Verdades em muro

Não, eu nunca fui a rainha dos contatinhos, pra falar a verdade sempre fugi disso, pelos seguintes motivos: Não me sentia atraente, não gostava de ser tocada e sempre tive a certeza que relacionamentos e flertes não eram pra mim.

Eu nunca tinha pensado em escrever sobre os dois, mas li uma matéria que me deixou bem assustada. A matéria era sobre homens que fetichizam a depressão feminina. Sim, isso mesmo.

Não tive a minha depressão fetichizada, mas por não me sentir adequada, merecedora, interessante (e todo e qualquer adjetivo), fiquei a mercê das babaquices masculinas, sem perceber o quanto aquilo me fazia mal.

Hoje um pouco melhor e muito mais consciente, escrevo sobre os dois.

O LENHADOR

Por incentivo das minhas amigas, baixei o famigerado Tinder. Seria uma forma de conhecer novas pessoas e perder um pouco da trava social que eu tinha imposto, eu tinha acabado de melhorar da primeira vez que tive depressão, então estava semiaberta ao mundo. App instalado, vamos as conversinhas, é óbvio que comecei a perder a minha já minúscula paciência até que — O lenhador surgiu- que moço bonito, parecia inteligente e por algum milagre (foi isso que pensei durante mais de um ano) deu match, passei alguns carões, mas ele parecia de boa.

Fomos para o whatsapp,e eu realmente não conseguia entender o que um cara como aquele queria com uma mina como eu, entende a problemática do negócio. Eu me sentia insegura com tudo: meu corpo, idade, inexperiência. Queria conhecê-lo, mas também morria de medo de ser rejeitada.

Conversa vai, conversa vem, eu fiquei intrigada por ser sempre a primeira a puxar assunto e o questionei sobre. Foi a primeira vez que ele me chamou de louca, fiquei ofendida, pensei em nunca mais falar com o cara, uma semana depois e estávamos conversando de boa.

Isso se estendeu ao longo de um ano, nos falávamos — combinávamos de nos ver, não rolava e vinha alguma discussão. E por todo esse tempo, eu acreditei que era minha culpa, que eu não merecia a atenção e o desejo de um lenhador daqueles, então eu deveria me esforçar e me humilhar por isso.

Ele foi o primeiro cara que desejei e que eu quis ter algo, tudo nele me atraia e até hoje se me perguntarem qual é o meu tipo de homem, eu mandarei o link do Instagram do lenhador.

Toda essa situação poderia ter durado uma semana, e no primeiro louca ter acabado, mas não, nem eu e nem ele paramos, e isso me marcou. Eu me senti rejeitada, e de muitas formas isso piorou a visão já ruim que eu tinha de mim mesma. E todo esse tempo esperando por um cara que não é uma pessoa ruim, mas também não foi incrível comigo, só aconteceu porque eu nunca me senti merecedora do carinho e da atenção que eu deveria ter recebido, mas não recebi.

A parte horrível disso tudo é que eu nunca cheguei a confrontá-lo realmente, por que ele sumia e voltava, por que ele fazia aquilo, e pra ser sincera eu sei a resposta, ele só fez aquilo porque eu permiti, porque ele nunca achou errado fazer, não o livro de culpa, mas também não tiro a responsabilidade que tive, porque eu o procurava, tanto quanto ele me procurava.

Minha insegurança com relação ao meu corpo foi embora, minha idade também mudou e eu ganhei experiência, mas nada disso me fez conhecê-lo. Depois de todo esse tempo eu sei que posso sentir atração física por alguém, mas não admirá-lo, sei também que sou uma mulher bonita e ele teve bastante importância nisso. Não consigo ter nenhum sentimento negativo, porque no fundo sinto carinho( a distância) pelas coisas boas e novas que ele despertou em mim, no fim é só isso.

O CAÇADOR

Com ele tudo foi mais difícil e intenso, já que eu estava no auge da minha depressão. Eu o conheci em um outro site de relacionamento, na tentativa de esquecer o lenhador e sair com outras pessoas, mas eu não tinha me tocado que já estava depressiva, sou bem boa em esconder isso de mim e dos outros, mas a hora que eu abro os monstros saem como na caixa de pandora.

Nós começamos a conversar e ele parecia bastante interessado, eu já estava me sentindo um lixo, então tê-lo ali sem se importar com o fato de eu ser “esquisita” me fez sentir grata, ele aceitou a minha loucura e parecia não estranhá-la.

Eu estava numa fase bem difícil, começando a tomar o antidepressivo e ele estava ali conversando comigo todos os dias, durante muitas horas por dia. Fiquei fascinada, minhas amigas também ficaram, que beleza de homem, não é mesmo ? Aberto, simpático, inteligente, sensual, etc…
ERRADO.

Ele foi assim, essa beleza de homem nas primeiras semanas, nas semanas que ele era o único cara pra mim. O que eu não percebia é que atrás de toda aquela fascinação que ele despertava em mim, também vieram as ordens para fazer coisas que eu não me sentia nada confortável em fazer, mas fazia porque ele pedia de uma forma tão envolvente que eu “precisava” agradá-lo, afinal ele me aceitava ( revirando meus olhinhos para isso).

As semanas passaram, e eu comecei a falar com outras pessoas, (não recomendo que entrem em site de namoro se não estiverem prontxs pra isso, mas como eu já tava lá), uma delas acabou por se tornar o meu namorado. E adivinhem quem não ficou nada feliz com isso e mudou totalmente a forma como me tratava ?

Ele ficou mais agressivo com as palavras e com os pedidos, mas mesmo assim eu continuava lá, apesar de todos me avisarem o quão doentio era. Eu continuei, porque uma parte minha acreditava (e infelizmente ainda acredita) que aquilo era o melhor que eu poderia ter, que a loucura e a esquisitice dele o faziam ser a única pessoa que eu merecia. Ele conseguiu me dominar de uma forma assustadora, olhando em retrospectiva.

Eu consegui dar um basta, mas isso deixou algumas sequelas em mim, tenho pesadelos em que sou violentada por ele, porque é assim que eu vejo o que ele fez com a minha mente. Em momentos em que estou mal, me pego pensando em chamá-lo só para me machucar mais, autodestrutiva.

Por ele eu não sinto nada, a não ser nojo e pena.

Todo esse texto é pra falar que em momentos em que você está fragilizada é muito fácil achar que qualquer rastro de atenção já é afeto, e que ser acolhida vai acontecer. Mas não, não é tão simples assim. Algumas pessoas podem se aproveitar do seu estado e acabar prejudicando-o ainda mais, tem muita gente cruel nesse mundo.

O lenhador é o caso típico de cara que sabe a beleza que tem e usa isso, ele não é ruim, muito menos cruel, não deu certo, mas hoje acho que eu teria quebrado um abajour na cara dele, só pra mostrar quem é a louca.

Já o caçador sabia o que estava fazendo e sabia o quão quebrada eu estava, mas, mesmo assim, continuou lá, eu era uma presa fácil ele se aproveitou disso, e quando comecei a me recuperar ele não ficou feliz, ele ficou frustrado em perder todo o poder que tinha sobre mim, e isso sim é cruel.

Nenhum dos dois pode ser considerado “monstros”, eles são caras normais, amigos engraçados, pró feministas, inteligentes, bonitos, gentis, fascinantes. Eu não estou colocando-os na mesma categoria, mas a questão aqui é que ambos em algum ponto usaram daquilo que sabiam que era uma fragilidade minha, para me manter por perto, não o lenhador não é ruim, sim o caçador é cruel, mas eu espero que ninguém veja esse lado dos dois, que isso só tenha sido comigo.

Imagino o quão difícil e abusiva uma situação pode chegar. Se eu que nem ao menos me apaixonei por nenhum dos dois fui afetada, com certeza quando é alguém que você tem um envolvimento maior o estrago e a marca que essa pessoa deixa é um milhão de vezes pior.

Não sei muito o que dizer, além do que parece ser óbvio: Você não merece que te tratem mal, você não deve se sentir inferior em um relacionamento, você não precisa ser grata e querer agradar a todo o custo. E se você não percebe que isso está acontecendo, alguém do seu lado deve perceber, não faça como eu que briguei por eles, apenas escute o que o outro tem a dizer.

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