Conceitos E Definições: O Caminhar Da Naturologia (Silva, 2013)

Lucas G
Fórum Conceitual de Naturologia
7 min readJun 3, 2021

Paper publicado nos anais do congresso de naturologia de 2013.
Por Adriana Elias Magno da Silva, Doutora em Ciências Sociais; professora doutora da Universidade Anhembi Morumbi; coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Complexidade e Saúde da AUM-SP.

Desde o primeiro fórum conceitual em 2009 a Naturologia avançou muito nas discussões sobre as delimitações do campo de atuação profissional e das diretrizes epistemológicas que a edificam. Avanço fruto de um movimento de organização que os profissionais da área passaram a ter sobre sua profissão e sobre essa área do saber.

O ingresso de naturólogos nos programas de pós-graduação estrito senso, a publicação dos primeiros livros na área, da primeira revista científica, bem como o movimento para o reconhecimento e a regulamentação profissional (que se concretizou no ano passado com a apresentação da PL 3804/2012) contribuíram muito para o progresso e avanços das discussões.

Recordo que no I fórum conceitual, diante do desafio que é a construção de uma área nova de conhecimento, fiquei receosa quanto a real possibilidade do avanço da Naturologia enquanto saber e prática. As divergências de terminologias e sistemas médicos utilizados pelos profissionais formados pelas duas universidades me pareceram, naquele primeiro momento, um empecilho as discussões. Pensei com meus botões: “esse povo da alma e da ciência nunca irão dialogar!”. Receio que se desfez em brumas já naquele primeiro encontro, com a formulação da primeira noção sobre Naturologia. Daquele momento em diante percebi que o que une a Naturologia é justamente o que mais se teme: a diversidade.

Encantada há alguns anos, pelas idéias da complexidade e da transdisciplinaridade, que enxergam na diversidade a possibilidade do diálogo entre as diferenças, tive certeza que o caminho da Naturologia era próximo ao da complexidade: dialogicisar (me permitam o neologismo), idéias e mundos. Desde então, tenho procurado investigar e esmiuçar essa premissa que foi fortalecida no I fórum conceitual: de que a Naturologia é um espaço para o diálogo de saberes.

Em minha tese de doutorado defendida o ano passado na PUC-SP e intitulada: Naturologia, um diálogo entre saberes. Apresentei e defendi a idéia de que a Naturologia se apresenta como um espaço aberto para diálogos e religações diversas: entre os conhecimentos modernos e os advindos de tradições culturais, entre a cultura e a natureza, entre a ciência e as sabedorias populares. É um conhecimento caracterizado pela mescla de racionalidades médicas, de filosofias e técnicas e, por isso afeita ao diálogo.

O diálogo e a religação não são necessidades exclusivas da Naturologia, são carências do mundo contemporâneo e da ciência moderna. A cultura científica está marcada pela especialização do conhecimento e pela fragmentação. Cada ramo do saber edifica-se entorno de um único segmento e tem por meta aprofundar e manipular o conhecimento que produz.

A fragmentação dificulta o diálogo e a troca, fatores fundamentais para a produção do conhecimento, que é fruto de estímulos que recebemos do mundo. Quanto mais fechado e isolado um ramo do conhecimento permanecer, menor será sua capacidade de refletir e pensar a realidade. (SILVA, 2012: 10–11).

Refletir sobre as bases e diretrizes da Naturologia é contribuir para a revisão das bases do próprio conhecimento científico. A ciência e com ela, toda a sociedade, precisam responder aos problemas de seu tempo, incorporar idéias que respondam as exigências que se apresentam com desenrolar da história. (SILVA, 2012)

Não se enganem senhores! O que fazemos neste fórum não é pouco, é muito. Cada encontro, cada discussão traz um germe de procriação de novas idéias e visões. Aqui fazemos ciência, com consciência, ou seja, com ética e responsabilidade. A consciência científica, como lembra Edgar Morin, só será possível com a incorporação ao ethos científicos da reflexão a priori, com a retirada da máscara de intocável que ela própria criou. (SILVA, 2012) Não estamos no ponto esperando o bonde. A Naturologia pegou o bonde da história e está enfrentando os riscos e desafios da viajem. Para retomar a temática do congresso deste ano estamos: construindo a história da Naturologia e da própria ciência!

Nos trabalhos apresentados este ano notei um ponto comum aos textos, a concepção de que a Naturologia opera na mescla de saberes, no

diálogo entre as diferenças e que por esse motivo têm uma condição dinâmica essencial, pouco afeita aos limites das categorizações e delimitações conceituais que o conhecimento e a prática científica exigem. Se a Naturologia tem algumas características fundamentais que a delimita e a definem são essas: o dinamismo e pluralismo.

O desafio da conceituação é por esse motivo um esforço hercúleo para a Naturologia, principalmente frente à lógica formal e a ciência positivista/cartesiana. Embora as discussões tenham trazido à tona a importância da edificação de definições e conceituações para o estabelecimento da Naturologia como uma prática profissional e um campo científico, ficou claro que as delimitações serão sempre uma dificuldade ontológica da Naturologia.

Stern (2013), em seu texto, estabelece um paralelo entre a Naturologia e a Ciência da Religião e mostra a dificuldade que ambas, por serem áreas de fronteira, têm na delimitação de suas bases teóricas e metodológicas, uma vez que os elementos, sejam os teóricos ou os práticos/operacionais, não são exclusivos de um campo do saber. Se é que esta exclusividade existe. Porque para muitos autores filiados as idéias da complexidade e transdiciplinaridade os campos são sempre transponíveis porque toda fronteira tem seu grau de borramento. Ela não é pura, nem límpida.

Morin (1996) ao refletir sobre os limites entre o conhecimento científico e o filosófico, supostamente separados por uma racionalidade que conferiu ao primeiro uma característica empírica e utilitarista e ao segundo uma especulativa e reflexiva, aponta para a inseparabilidade de ambos:

Pode-se e deve-se definir-se a filosofia e a ciência em função de dois pólos opostos do pensamento: a reflexão e a especulação para a filosofia, a observação e experiência para a ciência. Mas seria uma loucura crer que não há reflexão nem especulação na atividade científica, ou que a filosofia desdenha por princípio a observação e experimentação. Os caracteres dominantes numa são dominados na outra e vice-versa. É por isso que não há fronteira natural entre uma e outra. (MORIN, 1996: 23)

Voltando a Stern (2013) vemos a dificuldade que o dilema da definição das fronteiras traz a Naturologia:

A Naturologia seria uma área de fronteira, uma ponte entre as diferentes racionalidades médicas, transitando por e se apropriando de suas teorias, conceitos, pensamentos e métodos […] Entretanto, definir um campo de saber altamente dinâmico, como a Naturologia, não é tarefa simples, como os naturólogos vêm percebendo no decorrer destes fóruns conceituais […] (STERN, 2013: 5)

Teixeira (2013), ao mostrar que a elaboração de uma definição é importante para eliminar ambigüidades, principalmente quando do diálogo com outras categorias profissionais e na regulamentação da profissão. Admiti que “qualquer definição teórica da Naturologia é provisória e pode ser modificada a qualquer momento” (TEIXEIRA, 2013: 6) E termina seu texto afirmando que a pluralidade de saberes presente na Naturologia está desenvolvendo uma nova habilidade nos naturólogos, a capacidade de construir esse diálogo.

É a partir deste diálogo entre saberes (que a própria visão da naturológica ajuda a conduzir), que esta forma de visão peculiar está sendo criada e recriada, como um caleidoscópio a partir do qual a espontaneidade da organização e reorganização dos elementos, e suas refrações, fazem emergir a beleza do inesperado, do indefinido, mas por isso mesmo, essencialmente caótico e comunicativo (TEIXEIRA, 2013; 10)

Portella (2013) incorpora a idéia da pluralidade como essência do saber e do fazer naturológico e aponta que o caminho para a construção de um corpus teórico e metodológico para a Naturologia está na sua filiação ao pensamento transdisciplinar.

Enquanto a transdisciplinaridade trata de diálogos entre as disciplinas, estas situadas ou não dentro de uma mesma racionalidade surgem na naturologia à necessidade de criar pontes entre os elementos de ligação, que possibilitem de forma mais profunda o diálogo entre as racionalidades, uma trans-racionalidade se faz fruto para estabelecer conciliação e coerência entre as abordagens e a atuação dos naturólogos. (PORTELLA, 2013:3)

Minha inclinação inicial em filiar a Naturologia a paradigmas e abordagens flexivas e não fragmentadoras do conhecimento só foi reforçada com a apresentação dos trabalhos deste ano. De natureza empírica diferenciadas, (o texto do Stern é uma reflexão teórica fruto de seu trabalho de pós-graduação na ciência da religião, o do Teixeira reflexo da pesquisa etnográfica que realizou com naturólogos para seu mestrado em antropologia e do Portella fruto da experiência prática de sua atuação numa equipe de saúde transdisciplinar), os textos deixam transparecer a idéia que defendi na minha tese de doutorado: que um dos princípios que ajudam a Naturologia a definir suas bases conceituais teóricas e metodológicas é sua aproximação com o pensamento complexo e transdisciplinar.

A Naturologia é um saber e um fazer por vocação transdisciplinar e complexo, produto de interações, religações e diálogos entre práticas e sistemas de cura plurais e atemporais, como as medicinas tradicionais e a chamada medicina científica. Ela é mestiça na alma e no corpo; o local para o trânsito entre técnicas, práticas e filosofias distintas. (SILVA, 2012:133)

E por esse motivo deve assumir sua condição de espaço hibrido abrir-se para a transposição das fronteiras do conhecimento; promover a reconciliação e ser a ponte entre os diversos saberes, os significados da vida cotidiana e as capacidades interiores.

REFERÊNCIAS

MORIN, Edgar. O Método III, o conhecimento do conhecimento. 2ªed. Lisboa, Portugal, 1996.

SILVA, Adriana Elias M. Naturologia: Um diálogo entre saberes. 2012. 214 f. Tese (Doutorado) — pontifícia Universidade Católica de são Paulo, São Paulo, 2012.

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