Snowboard no Himalaia

Émerson Hernandez
Exploradores
Published in
7 min readMar 22, 2017

Não sei bem quando foi que eu descobri. Mas em algum momento, eu procurava por pontos turísticos no subcontinente indiano e vi que alguns pontos do Himalaia eram locais propícios para fazer snowboarding. Essa revelação gerou um dos itens prioritários da minha lista de coisas a fazer fora do trabalho enquanto eu estivesse por aquelas bandas. Em meados de janeiro de 2015 o plano começou a tomar corpo. Fui para a internet ver opções e mandei alguns emails. Estava na hora de passar de ideia para possibilidade.

Algumas informações do local passadas a mim por colegas de trabalho, juntamente com algumas respostas que recebi, foram me norteando. Aqui, tenho de abrir um parênteses: em sua maioria, os indianos são bastante atenciosos e criativos. Sua forma de fazer se destacar, mesmo por mail, me chamou atenção:

Thanks a Lot for patronising Us. We can spell S…..CCESS only with ‘U’.

ou

We do not Experiment, We Excel with Experience

Fechado o parênteses. Dentre as várias respostas recebidas, uma delas me retornou um roteiro detalhado sobre os dias que ficaríamos por lá. O documento descrevia todo o pacote, que incluía: hospedagem, todas as refeições, aluguel de equipamento e acompanhamento de instrutor. Além disso, ainda se ofereceram para fazer todo o meio de campo de deslocamento entre Rishikesh e Josimath. Esse zelo foi extremamente conveniente dado o fato daquela região ser relativamente pouco comum para turistas estrangeiros.

Talvez pela falta de costume de pegar um pacote fechado, não me dei conta de alguns detalhes que viriam a fazer sentido depois. O arquivo pdf com toda a descrição começava com uma tabela com as seguintes informações (traduzidas, claro):

Localização: Norte da Índia
Altitude: 10.000 pés (um pouco mais de 3000 metros)
Base Camp: Himalayan Abode, Joshimath
Clima: Imprevisível. Máxima de 12ºC, mínima de -12ºC
Crenças: Hinduísmo, Garhwali
Estação: Dezembro a Abril
Vestuário: Roupas de lã

Dev Prayag, onde a confluência dos rios Alaknanda e Bhagirathi criam o Ganges

O caminho

Normalmente o caminho morro acima é feito de carro. Para quem quiser, há a opção de helicóptero que mesmo em valores indianos é bastante salgada. O comum acaba sendo sair diretamente de uma cidade com aeroporto e se deslocar até um local para se hospedar no meio do caminho, como Rishikesh ou Haridwar. Você pode alugar um carro, se quiser. Tende a ser mais conveniente combinar com um taxista, pela complexidade de dirigir na cordilheira.

O trajeto por terra.

Sendo específico, apresento meu caso. Saímos de Bangalore e fomos por via aérea até Dehradun (A). De lá, pegamos um táxi e nos hospedamos em Rishikesh (B), onde passamos a noite. Dali até Joshimath (C) a distância é um pouco maior do que 250 quilômetros. Como leva-se perto de 12 horas até chegar lá e eles não dirigem a noite nas regiões mais altas, nosso táxi chegou ao hotel às seis da manhã.

À esquerda, restaurante na estrada. Meio e direita: chai sendo preparado na hora.

O caminho é bonito e difícil. A estrada não estava em suas melhores condições em vários dos trechos. Para os mais sensíveis, pode ser problemático fazer esse trajeto. Muitos locais não possuem acostamento e a pista acaba a poucos centímetros de um desfiladeiro onde, lá embaixo, se enxerga um dos afluentes do Ganges.

Planeje-se para parar no meio do caminho, para esticar as pernas e ir se acostumando com o frio e com a altitude. Há aí boas oportunidades para aproveitar a culinária e a vista, tanto da natureza quanto das pessoas. Há ainda muitos trabalhadores nas estradas removendo pedras manualmente, com a “ajuda” de seus filhos pequenos.

Vista do quarto, Josimath e porta de entrada do "The Himalayan Abode"

Joshimath & Auli

Chegamos em Joshimath quase às 18h. Na hospedaria familiar fomos recebidos pelo Daniel: gerente e cozinheiro. Encaminhados ao quarto, fomos surpreendidos às 18:30 por um senhor — que depois eu descobriria ser o pai do dono com quem me correspondi por mail — que nos chamou para o jantar. Não foi uma combinação de horário e sim uma intimada. Sabe aquela situação onde você visita seus avós no interior e eles te avisam que a comida está na mesa? Foi isso.

Sem a menor chance de negociação, fomos jantar.

Nevou MUITO durante aquela manhã!

O snowboarding é feito em Auli, que é bastante menor que Josimath, tendo praticamente uma única opção de hospedagem. Por isso, preferimos ficar na cidade com um pouco mais de infraestrutura, deixando para nos deslocar, montanha acima, diariamente. Existem basicamente duas as opções de subida: de carro e de “bondinho” (cable car).

Lift em formato de J

Chegamos à montanha pelas nove, como combinado. Estava nevando, deixando a pista em ótimas condições para o esporte. No entanto, por mais preparados que estivéssemos, só conseguimos ir para a pista pelas 10:30. A razão foi bem simples: como aquele dia estava muito frio, o operador resolveu ir trabalhar um pouco mais tarde…

Prancha nos pés e o motor a diesel do maquinário todo a postos, paguei a subida e fui tentar usar o lift (esse da foto). Sim, você não compra um passe, paga a cada utilização. O mecanismo de te levar montanha acima é uma barra que você deve usar como assento e que vai te puxando. O uso é relativamente fácil para esquiadores, mas não para quem está praticando snowboard.

Minha primeira tentativa de usar foi um fracasso. Quando tentei pegar o segundo assento, ouvi o funcionário gritando: “No, no, no, sir”. Vindo em minha direção, interrompeu minha segunda investida e me devolveu o dinheiro.

Desce, tu vais quebrar o aparelho.

Quem sabe tu não me ensina como usar?

Não sou professor, "sãr".

Resultado: para subir, foi sempre uma encrenca. Peguei carona umas duas vezes com o trator que estava limpando a pista. Todas as outras vezes, tive de subir a pé, levando a prancha comigo.

No meio da tarde, descemos a montanha de volta para nossa hospedaria. Dali, aproveitamos para caminhar e conhecer um pouco mais da cidade. À noite, mais uma descoberta: o frio também é sentido dentro do quarto. Por sorte, lençóis térmicos e aquecedores fizeram companhia.

Hoje, de volta para a minha realidade, a pergunta que muitas pessoas me fazem é: afinal, vale a pena?

Vale muito! O Himalaia é um local absurdamente bonito. As montanhas são exuberantes e te trazem uma perspectiva mais ampla sobre muitos assuntos. Não é a toa que ao estar exposto a esse tipo de natureza tantos fiquem com o sentimento de conseguir enxergar além. Conversando com outras pessoas que tiveram esse tipo de experiência, notei que boas reflexões surgiram. No entanto, é bastante difícil explicá-las, pessoalmente ou em texto. Lord Byron já resumia esse aspecto:

(… ) and to me
High mountains are a feeling (…)

Uma dica é: prepare-se também para suas refeições. Lembra da tabela com informações gerais na proposta que recebi? Não foi à toa que eles compartilham as crenças do local. Nos quatro dias de estadia (incluindo o almoço na estrada e a noite em Rishikesh) a alimentação foi totalmente vegetariana. Mas não se preocupe. A comida estava ótima, mesmo com a ausência de carne.

Para você que gostou da ideia de snowboard, lembre-se: a infraestrutura do local não é comparável a que encontrei em outros lugares, como os Estados Unidos. Assim, se você for iniciante provavelmente aproveitará menos do que praticantes mais experientes. Tenha em mente essa diferença entre países mais estruturados e a Índia e divirta-se. Se você não for de esportes de neve, não tire esse itinerário da sua lista. Uma das várias maneiras de aproveitar para subir a montanha é ir em outra época do ano. Uma boa pedida daquela região é caminhar e visitar o Vale das Flores.

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