O turismo, a vacinação e os dilemas morais

Jose Alves
Expresso Libertário
6 min readSep 22, 2021

Os problemas encontrados quando a ética não é seguida durante uma pandemia

A vacinação da população é a dita prioridade das nações.

As primeiras notícias saíram com seu descobrimento na China, em novembro de 2019 e, em março de 2020, o novo coronavírus passou a ser realmente um problema mundial. A rápida disseminação da COVID-19 — como toda e qualquer adversidade encontrado pela humanidade — logo se tornou uma desculpa para os Estados ao redor do mundo tomarem cada vez mais medidas totalitárias, como fechar comércios coercitivamente e impedir que as pessoas saíssem de suas próprias casas. Porém, conforme o tempo foi passando, as vacinas contra o vírus foram sendo desenvolvidas e, apesar do período de testes de todas as vacinas terem sido extremamente curtos para o padrão, não havia mais desculpa para que as coisas continuassem paradas. Com isso aos poucos o Mercado foi sendo reaberto pelos governos. Mas nem tudo são flores porque, como há de se imaginar, mais medidas coercitivas foram implementadas como “condição” para que o Mercado voltasse ao que era antes.

Uma das áreas mais afetadas por essas medidas intervencionistas dos governos no mercado foi a área de turismo que, em muitos países, esteve praticamente proibida de disponibilizar qualquer serviço, resultando na queda de quase 50% de sua receita, sem contar a inflação, e, consequentemente, levando muitas empresas à falência (saiba mais da situação aqui). Muitos países voltaram a abrir suas portas para turistas, mas somente vacinados, e com certos tipos de vacinas, exigindo o que está sendo chamado de “passaporte de vacinação”. Enquanto alguns países disponibilizam vacinas que não são consideradas “muito boas”, ou estão com uma média baixa de vacinações diárias, outros países disponibilizam essas vacinas boas e estão com uma média de vacinação diária altíssima.

Essa situação fez com que fosse criado o que chamamos de “turismo da vacina”, em que turistas vão para outros países com o principal objetivo de se vacinarem.

Países como Emirados Árabes, Rússia e alguns estados dos EUA são exemplos de lugares que dão uma facilidade enorme aos turistas de serem vacinados. No caso dos Emirados Árabes, chegaram a ser vendidos pacotes de viagem com a vacinação inclusa por até R$280 mil, embora não houvesse a confirmação oficial do governo de que lá era possível a vacinação de turistas (saiba mais sobre os países que fazem o turismo da vacina por aqui).

Realmente, para as empresas de turismo, esses pacotes de viagem com a vacina inclusa são grandes oportunidades de correr atrás do prejuízo causado pela pandemia em 2020 e no começo de 2021. Em Santos, agências de viagens fizeram pacotes de R$15 mil para brasileiros se imunizarem nos EUA (mais informações aqui). Mas há lugares que condenam fortemente essa prática, como o Chile e até outros estados dos EUA, que vacinaram apenas os seus cidadãos, alegando a imoralidade do turismo da vacina.

A verdade é que, em razão das vacinas estarem sendo disponibilizadas pelos Estados com dinheiro de impostos e não por empresas privadas, fica difícil determinar a moralidade da prática, já que os processos de compra, distribuição e seleção de aplicação já são antiéticos por definição.

Entendendo o básico sobre a ética de propriedade privada, é fácil chegar à conclusão de que a cobrança de impostos é objetivamente antiética por ser uma iniciação de agressão à propriedade de indivíduos pacíficos. Os Estados são financiados pela extorsão e, com o dinheiro roubado, disponibilizam produtos e serviços de qualidade inferior, se comparado ao que o seria acessível em um Livre Mercado com o mesmo preço cobrado nos impostos, enquanto minam propositalmente a competição do mercado para que a cobrança de impostos seja justificada. Com as vacinas, não poderia ser diferente: todas são financiadas, compradas, fornecidas e têm a seleção de em quem e quando aplicar, tudo isso a critério dos Estados.

Um dos países que oferece vacinas “gratuitas” para os turistas é Cuba. Em Cuba, o forte intervencionismo econômico do governo causa falta de produtos e serviços básicos, inclusive comida, para toda a população, mas Cuba está disponibilizando vacinas “gratuitamente” para turistas, com o dinheiro que os cubanos precisariam para se alimentarem decentemente. Alguém que viajasse para o exterior para COMPRAR uma vacina que não está a venda no mercado do lugar onde mora não encontraria dilema moral algum, já que todo o processo ocorreu de maneira voluntária — alguém trocou uma quantidade de dinheiro por uma vacina, pois acreditou que a vacina valia mais que a quantidade de dinheiro.

Mas isso não é tão simples quando quem está disponibilizando as vacinas são Estados. Por exemplo, em um país em que a vacinação está com uma média diária lenta, alguém com boas condições financeiras e que se encontra no final da fila de vacinação decide tomar a vacina em um país com a taxa de vacinação altíssima, com vacinas que são disponibilizadas aos turistas no fim do período diário de vacinação, caso reste alguma, após os cidadãos que escolherem ser vacinados por conta própria tiverem tomado sua dose. O turista não pagou pela vacina que tomou, mas dele foram cobrados impostos por uma vacina que ele ainda não tomou e ainda demoraria muito a tomar, e a dose que ele recebeu foi paga coercitivamente pelos cidadãos do país que ele está visitando, mas existem vacinas de sobra e não faria diferença para a população do país se os turistas tomassem a vacinas ou não. É difícil determinar a validade da ação pelos fatores antiéticos que a precedem, e não é a mesma coisa se o turista tomar a vacina em Cuba ou se o turista está seguindo o exemplo dado. Apesar do objetivo do turista ser o mesmo, são casos distintos devido à maneira que a vacina está sendo disponibilizada a ele.

As opiniões sobre os passaportes de vacinação que estão sendo implementados em vários países, por sua vez, não parecem ter essa divergência. Uns têm mais restrições, outros menos, mas estão sendo implementados ao redor do mundo, e são objetivamente antiéticos. Para entender melhor porque a obrigatoriedade da vacina é um crime contra o indivíduo, leia esse outro artigo, escrito por mim.

As empresas de turismo, especialmente companhias aéreas, estão impedidas de aceitar clientes não-vacinados, pois estes seriam impedidos de adentrar territórios internacionais por seus devidos Estados. Porém, o passaporte de vacinação não é só para viagens, mas também para diversos eventos. Vários shows, feiras e conferências só podem acontecer caso o público esteja 100% vacinado. O lendário guitarrista inglês Eric Clapton foi uma das poucas pessoas famosas a se pronunciar contra o passaporte de vacinação, declarando que não tocaria em lugares em que pessoas que tivessem escolhido não se vacinar não tivessem o direito de ir ao seu show. Mesmo sendo massacrado pela mídia e chamado de louco por vários colegas músicos, Clapton, que lançou duas músicas contra o lockdown em parceria com o músico norte-irlandês Van Morrison (os singles Stand and Deliver em 2020 e The Rebels de Slowhand & Van em 2021), não mudou de opinião (saiba mais da situação aqui).

Mais uma vez, não haveria problema algum se empresas, locais ou eventos privados proibissem a entrada de não-vacinados por conta própria, sem a intervenção estatal. Porém, com a ordem coercitiva de aceitar somente uma quantidade reduzida de clientes vacinados, muitos desses competidores acabam não conseguindo lucrar o suficiente para se manterem fortes no mercado, aumentando cada vez mais a força das grandes corporações, que acabam influenciando diretamente nas decisões dos Estados, a fim de minar propositalmente o crescimento e a prosperidade de empresas concorrentes no mercado, adquirindo assim o monopólio da área em que atua.

Com tudo isso dito, é fácil chegar a uma conclusão sobre a moralidade dos passaportes de vacinação, mas o turismo da vacina é algo estranho. Algo que não precisaria ser discutido se quem disponibilizasse as vacinas fossem empresas privadas, mas o fato de os Estados intervirem no processo torna a discussão difícil e nebulosa, sendo preciso analisar cada caso com cautela. A verdade é que, em um Livre Mercado, essas discussões nem mesmo existiriam, pois não haveria esse problema. Só tomaria a vacina quem quisesse, e receberia a vacina quem pagasse por ela, tomando a dose no tempo acordado por ambas as partes. Não existe dilema moral em trocas voluntárias, já que ambas as partes da troca saem ganhando, se não, não haveria a troca. Logo, todas as trocas voluntárias são éticas.

Os problemas começam quando existe coerção, uma afronta à autopropriedade, precedendo quaisquer atividades que, em uma sociedade libertária, seriam um exemplo de livre mercado.

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