Ojos color Sol

Guta Dagnino
ExtranhaMente
Published in
8 min readNov 17, 2017

Eu escrevi sobre meus pseudo relacionamentos abusivos, e como foi passar por eles me sentindo da forma como me sinto, nada mais justo do que escrever sobre o meu relacionamento saudável e imperfeito.

Acho meio chocante quando filmes,séries,novelas,músicas, livros etc as pessoas com depressão são retratadas como um fardo para o relacionamento, sendo assim a outra parte parece ser tão maravilhosa e endeusificada por estar ali, firme e forte. Não estou desmerecendo o que o outro faz, mas quando amamos esse não seria o mínimo ? Estar lá nos momentos de dificuldade, sem é claro que isso seja uma obrigação, e sim por ser algo natural.

A parte mais irônica dessa introdução é que eu sempre acreditei que não iria me relacionar com ninguém, já que : seria difícil demais lidar comigo, eu era danificada emocionalmente e não merecia ser amada, então coloquei na minha cabeça que toda a endeusificação fazia sentido, mas o meu processo de namoro me ajudou muito a desconstruir todas essas certezas. Eu entendi que na dinâmica de um relacionamento saudável, não existe salvador, só duas pessoas que tem defeitos e qualidades tentando fazer dar certo, porque elas se importam e se amam.

Pra entender todo esse processo, vamos a minha história.

Conheci o Dengo*, em abril desse ano num site de namoro(risos). Eu já estava tomando remédio mas continuava uma bagunça e vinha de uma série de decepções envolvendo homens, lembro de avisar logo nas nossas primeiras conversas, qual era a minha situação, como uma placa de “AVISO: PERIGO” e vou te falar que acho que isso foi bem tosco da minha parte, porque na minha cabeça eu tinha o “dever” de avisar que a minha mente não tava (tá) trabalhando como as outras, sendo assim ele estaria ciente e faria o enorme favor de me aceitar.

Hoje eu sei que quando falo para qualquer pessoa sobre isso, é para que eu me sinta mais confortável e aberta, e não para que eu me sinta aceita.

Voltando a narrativa, nós começamos a conversar e nos encontramos no metrô (bem coisa de paulistano) e o Dengo foi o primeiro cara com quem fiquei em público sóbria, antes disso eu nunca havia me sentido confortável o suficiente ao ponto de deixar alguém encostar a mão em mim sem que tivesse bebido um pouco para. A partir dai eu sabia que tinha ganhado um grande amigo e experimentado um ótimo beijo. Duas semanas após o primeiro beijo, eu o pedi em namoro da maneira mais esdruxula do mundo e ele aceitou. Seis meses depois e nós ainda estamos juntos.

Não foi fácil e continua não sendo. A minha depressão está ligada ao fato de eu não me achar merecedora de amor, então 99% do tempo eu passo duvidando de que esse relacionamento vai dar certo, e no último 1% eu tento esquecer e aproveitar. Mas sim, em vários momentos eu tive crises de ansiedade e cheguei a questionar a minha capacidade em conseguir manter o relacionamento, se eu era boa o suficiente, se ele merecia ficar com alguém tão “danificada” emocionalmente, resumindo eu já pensei e algumas vezes ainda me pego pensando em coisas extremamente negativas a respeito disso, e adoraria que ninguém tivesse que passar por uma situação assim.

Por mais que hoje eu escreva os textos, não é do meu costume ficar falando com as pessoas quando eu estou me sentindo mal, então pra ele o namoro teve e tem uma carga menos pesada porque eu erroneamente, diga-se de passagem decidi que não o “incomodaria” com as minhas crises, sendo assim eu só o informava delas no momento que melhorava um pouco, e é óbvio que ele ficava preocupado mas eu já estava mais centrada e conseguia acalmá-lo.

Uma dica, não façam isso, e eu tô falando porque é como esconder uma parte importante para que o outro crie uma consciência real do que acontece e quando essas informações são escondidas ele pode achar que tudo é muito mais raso e fácil do que parece.

Eu não sei como é me namorar ou qual é a visão dele sobre isso, por isso pedi que ele escrevesse um pouco sobre. E eu tenho certeza que isso foi bem difícil, então eu o agradeço de montão por tentar se abrir.

Dengo:

Sobre falar de como foi me relacionar com alguém diagnosticado com depressão. Alguém que claramente tem sentimentos e sofre com isso.

Nunca a vi como alguém com depressão, pois sempre que estávamos juntos, os momentos eram de alegria. Claro, tiveram momentos que choramos juntos, mas não me recordo exatamente como sendo especificamente triste. Só consigo me lembrar dos momentos felizes. Os tristes, se existiram me parecem ter sido há muitos anos.

Esse que é meu problema acho, pois quando estava com ela pessoalmente me parecia tudo bem. Mas, à distância é difícil dizer; não consigo usar um aparelho, mandar uma mensagem e realmente me conectar à distância com alguém. Me parece vago, vazio. E esse vazio é extremamente assustador. Fazendo-me pensar coisas sobre mim…

Ninguém é igual. Essa é uma realidade que percebi cedo. E entendi isso mais uma vez, quando entrei nesse relacionamento.

A questão é que nunca me percebi falando sobre meus sentimentos com ninguém. Minha família, definitivamente não conversa sobre isso e nunca me abri com pessoas de fora. Independentemente de quanto tempo os conheço. Não digo sempre, pois não lembro, mas a partir de um determinado momento da minha vida reparei que não percebia meus sentimentos. As pessoas falavam de alguns deles e apesar de entender mais ou menos o significado de alguns não sabia o que era sentir aquilo, e ficava assustado sem conseguir identificá-los de maneira “própria”. Não sei dizer ao certo se o nosso namoro me fez sentir assustado ou se isso me fez refletir, mas por ela ser tão aberta e falar tanto dos sentimentos, isso faz com que eu me sinta “sei lá”, pois ainda não consigo compreender e verbalizar os meus.

Então o que fazer quando se está em um relacionamento com alguém com depressão? O ponto de fato não é a depressão. Mas sim o que se fazer em um relacionamento

Pode parecer que estou engando o leitor nesse momento.Mas essa é a verdade; a depressão não é um fator importante aqui. Claro, em alguns momentos ela deve ser levada em conta. Considerando o que e quando você fala algo para ela (a namorada). Mas na maior parte do tempo você não pensará na depressão da outra pessoa. Como em qualquer relacionamento você tá preocupado em fazer a outra pessoa feliz. Conseguir que ela olhe pra você e sorria. Simplesmente isso, nada muito complicado. Esse é de fato sua única preocupação.

Depois de certo tempo me relacionando com ela. Soube por telefone de um certo episódio.

Percebam que foi à distância. Apesar de realmente ficar preocupado, não sei o que senti naquele momento; não parecia ser a mesma pessoa que conheço e me relacionei. Porque, afinal de contas só tínhamos momentos bons juntos. Não conseguia associar que eram a mesma pessoa. Pois apesar de saber do diagnóstico de depressão, nunca pensei nela dessa forma. Até porque quando conversou comigo o episódio já havia passado e estava bem.

Mas teve um momento que a encontrei chorando, se desculpou comigo por estar daquele jeito. E não entendia porque ela pedia desculpas. E disse isso a ela: “Você não tem de se desculpar pelo que você sente. Não é como se pudesse controlar isso, seus sentimentos.” Queria lhe dizer que devia aproveitar aquele momento que sentia.

Em resumo, não acho que tenha uma diferença significativa sobre se relacionar com alguém com depressão ou não. Claro você se preocupa com a pessoa e procura torná-la feliz. Mas é como em qualquer outro relacionamento que isso ocorre.

Acho que talvez você deva ser mais paciente com alguns momentos e procurar entender o outro é importante. No fim das contas, o que importa é você estar próximo de alguém que gosta; a depressão, ou seja lá o que for que alguém possa ter não faz diferença.

Agora a nossa dificuldade é outra, a distância tem sido um problema. Vocês podem pensar que eu sou old school demais, mas a questão é que eu realmente não consigo me conectar através de aparelhos eletrônicos, ou tenho muita dificuldade. Porque de fato é muito diferente de estar com a pessoa real, nada pode substituí-la e um aparelho não ajuda muito nisso.

Não sou uma pessoa fácil de lidar, assim como ele não é,e acho que ninguém no mundo seja, pois somos todos diferentes, mas o nosso namoro sempre foi muito equilibrado porque nós dois sempre tivemos uma boa harmonia mesmo sendo tão diferentes. Nós aprendemos e ensinamos muito um ao outro, como qualquer relacionamento deveria ser. E eu serei grata para sempre, por ele ter sido o melhor primeiro namorado que eu jamais imaginei, mas que tive a sorte de ter.

Eu não achei que me envolveria tanto, porque sempre coloquei muitas barreiras emocionais e também porque sabia que nosso namoro teria que passar pela minha mudança para o Canadá, então no meu raciocínio lógico assim que eu embarcasse nós terminaríamos, porque nenhum dos dois estaria tão apaixonado ao ponto de querer manter um namoro a distância. Boca maldita, não é mesmo ? Quando vi já tava amando o, e ele também tinha se apaixonado por mim ao ponto de não querer lagar o probleminha ambulante que sou.

Nós decidimos manter o nosso relacionamento, e tem sido difícil para um senhor c&$%#lho. Mas tudo na vida é uma questão de aprendizado. Como podem perceber eu e ele meio que engatinhamos em relação a conseguir nos expressar de forma sentimental, então é claro que estamos encontrando dificuldades, mas como todo casal a gente está buscando a nossa felicidade (ai que piegas).

Eu não sou uma expert em relacionamentos, mas estou tentando mostrar um ponto. O texto todo é pra falar que depressivos também amam e têm todo o direito de serem amados, e não é apesar do seu estado, ok? Ninguém pode fazer parecer que é um favor estar contigo. Pode ser que seja mais difícil, e seja muita coisa para lidar, um lopping de sentimentos a cada dia, mas nós já conversamos sobre você não ser incomodo, e apesar de eu não ter feito isso inteiramente, jamais esconda os seus sentimentos e inseguranças.

Meu primeiro amor aconteceu assim, no meio de uma crise depressiva enquanto eu ainda me sentia parcialmente perdida. Eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer, mas que bom que aconteceu e tenho certeza que esse foi um dos inúmeros fatores que me fizeram começar a perceber e aceitar que ninguém me amava por obrigação(apenas porque eu sou maravilhosa, e leonina) e que eu era merecedora sim de ser amada.

Então se você está num relacionamento ou só tá na fase do “e se”, primeiro garanta-se que o ser humano não é um embuste (é difícil de garantir, por isso tome cuidado), segundo tenha em mente que você precisa vir em primeiro lugar e a sua saúde mental também, terceiro como em qualquer relacionamento haverão divergências não se desespere tudo vai ficar bem se vocês aprenderem a se comunicar e quarto fazendo bem a linha amorosa: O amor é um ótimo remédio, tenha-o pelo outro, mas principalmente por você.

“Me apaixonar foi a coisa mais assustadora que me aconteceu, um tropeço que virou queda e assim que levantei estava e me sentia mais forte, humana e exposta. Eu me despi pra você(…) e tive também a sorte te ter te despido.

Você tem o gosto de felicidade pra mim, eu que poderia fazer um menu degustação sobre a tristeza encontrei em você um sabor novo de felicidade, teus beijos, olhos e sorrisos tem a capacidade de fazer sentir paz”.

Feliz 6 meses.

Com amor.

*Dengo é o apelido, decidi que deixaria ele em anonimato porque o moço é bem reservado.

Meu dengo

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