Riga além do centro histórico
A Letônia com certeza não é um país que vem em mente quando o assunto é viajar pela Europa. Aliás, onde é que fica mesmo a Letônia?!
O país faz parte dos chamados “Bálticos”, um termo normalmente usado para agrupar os três estados soberanos no norte da Europa, na costa leste do mar Báltico: Estônia, Letônia e Lituânia.
A proximidade entre os três países, porém, não é cultural ou linguística: enquanto o idioma na Letônia e na Lituânia assemelha-se ao Russo, na Estônia provém do finnic, mesmo ramo linguístico do Finlandês. O mesmo pode-se dizer do comportamento das pessoas: na Estônia eles se sentem lisonjeados ao serem chamados de escandinavos, já na Letônia a falta de sorrisos e os olhares de canto me lembraram muito os russos. Isso também se observa nas placas de trânsito e avisos em transporte público: nada de inglês (ao contrário de Tallinn).
Mesmo assim vale a pena passar um fim de semana explorando a capital do pequeno país: Riga. Com pouco mais de 600 mil habitantes, a cidade abriga 1/3 da população da Letônia e por aqui é comum escutar ao menos 3 idiomas diariamente: letão, russo e inglês. Assim como na Estônia, devido ao longo período de ocupação da URSS, o russo ainda é falado por boa parte da população, na sua maioria pessoas mais velhas que não aprenderam o idioma oficial. Atualmente os jovens aprendem desde cedo letão e inglês (o inglês deles é impecável!) e no início do ensino médio devem escolher uma terceira língua entre alemão e russo.
O centro histórico, patrimônio mundial da UNESCO, é muito charmoso e rico em atrações! Mas também acho interessante conhecer a parte não turística das cidades e dessa vez foi por um morador local, através da Free Walking Tour Alternativa.
Começamos nossa caminhada pelo mercado público de Riga, um complexo de cinco pavilhões construídos a partir de antigos hangares de Zeppelins (dirigíveis) em 1930. Cada pavilhão é dedicado a um tipo de produto (carnes, peixes, frutas e verduras, acessórios, etc.) com os mais variados preços, tornando o mercado um lugar pra todo tipo de consumidor. É um hábito comum dos locais fazerem suas compras ali, principalmente no fim de semana que o estacionamento é de graça.
Mas não se engane com os populares mercados de rua, onde é possível barganhar os preços: a Letônia faz parte da União Europeia e os preços dos produtos são fixos. O máximo que você pode conseguir é uma degustação do produto.
Próximo ao mercado se encontra o distrito de spīķeri, que abriga os antigos armazéns, hoje transformados em cafés e restaurantes. A grande área aberta é usada para evento como concertos ao ar livre, mercados de pulgas (fleamarket) e pista de patinação no gelo no inverno. Durante a Segunda Guerra Mundial a região se transformou no gueto judeu de Riga, que hoje abriga o Museu do Gueto Judeu. A uma curta caminhada, é possível ver as ruínas da Sinagoga Choral, destruída por um incêndio em 1941. O local foi transformado em um memorial àqueles que morreram no incêndio e outro monumento foi construído em homenagem àqueles que proporcionavam refúgio a judeus durante a guerra.
Próximo dali se encontra a Academia de Ciência que hoje abriga apenas o escritório administrativo — 60% do prédio está desocupado, algo comum em todo o país. A construção é típica do período soviético e ainda é preservada quase exatamente como em 1961, sendo uma das únicas com o símbolo do martelo e da foice na faxada central do prédio.
Diz a lenda que o prédio é um dos “8 irmãos” espalhados por outras cidades da ex-união soviética, como Varsóvia e, claro, Moscou. Assim como em outras cidades, a construção já gerou discussões sobre as lembranças que remete mas, diferentemente de outros lugares, Riga prefere mantê-la de pé e usar para outros meios. Hoje é possível subir até o topo e ter uma vista panorâmica da cidade.
Seguimos para o distrito de Moscou, área onde moravam a maioria de russos e judeus antes da Segunda Guerra Mundial, hoje um dos subúrbios da capital. Ali se encontravam as famosas casas de madeira do século 19, que foram destruídas devido a um incêndio não muito bem calculado durante a Primeira Guerra Mundial. Ainda é possível ver algumas delas, como a Igreja Luterana —grupo religioso mais difundida no país.
Mas atenção, mesmo a cidade sendo bastante segura, não é recomendável andar a noite pela área, ainda mais se estiver sozinha/o.
Para quem gosta de parques, Riga é um prato cheio! Ao redor da cidade velha os parques deram lugar às antigas muralhas. É possível fazer belas caminhadas e descobrir mais sobre a história da cidade através dos monumentos.
Por exemplo, no parque Esplanade se encontra a Catedral Ortodoxa que durante o período soviético foi transformada em planetário e cinema. Por isso ainda é comum as pessoas se referirem ao local como “o planetário”.
Acabamos nosso giro diante do monumento à liberdade, que tem uma história bastante curiosa: o monumento, construído em 1935, substituiu uma estátua do imperador russo Pedro, o Grande. Com as palavras “Pela pátria e liberdade” ele é uma homenagem a independência da Letônia (do até então domínio russo) declarada em 1918 que infelizmente não durara muito. O país sofreu ocupações seja da Alemanha Nazista que da União Soviética que obviamente não gostava do que o monumento remetia à população e considerou substitui-lo por uma estátua de Stalin.
Foi Vera Mukinha, famosa escultora na época, quem salvou o monumento com uma grande ideia: mudar o significado de seus símbolos. A mulher no topo do obelisco, que antes representava a liberdade, agora era a “Mãe Rússia”, e as 3 estrelas que ela segura acima da cabeça, antes símbolos das três províncias históricas da Letônia, agora eram os 3 países bálticos dominados pela URSS.
Hoje é possível entrar no monumento, mas não é algo simples: é preciso fazer uma carta de motivação justificando o porque você merece esta oportunidade, que é aberta a poucos. Um lugar assim exclusivo parece guardar algo muito importante, mas na verdade a única coisa que tem lá dentro é um livro de assinaturas de quem conseguiu entrar e um elevador de uma pessoa só que dá acesso a vista de 42 metros do topo monumento.
É possível ver mais casas de madeira e os edifícios “blocos” socialistas no caminho entre o aeroporto e o centro histórico. Para chegar lá é fácil: basta pegar o ônibus 22 ou o expresso 322. Os bilhetes podem ser comprados em máquinas ao lado da parada ou nas lojas “Narvesan”(que tem em praticamente cada esquina).
Centro histórico de Riga
Quando planejei meu itinerário para a capital da Letônia, percebi que é muito difícil encontrar informação em português sobre o lugar, então vou listar brevemente aqui as atrações principais do centro histórico:
Museu da Ocupação: um lugar importante para entender um pouco mais sobre a história do país e o que aconteceu ao povo e sua terra durante os regimes nacional-socialistas soviéticos e alemães, de 1940 a 1991. O museu oferece visita guiada diariamente as 14 e 16 horas, com preço de 3 euros, sem agendamento prévio. Foi ali que aprendi sobre o “Baltic way”: uma corrente humana de 600 km que atravessou os três países bálticos em protesto contra a ocupação soviética, em 1989.
Museu Nacional de Arte da Letônia: localizado dentro do parque Kronvalda, o museu é um local maravilhoso para descobrir o patrimônio artístico do país por meio de exposições permanentes e itinerantes. O próprio edifício, construído em 1905, é uma obra de arte a ser apreciada.
Torre de Pólvora: uma das antigas torres de fortificação de Riga, construída no século 14 hoje abriga o museu da Guerra da Letônia.
Catedral de Riga: quase tão antiga quanto a própria cidade, a catedral é a mais importante da capital. Lá dentro se encontra um dos orgãos mais antigos da Europa, que ainda conserva a faxada original e também é possível visitar os jardins da Igreja, que tem uma arquitetura muito bonita.
Casa dos Cabeças Negras: construída em 1334, hoje o que se tem da construção original são apenas as bases do prédio. A casa servia para receber visitas de reis estrangeiros e outros convidados nobres e continua cumprindo essa tarefa até hoje — shows, bailes, jantares de gala e recepções diplomáticas são frequentemente organizados aqui.
Três Irmãos: As três casas históricas da Cidade Velha, construídas em conjunto, são chamadas de Três Irmãos. Juntas elas formam o complexo mais antigo de habitação da cidade. A lenda diz que foram construídas por três homens de uma mesma família.
Alberta Iela: Riga possui uma das coleções mais ricas do mundo no estilo Art Nouveau. Existem mais de 800 estruturas nesse estilo arquitetônico em toda a cidade, mas a maior concentração está em Alberta iela, uma rua amplamente construída em uma onda de criatividade por um único arquiteto, Mikhail Eisenstein.
Portão Sueco: O Portão Sueco faz parte das muralhas da Cidade Velha que circundavam Riga durante os tempos medievais, servindo como muro de fortificação e como uma importante fronteira para fins comerciais. Atualmente é a única estrutura na cidade velha que preserva sua aparência original.
Os preços na cidade são baratos em relação ás famosas capitais europeias. Tendo conhecido a capital da Estônia e a da Letônia eu diria que se você quer ter uma gostinho de um país escandinavo sem gastar muito, vá para Tallinn! E se você quer ter uma ideia inicial de como é parte da Rússia sem passar trabalho com a língua, vá para Riga. Ao menos eles falam inglês e você não se meterá em apuros, como aconteceu comigo nesta outra viagem.
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