Triste, louca ou má

Guta Dagnino
ExtranhaMente
Published in
6 min readNov 20, 2017

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*escutem a música do título

Triste, louca ou má

Vamos falar de autoestima, já que acredito que ela esteja ligada diretamente com depressão, distúrbios e compulsões. Vamos mais a fundo e falaremos de autoestima feminina, padrões e estigmas.

“Nenhuma mulher está satisfeita com o seu corpo”, “Toda mulher sempre precisa perder alguns quilinhos”, “Essa garota é só um rostinho bonito”, “Nossa, como você é bonita… de rosto”, “Já pensou em sorrir mais, usar outras roupas”, “Você precisa ser mais feminina”, “Quando a garota é muito inteligente ela não pensa em futilidades como beleza”, “Você é a inteligente e ela é a bonita”. Não sei vocês, mas eu já escutei muitas dessas frases e inverdades, só que aos seis — sete anos de idade, essas falas ficam marcadas no nosso inconsciente e passam a guiar muitos dos nossos comportamentos.

Eu sempre tive baixa autoestima, tanto por questões que sempre foram internas, quanto por questões externas que passaram a ser internas, então sim eu já cheguei a sentir ódio do meu corpo e do meu jeito, até porque eu sempre desviei do padrão. Nunca fui magra, nunca fui tão feminina e a pior parte nunca fui tão sorridente e meiguinha como a sociedade acredita que todas as meninas deveriam ser. Vou contar algumas situações que vivi.

Eu andava muito com os garotos na escola, porque me sentia mais confortável já que eu “não era feminina” e em algum momento comecei até a desprezar as garotas, mas depois dessa situação eu comecei a rever muitas coisas. Os meninos eram fissurados por uma garota mais velha, mas eu nunca tinha escutado nada muito grave, até o dia que nós estávamos sentados todos juntos e a menina passou, eles começaram a fazer barulho e a menina ficou realmente constrangida e um dos garotos virou pra mim e disse “Ela é muito gostosa, você não acha Guta” eu fiquei incomodada com aquilo, não por ele me perguntar o que eu achava, mas por ele defini-la só como aquilo e se achar no direito de falar e constrangê-la, então eu respondi que tal cara era bem mais meu tipo, ele sim eu achava gostoso, mas que eles não me viam fazendo alarido pr’aquilo.Acho que todos eles perceberam onde eu quis chegar e ficaram quietos. A partir daquele dia eu passei a perceber que não gostaria que me definissem só pelo meu corpo.

Meus avós tinham uma vizinha que poderia ser definida como chata e inconveniente, então sempre fingíamos que estávamos dormindo quando ela vinha, bem naquele dia eu não fingi, ela chegou eu cumprimentei mas segui assistindo televisão, ela me perguntou algo e eu respondi, ela se achou no direito de me falar as seguintes coisas “Nossa, como você é sisuda, fica até feia e vai ter rugas. Você deveria sorrir mais, como uma menina comportada”, dessa vez eu não respondi, quem o fez foi o meu avô, e ele soltou essa belezinha de resposta “Guti só sorri pra quem gosta, ela não é obrigada e é arrisca como uma gata selvagem”. A vizinha nunca mais fez nenhuma observação sobre a minha falta de sorrisos.

Pra essas duas situações houve resposta, mas para essas aqui eu não soube como me comportar. Lembro sempre que as meninas não gostavam de uma garota elas a chamavam de gorda, mesmo que a menina não fosse, e eu me sentia tão amedrontada que isso acontecesse comigo que ficava quieta, ou quando elas queriam dizer que tinham comido muito viravam pra mim e falavam “nossa eu tô enorme de gorda” e eu ficava tão incomodada com aquilo, mas não respondia. A outra situação foi a seguinte, eu escutei que mesmo sendo gordinha alguém algum dia gostaria de mim, eu estava com quinze anos, meses depois comecei a me cortar.

Tudo contribuiu para eu formar uma ideia totalmente equivocada sobre mim, eu passei a acreditar que eu só era inteligente, e que por isso eu jamais seria bonita, desejável e aceita até porque a gente sabe que a sociedade não aceita muito bem mulheres “que pensam”.

E foi só depois de conhecer mais mulheres incríveis que eu comecei a me desconstruir inteira e a começar a formar um reflexo real do que sou. Pra mim a questão física foi sempre a prejudicada, mas eu sei que existem garotas que não se acham inteligentes o suficiente porque passaram a vida escutando que elas só eram bonitas, então seja na autoestima física ou intelectual a sociedade dá sempre um jeitinho de mexer com a gente.

E ai entram os questionamentos : O que é beleza e o que é inteligência ?Quem define isso ? Por que os outros se sentem no direito de dar pitaco no nosso corpo e no que pensamos ?

Eu faço esses questionamentos todas as vezes que não estou me sentindo bem com o meu corpo, ou toda a vez que escuto alguém falando algo negativo sobre o corpo, ou sobre a capacidade intelectual de alguém.

Hoje em dia todos os problemas psicológicos que tenho não tem mais relação com o meu corpo, mas já tiveram, então sei que esse pode ser o gatilho para muitas garotas não se sentirem bem.

O que eu quero que você saiba é que ninguém pode determinar o que é bonito ou feio, o que é burro e o que é inteligente, e deixa eu te falar mais uma coisinha as pessoas que determinaram isso querem manter o seu poder sobre os corpos femininos e sobre as mentes femininas, mas essas mesmas pessoas precisam que façam campanhas para que eles lavem o pinto porque ao que tudo indica existe um número enorme de amputações de genitais masculinas por falta de higiene. Então fica ai o questionamento sobre essas mentes brilhantes que regem o mundo.

Quando nós passamos a nos aceitar e ver beleza no jeito que somos, é muito provável que comentários externos já não nos afetem da forma que antes afetavam, não que em alguns momentos não machuque, mas eu acabo pensando que ninguém tem o direito de me machucar nem eu mesma (essa é a parte mais difícil), então toda a vez que alguém vem falar sobre meu peso e meu jeito a única coisa que consigo pensar é: Sim, eu estou acima do peso e isso não me faz infeliz. Sim, eu tenho estrias e celulites, são as marcas do meu corpo. Sim, eu sou meio esquisita, e acho lindo o meu jeito. Não, eu não vou sorrir só porque você quer. Algo mais ? Próximo! Porque sim, eu sei que vai ter mais alguém pronto pra opinar, mas eu tô pronta pra responder.

Eu como mulher que cresci acreditando na maior parte dessas inverdades e passando a frente esse discurso horrendo sobre padrão de beleza e sobre como era normal nunca se sentir confortável com quem você é. Não, não é normal. Sim, você é linda e inteligente, independente do seu corpo ou do seu tipo de inteligência.

Dados bem preocupantes:

1. Uma pesquisa intitulada “Verdade sobre a Beleza” realizada pelo instituto de pesquisa inglês StrategyOne, encomendada pela marca Dove, da Unilever.com, entrevistou 6.400 mulheres no mundo inteiro, entre 18 e 64 anos, em 20 países, incluindo Brasil,chegou ao resultado de que só 4 % das mulheres no mundo se sente realmente bonita, sendo que 80% enxergam beleza nas demais.

O estudo revela que a maioria (59%) das mulheres admite sentir pressão para ser bonita , sendo que para 32% a maior pressão vem delas e depois da sociedade (12%), amigos e família (9%). Todo esse estudo prova a falta de autoestima causada pelas pressões sociais e como isto afeta a visão que as mulheres têm de si mesmas

2. Bulimia e anorexia atingem quatro a cada cem pessoas. Mulheres são as principais vítimas representando 90% dos afetados.

3. Meninas de 6 anos não acreditam ser tão inteligente quanto os meninos, em pesquisa realizada com 400 crianças nos Estados Unidos para a revista científica “Science”.

Já no Brasil 40% das garotas brasileiras não acredita ser tão inteligente quanto os meninos, essa foi uma pesquisa realizada pela ONG britânica Plan International, que entrevistou 1.498 garotas.

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