RECLAMAR É O MAIOR DESPERDÍCIO QUE POSSO COMETER
Ao reclamar, direciono minha atenção e energia para o conflito, para o atrito, para a não aceitação da realidade e, invariavelmente, acabo cultivando essa realidade dentro de mim e ao meu redor.
Passei o mês de maio usando esse anel que tá na foto abaixo.
Comecei a usá-lo por causa de uma tarefa que é parte da Formação de Facilitação de Fórum que estou cursando.
A ideia é simples
Cada vez que eu reclamar, tenho que trocar o anel prum dedo da outra mão;
E o objetivo é claro
Identificar clarões e percepções pessoais a partir dos meus padrões de reclamação.
Trazer isso pra prática, porém, tem me saído mais desafiador do que parecia.
Nas primeiras 24 horas de anel, cheguei a uma conclusão: eu não reclamo.
DA HORA, JÁ SUPEREI ISSAÊ — conclui precocemente.
Não troquei o anel nenhuma vez nas primeiras 24 horas, então já fui concluindo que eu não reclamava. Tava todo feliz pensando já tinha largado mão dessa postura vitimista perante a vida, que tava num lugar de aceitar o que acontece, ir em frente e resolver as situações dentro das possibilidades.
Até que, voltando de uma aula que fui dar, uma pedestre sai da calçada e entra na ciclovia de repente, sem avisar e sem olhar. Eu freio para deixá-la passar, porque em geral fico bem atento para cuidar “dos menores que eu” no trânsito (caminhão e ônibus cuidam de carro que cuida de moto que cuida de bike que cuida de pedestre que cuida de crianças e pessoas com deficiências), mas dentro de mim percebi um pensamento:
Êêê, carai, assim complica, né, querida!
E, alguns segundos depois, me liguei: reclamei!
A primeira vez que “tenho que” trocar o anel de mão foi na baique e eu fiquei desconsertado, sem saber se parava ali na calçada pra trocá-lo, se trocava enquanto pedalava ou se esperava parar em algum semáforo ou chegar em casa. Troquei o anel de mão mais umas duas vezes ao longo desse dia.
Na manhã seguinte, encontrei uns amigos para comer e conversar.
Um passarinho que tava sentado em cima da gente cagou no ombro do Romeo, filho do Pey.
Quando me dei conta, minha reação imediata foi dizer: “Puts, que bosta, véi.”
O Wash, que já sabia da minha dinâmica do Anel das Reclamações, olhou e reconheceu o fato: “Isso foi uma reclamação, hein?”
E minha reação automática foi: “Ai, carai, reclamei!”
“Puts, reclamei de novo!”
Me peguei reclamando; reclamando porque havia reclamado; e reclamando quando percebi que reclamei por ter reclamado.
Tá bem, ficou claro que não superei as reclamações na minha postura diária.
MINHAS RECLAMAÇÕES SÃO UM HÁBITO
Analisando as situações em que me peguei reclamando ao longo desse mês, tenho a percepção de que faço grande parte delas como um hábito — de maneira impulsiva, automática e insconsciente.
Algo que eu não esperava acontece — mesmo coisas bem simples, como me dar conta que cheguei pra pegar minha baique e esqueci a bateria no quarto — e minha reação automática é reclamar.
Minha mente, frequentemente hiperativa e dispersa, precisa se manifestar quando reconhece que algo não saiu como eu gostaria.
MINHAS RECLAMAÇÕES SÃO UM VÍCIO DE LINGUAGEM
Esse hábito de reclamar se manifesta, também, na interação verbal com o outro. Vejo um condicionamento em mim de — ao escutar alguém contar uma situação que considero chata, triste ou insatisfatória, no intuito de ser simpático à situação — dar pequenas respostas de feedbacks que são, muitas vezes, reclamações.
O Tevão me contou em um tom que considerei negativo que um amigo dele que é bem gente boa virou reaça, e minha reação automática foi “nóó, sério mesmo? que bosta, hein”.
Poderia ter ficado quieto, escutando com atenção e compreendendo o que ele estava compartilhando. Mas, quase que num ímpeto involuntário, reclamei.
E vale ressaltar que essa reclamação é sobre algo que, por si só, não tem nada a ver comigo, não muda meus planos, nem traz nenhuma influencia direta à minha vida.
Nessa categoria cabem todos os “poxa, que pena”, os “que merda, hein?” e todos comentários afins.
MINHAS RECLAMAÇÕES SÃO UM REFLEXO DA MINHA NÃO ACEITAÇÃO DA REALIDADE
No fundo, essa é a verdade.
Reclamar vem do latim reclamare, que significa “gritar, protestar contra”.
Reclamo quando algo acontece diferente do que eu planejara ou esperara. Queria que fosse diferente, mas a realidade é o que é.
Na verdade, tudo que planejo ou espero está somente no campo da vontade e da imaginação, sem lastro na realidade, até que aconteça.
Quando as situações se desenrolam e a realidade emerge, eu as experimento e, se elas me agradam, saindo como esperava, oquêi; se saem diferentes, eu reclamo.
E essa reclamação automática, imediata, involuntária está lastreada no passado, pois noto que ela acontece antes mesmo de eu saber quais as consequências desse fato que acabei de experimentar. Simplesmente por ser diferente do que eu esperava, julgo que o fato é de alguma maneira ruim e reclamo, sem dar tempo de saber o que vai acontecer.
Pra mim, isso está claramente relacionado à minha incapacidade de aceitar a realidade puramente como ela é.
Nesse ponto, me lembro do conceito de Yatā Būtā que o Goenka traz no Vipassana como um dos pontos chave do aprendizado para a liberação.
Yatā Būtā: as coisas são como são, não como eu gostaria que fossem.
RECLAMAR É O MAIOR DESPERDÍCIO QUE POSSO COMETER
Apesar de ter descoberto que reclamo com frequência, de maneira impulsiva e muitas vezes sem perceber, acredito que não sou um reclamão de mão cheia.
Na grande maioria das vezes, reclamo enquanto já estou em movimento para me adaptar à realidade e/ou resolver o que for preciso. Reconheço um grau significativo de autorresponsabilidade no meu comportamento que me coloca em movimento para protagonizar, eu mesmo, as adaptações, mudanças e a criação de uma realidade que me agrade dentro de mim e ao meu redor.
Mas não posso chegar a outra conclusão senão a de que reclamar é o maior desperdício que posso cometer.
Reclamar um grande desperdício de tempo.
Somando todo tempo que gasto reclamando — ainda que sejam poucos segundos em cada reclamação — , perco muito tempo lutando contra a realidade. E esse tempo poderia ser utilizado para construir harmonia em vez de gerar conflito frente à realidade.
Acima de tudo, reclamar é um desperdício de energia.
Sei que a vida flui para onde direciono minha energia e minha atenção — plantas, pessoas, hábitos, projetos, relacionamentos: tudo cresce e se desenvolve de acordo com o quanto de energia dedico a isso.
Ao reclamar, direciono minha atenção e energia para o conflito, para o atrito, para a não aceitação da realidade e, invariavelmente, acabo cultivando essa realidade dentro de mim e ao meu redor.
Então além de eu não usar essa energia para construir harmonia, amor e fluidez, tenho direcionado-a à construção do oposto.
PRESENÇA
Um antídoto que tenho testado na intenção de desconstruir meus hábitos de reclamação tem sido manter meu centro energético (atenção) junto ao meu centro corporal (logo abaixo do umbigo).
Sentir os pés nos chão, em conexão com a terra, tem ajudado muito nessa dinâmica.
Tenho descoberto que manter essa conexão me dá tempo para processar os fatos e espaço mental para refletir antes de reagir, e então responder de maneira mais consciente.
Sigo reclamando com alguma frequência e de maneira automática, mas essa dinâmica me dá a sensação de ver as situações acontecendo em câmera-não-muito-lenta (mas mais lenta que o normal), o que me dá algum tempo para decidir como quero me comportar.
De quebra, manter esse centramento energético junto ao meu centro corporal ainda me ajuda a melhorar minha postura física.
Caminho melhor, meus quadris ficam mais estáveis, minha coluna mais ereta, os ombros e as escápulas relaxam e respiro mais tranquilamente.
Baita efeito colateral.