Viajando o mundo, fazendo amigos. Arquivo pessoal

Velejando o mundo: Como se faz?

Felipe B Cabral
Exploradores
Published in
7 min readMar 12, 2018

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Antes de tudo. Como é possível?

A primeira coisa a ser discutida é paradigma. A ideia de velejar, explorar e viajar é recheada de romance. O primeiro modal que fez o ser humano conquistar o invisível, o inalcançável. Protocolos antigos da marinha sobrevivem hoje na aviação e exploração aeroespacial, o futuro e o passado compartilham a marinharia como disciplina. E apesar da maioria da humanidade viver próximo ao mar, a vela parece algo distante.

Hoje, barcos com cascos de fibra, metal ou fibra de carbono são admirados a distância, alimentando ainda mais a ideia romântica de viver imerso a natureza e conquistar o desconhecido.

Quero reformular dois paradigmas: A ideia romântica, a inacessibilidade.

arquivo pessoal

A ideia romântica

Em 1834 o livro “Two Years Before the mast” era lançado. Um advogado com problemas de visão foi recomendado a observar o horizonte se desejasse corrigir a sua visão. Uma passagem do livro:

Monday, Nov. 10th. During a part of this day we were hove to, but the rest of the time were driving on, under close-reefed sails, with a heavy sea, a strong gale, and frequent squalls of hail and snow.

Tuesday, Nov. 11th. The same.

Wednesday. The same.

Thursday. The same.

Uma velejada difícil, com tempo gélido que mistura chuva e neve e ventos fortes. E isso se repete ao longo dos dias. A rotina de dificuldade de uma travessia tolhe a qualidade dos melhores dos homens. Além disso, o livro “Come Hell and High Water” que relata os 20 acidentes marítimos mais famosos entre 1500 e 2003 tem como objetivo demonstrar que o condições extremas faz com que os melhores dos homens falhe. E as vezes os piores homens possam demonstrar o seu valor e sua humanidade.

Essas características ajuda a criar a situação que temos hoje. Barcos feitos para pessoas que tendo muitas opções de investimento e guidas por ideias românticas, acabam por lotar as marinas com barcos que permanecem atracados por mais de 363 dias ao ano. Essas marinas são normalmente clubes fechados — a maior e mais famosa de Porto Alegre possui um sócio negro apenas, Ronaldinho Gaúcho. O que nos leva ao segundo ponto.

Inacessibilidade

Barcos são caros, tem manutenção cara e são mantidos em clubes caros. Some isso as características da elite Brasileira e você já deve estar desistindo de chegar perto de um barco com medo de provocar um arranhão. Ou simplesmente desgostoso de fazer parte desse clubinho.
Mesmo que recursos financeiros não sejam o impedimento, os velejadores brasileiros que frequentam os clubes são motivo de chacota para os comandantes estrangeiros que tive a oportunidade de conhecer e conversar. Misturando whisky com guaraná e seus barcos um tipo de motel privado para levar amante(s).
Não só os barcos são mantidos em lugares fechados, de elite, mas o próprio comportamento dos comandantes brasileiros não é propenso a exploração. E é disso que tratamos aqui, senão não teríamos o título de EXPLORADORES.

“Faça Sol, faça chuva” — arquivo pessoal

É possível

Lembre-se. Amyr Klink atravessou um oceano a remo, invernou no mar congelado antártico. Ele possui um vídeo falando que dinheiro sempre foi uma dificuldade, mas nunca impediu que ele seguisse adiante. E é brasileiro. Existe esperança para todos nós.

Um outro herói moderno e desconhecido que posso citar aqui é Charlie Flesch. Andarilho, aprendeu com os livros toda a teoria e se prontificou a mergulhar e navegar com Capitães de grande fama ao redor do mundo. Juntou investidores e financiou seu barco. Hoje é um dos raros velejadores antárticos. Dentro do mundo dos velejadores essa classe é a mais habilidosa e responsável. Altas latitudes não toleram erros e amadorismo.

Foi possível para mim

Meu paradigma foi quebrado com a Bárbara WD. Que me disse que seu pai era um marinheiro profissional e transportava barcos. Ele poderia me levar em uma viagem se gostasse de mim, o que é uma tarefa fácil. Sem saber nada passei uma semana no mar, aprendendo no dia a dia como lidar com o barco e reformulando o romance que tinha sobre a atividade de velejar. Felizmente ou infelizmente eu amei a experiência. E tinha outro problema para enfrentar: Apesar de gostar da cia e da experiência do CMDR Centauro, eu dependia dele para poder velejar. A possibilidade de velejar já havia sido apresentada na minha vida, o que era impossível agora era acessível. Havia descoberto que era capaz. Agora tinha que me emancipar e criar minhas próprias possibilidades de vela.

Com o objetivo de conhecer pessoas loucas como eu, acabei por visitar a aula magna de construção de barcos de madeira. Com a exceção de duas pessoas, todos eram senhores de idade, cabelos brancos e corpos físicos que não gritavam aptidão aos desafios impostos pelos oceanos. Um deles era o autor desse texto, o outro era o supra citado Charlie Flesch. Mais paradigma quebrados e reformulados — existem redes de marinheiros internacionais que podem te aceitar como tripulante.

Um barco de mais de 10 ano de idade sem velas incardidas — um exemplo. Arquivo pessoal

Findacrew.net

Poucos dias depois de fazer meu cadastro eu fui contatado por um capitão sueco, Lars Alfredson. Velejador desde criança, está a velejar TODO o mundo, com calma, pedaço por pedaço e recebendo pessoas para lhe ajudar com o barco. Depois de uma entrevista com ele e com um de seus amigos brasileiros, que foi com ele até a Antártica e depois Alaska. Estava aprovado.
Simples não? OK, no ínterim eu realizei cursos de vela, li livros de centenas de anos sobre marinharia, conheci as histórias mais cabeludas, me preparei. Esperamos que você faça algo parecido se quiser se jogar nesse universo.

Como funciona?
Se inscreva no site, preencha o perfil, aguarde. Entre em contato com os comandantes que possuem um perfil que te agrada.

Imagine que você está em uma linha do tempo do Facebook onde é amigo de TODO mundo. Então todo tipo de pessoa estará listado, e.g:

* Sugar daddy

* Barco que recebe somente homens gays

* Capitão que só aceita vegano e que medite todas as manhãs junto com ele

* Pessoas que estão apenas explorando e levando a vida numa boa

* Pessoas que compraram seu barco a pouco e precisam de uma ajuda

O seu perfil irá ajudar a criar as condições ideias para que você não se frustre. Lá você consegue dizer, inclusive, se é bagunceiro ou não — e acredite, saber disso de antemão pode prever muitos problemas.

Minhas experiências são mais ou menos assim:
Velejador com pressa, usa o motor muito mais do que se gostaria. O cheiro e o barulho são terríveis.
Velejador com barco prestes a afundar(e afundou).
Velejador com o primeiro barco, queria velejar o mundo sem ideia do trabalho que isso dá.
Velejador que está dando a volta ao mundo há mais de 10 anos e recebeu mais 20 pessoas diferentes do seu barco.

Como prever os primeiros casos e tentar sempre alcançar o último?
Conversa, entrevista, perguntas. As vezes temos que ir e voltar com o rabo entre as pernas.
No aeroporto do Panamá eu encontrei um velejador, reconheci pelo estilo e perguntei se ele era realmente um velejador e que histórias ele tinha pra contar. O comandando do Sea Witch faz transporte internacional de veleiros. Ao chegar no Caribe e ver o estado do barco que ele teria que transportar foi o suficiente para tomar a decisão de desistir do contrato e pagar do próprio bolso a viagem de volta pra casa. “Perco um contrato e me mantenho vivo. É a única maneira de testar a sorte no dia seguinte”. Ele teria como ter previsto? Talvez…
Capitães que possuem barcos em excelentes condições costumam falar e principalmente fotografar a sua nave.

SailSquare.com

Diferente do Findacrew, SailSquare está mais para um AirBnb dos barcos.
Você estará alugando um espaço em alguma embarcação para uma experiência única e possivelmente lúdica.

AirBnB

O site mais famoso de acomodações possui diversos barcos listados, alguns no Brasil mesmo, sendo uma excelente oportunidade para iniciantes.

Nao usando a internet para isso tudo

As coisas são um pouco mais complicadas hoje, mas se associar e frequentar um clube náutico te dará acesso imediato aos poucos aventureiros que existem no Brasil. No mundo, o lugar IDEAL são os portos da cidade do Panamá, onde quem está cruzando está para fazer a costa Oeste dos EUA, Polinésia e até mesmo Galápagos. Para o outro lado: Caribe, Brasil e Europa.
Na cidade do Panamá os bares ao longo das marinas são abertos ao público. Só chegar chegando.
Foi lá que conheci um alemão programador e velejador que criou uma distribuição Linux para navegação — de quebra recebi uma cópia de todas as cartas náuticas do mundo.

Arquivo pessoal — Ilha de Páscoa

Esse foi um post técnico. Como estou acostumado as perguntas resolvi abrir a coleção naútica com ele. Na sequencia: Europa(França, Espanha e Portugal), Panamá, Rio de Janeiro e 30 dias até a Ilha de Páscoa.

Trilha sonora proposta:

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