POR QUE IR AO CENTRO DO FÓRUM?

AO ENTRAR NO CENTRO, DESAFIAMOS AS ESTRUTURAS SOCIAIS, NOS RESPONSABILIZAMOS E PEDIMOS AJUDA AO COLETIVO

Fê Chammas
Fórum Brasil: Círculos de Confiança
5 min readOct 7, 2019

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O Fórum | Círculos de Confiança é uma prática na qual um grupo de pessoas se junta para pesquisar o que significa ser humano.

Quais questões são parte de nossa existência?
Como cada um encara seus desafios?
Como nos conectamos através da essência dos nossos sentimentos e nos apoiamos na caminhada?

Estas pesquisas são feitas através de histórias pessoais que pessoas do círculo escolhem compartilhar, uma por vez, indo ao centro e assumindo o protagonismo da investigação coletiva.

Recentemente uma participante perguntou por que se vai ao centro do círculo para compartilhar sua história e não se compartilha desde o círculo, sentada na cadeira. Refletindo sobre a pergunta dela, me dei conta de que ir ao centro do Fórum é um dos passos mais importantes que possibilitamos e damos nessa prática. Abaixo compartilho algumas das razões.

QUESTIONAR AS ESTRUTURAS DE CONFIANÇA VIGENTES

A pessoa que perguntou sobre o motivo de ir ao centro compartilhar também disse que se sentia mais confortável e menos exposta sentada no círculo.

Acredito que isso seja em grande parte uma consequência da nossa organização social moderna.

Em primeiro lugar, nossa cultura é muito baseada na comparação e na competição, o que faz com que frequentemente se use o julgamento para se diferenciar de outras pessoas e faz com que a vergonha se torne um gatilho para tentar diminuir os outros e, se possível, deixá-los envergonhados.

Essas bases culturais criam uma realidade na qual é muito arriscado se mostrar por inteiro e se vulnerabilizar, pois muito provavelmente outras pessoas vão encontrar alguma razão para afirmar que tem algo de errado conosco — com a maneira como falamos, com o que sentimos e precisamos, com como nos vestimos, com o formato do nosso corpo, com as ideias que temos.

A isso se soma um fenômeno social em que todos querem falar, mas pouco tempo se dedica para realmente escutar o que está sendo dito pelas pessoas ao nosso redor.

O Fórum é um Círculo de Confiança e vejo que um de seus maiores objetivos é questionar essas estruturas vigentes.

Esse questionamento começa pelo fato de que o círculo se dedica inteiramente a escutar alguém compartilhar o que a move. Sem interromper, sem responder, sem corrigir, nem justificar, exercitamos a escuta ativa e profunda frente ao que está sendo trazido.

E através dos convites à autorresponsabilidade, ao acolhimento, à curiosidade sobre o que motiva as pessoas e à busca por lugares de conexão com as histórias compartilhadas, o que construímos no Fórum é um ambiente em que podemos ser quem somos integralmente, sem que nos digam que estamos certos ou errados, sem que nos aprovem ou desaprovem, sem criarmos rankings para dizer quem é melhor ou pior.

As pessoas no círculo estão ali para testemunhar o que é.
E, pra mim, isso é extremamente revolucionário.

Ao ir ao centro, o protagonista fica em evidência, é seu momento de colaborar para a pesquisa coletiva e ele pode falar sobre a integralidade de sua verdade sem ser interrompido, rechaçado ou reprimido, recebendo plena atenção de um grupo de humanos como ele.
As pessoas no círculo são estimuladas a quebrar seus hábitos de falar sem escutar; de buscar conclusões, justificativas ou resultados específicos; e de usar seus julgamentos como forma de autodefesa.

ASSUMO QUE NÃO ENXERGO TUDO SOBRE MIM

Para falar sobre isso, acho importante antes introduzir a idea da Janela de Johari.

A Janela de Johari traz quatro quadrantes que ilustram a forma como os seres humanos se relacionam entre si.

Existe uma parte de mim que eu conheço e que as pessoas veem — minha parte pública.
Há uma outra parte de mim que contém coisas que eu conheço, mas as pessoas não veem ou não sabem — minha parte escondida.
Existe uma terceira parte que contém as coisas sobre mim de que não tenho conhecimento, mas que os outros percebem — meus pontos cegos.
E há uma quarta parte que não é conhecida nem por mim, nem pelos outros — uma parte oculta sobre mim.

Ao acessar o centro e protagonizar uma pesquisa, compartilhando minhas situações pessoais, eu faço públicas partes minhas que até então estavam escondidas para todos ou muitos dos presentes no círculo. Referenciando a Janela de Johari, isso significa que diminuo a quantidade de coisas “escondidas” e aumento a quantidade de coisas “públicas” sobre mim.

Mas ir ao centro também é uma forma de assumir que não vejo e nem sei tudo sobre mim. Esse é o ponto de estar ali, fazendo uma pesquisa coletiva.

Gosto da imagem de que quando estou no centro, me mostro de frente para uma parte do círculo, mas minhas costas, que não vejo, fica exposta para a outra parte do círculo.

E está tudo bem que seja assim.

Diferentemente da cultura em que vivemos, no círculo podemos estar no centro tranquilos, nos mostrando por inteiro, frente e costas, sem se preocupar com o fato de não sabermos tudo ou com a possibilidade de alguém estar (literalmente) rindo de nós pelas costas.

PEÇO AJUDA E CONTO COM OUTROS PARA ENXERGAR O QUE NÃO CONSIGO VER

Um dos maiores presentes que o Fórum nos oferece são os espelhos.
Os espelhos são a oportunidade de pessoas do círculo compartilharem com o protagonista (e com todo o círculo) como a história compartilhada chegou e mexeu com elas.

Isso só é possível porque, ao ir ao centro, além de assumir que não sei nem enxergo tudo sobre mim, como protagonista eu convido os facilitadores e o círculo todo a pesquisar junto comigo e peço ajuda para descobrir coisas novas sobre meus desafios e minha visão de mundo.

Usando a Janela de Johari como referencia, os espelhos ajudam a diminuir meus “pontos cegos” e aumentar o que sei sobre mim.

EU SOU O CENTRO DAS MINHAS HISTÓRIAS

A maneira como percebo a realidade depende de mim.

Ainda que essa percepção seja fortemente influenciada por coisas contextuais, que não controlo, há sempre uma margem de liberdade para decidir como leio as situações que vivo.

Portanto, apesar de minhas histórias não serem só minhas e grande parte da humanidade viver histórias semelhantes, eu sou o centro das minhas histórias.

Meus conflitos, medos, angústias, anseios, bem como as coisas que acredito estarem certas, dependem da minha visão de mundo.

Quando vou ao centro, assumo a responsabilidade pela leitura que faço do mundo e das minhas situações e dou um passo na direção de quebrar os automatismos e protagonizar minha própria história.

PERTENCIMENTO E APRENDIZADO

No final das contas, as principais coisas que ir ao centro do Fórum me traz são pertencimento e aprendizado.

Pertencimento porque me sinto conectado, escutado, acolhido e acompanhado. Descubro que não estou sozinho na minha jornada de vida, que há pessoas que passam por coisas semelhantes às minhas, que em algum lugar, o que vivo se conecta com as experiências dos meus semelhantes.

Aprendizado porque me pego falando coisas novas sobre minhas histórias, porque me escuto falar coisas que já disse e elas me soam diferentes, porque recebo provocações para pesquisar mais sobre mim, porque escuto como as pessoas se relacionam com o que vivo e isso enriquece minha visão sobre a vida.

Que o centro siga aberto para todos que queiram acessá-lo.

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