênior olha para os jovens do outro lado e os chama de bêbados, vagabundos, comunistas. A resposta, quando vem, é em forma de zombarias relacionadas ao fato de o lado antigo ser só na idade da população, além de conservadora, cristã, fake.

Arte Urbana e grafite na Neustadt

Ficamos na cidade por dois dias e tranquilamente poderia ter sido mais. A quantidade de museus na parte velha e de bares e galerias da parte nova é imensa. Além disso, a poucos quilômetros de distância, é possível apreciar a natureza na região conhecida como Suíça Saxã, com suas famosas montanhas de Arenito à beira do vale do Elba.

As Bastei, como são conhecidas as mais famosas das formações, são uma ótima opção de conexão com a natureza pra quem está de viagem pelo velho continente, normalmente repleto de destinos urbanos. Seu cume tem quase duzentos metros de altura, e sua ocupação remonta o século XVII, quando foi usada como parte do anel de defesa do castelo de Neurathen. A formação, destino turístico há mais de dois séculos, é hoje procurada por escaladores, caminhantes e amantes da natureza no geral. Muitos sites recomendam o aluguel de carro para ir ao parque. Como isso parece pra mim tão atraente quanto chamar um táxi pra me levar à academia, deixa eu contar uma alternativa tranquila e mais aderente à proposta.

Da estação central de Dresden, pegamos o trem S2 em direção sul (fique atento para saber o lado certo pelas referências de cidade como Praga ou Bad Schandau) até Kurort Rathen. Desembarcamos e fizemos uma breve caminhada até a beira do rio, onde esperamos pela balsa. Espetáculo à parte, o barco que faz a travessia usa uma tecnologia baseada em cordas. Breve jornada feita, é só aproveitar o pequeno amontoado de casas e as árvores que acompanham a trilha, morro a cima. O percurso proporciona algumas pausas para contemplação e fotos, com o belo cenário do vale que acolhe várias curvas do Elba. Lá em cima, algumas atrações para observar, sendo a mais famosa delas, a ponte de pedra. Há também trechos do antigo castelo, porém nada comparado a outros lugares da Alemanha onde você realmente vê uma cidadela. Aproveite e almoce no restaurante com uma das melhores vistas panorâmicas que eu já vi na vida.

Uma coisa que não posso deixar de abordar, infelizmente, é que Dresden também é lembrada por sediar grupos e atividades de extrema direita. Então quando estiver por lá, fique ligado no que está rolando, porque você pode dar de cara com demonstrações públicas de xenofobia ou outros comportamentos intolerantes. No albergue onde ficamos, um dos voluntários era brasileiro do Distrito Federal e nos contou, surpreso, de alguns desses eventos. Inclusive, nos mostrou uma foto sua em frente a uma pichação anti-turista!

Aviso dado, a cidade vale muito a pena! Para muita gente a cidade em si não é destino. Dresden nem sempre aparece nas numerosas e numeradas listas de “o que visitar na Alemanha?”. Eventualmente, citam-lhe o Mercado de Inverno, na época do Natal, como grande atrativo, mas para passar apenas o dia. No meu caso, tornou-se um destino escolhido por ser no caminho entre Berlim e Praga.

Se escolher ir, caminhe sem rumo pelos grafites da Neustadt e se depare com lugares pitorescos como a Kunsthofpassage, um estreito espaço entre prédios conhecido como “Travessa da Arte”. Um complexo de apartamentos residenciais, lojas e galerias, a passagem é decorada por mosaicos e estátuas de humanos e animais. Ou então, entre num dos inúmeros bares, como o Blue Note e aprecie uma ótima música ao vivo artistas locais. Ou ainda, o Hebeda's, com design totalmente inspirado nas cores e design da DDR. E como os locais que frequentam esses lugares, não deixe seu copo vazio!

Sim, eu gostei bastante das intervenções e da estética.

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