Contribuições Filosóficas Para O Entendimento Do Processo Terapêutico Do Naturólogo (Portella, 2012)

Lucas G
Fórum Conceitual de Naturologia
7 min readJun 3, 2021

Paper publicado nos anais do congresso de naturologia de 2012.
Por Caio Fábio Schlechta Portella

Problematização

A Naturologia é um campo de estudo novo na área da saúde, suas bases filosóficas ainda carecem de fundamentação e amadurecimento, inclusive pela complexa tarefa que se dispõe a fazer: a de utilizar, de maneira integrada, diferentes racionalidades como a Medicina Tradicional Chinesa, a Ayurveda e a Fitoterapia Racional.

O desafio de integrar elementos terapêuticos de racionalidades diferentes perpassa principalmente pela lógica que fundamenta o processo terapêutico do naturólogo, como se dá esse processo e em que compreensão de mundo esta visão está fundamentada.

Para que ocorra um processo terapêutico, o profissional deve adotar uma lógica, um norteador deste processo que possa lidar com a integração do uso das técnicas. Este principio norteador na naturologia ainda não é bem fundamentado, partindo como base o grande numero de intervenções que o naturólogo tem disponível e as características especificas de cada uma delas, muitas vezes originalmente utilizada dentro de um outro contexto terapêutico de uma determinada racionalidade.

Neste sentido podemos citar os tratamentos derivados da Ayurveda e da Medicina Tradicional Chinesa, onde o naturólogo utiliza de uma pequena fração de um tratamento destas escolas em um novo contexto que inclui elementos de outras escolas.

Já que a naturologia se embasa na integralidade, incluindo o embasamento advindo da Transdisciplinaridade, e considerando que as racionalidades, assim como qualquer tradição de abordagem holística são indissociáveis do contexto de sua integralidade e cosmologia, será que o uso fracionário destas técnicas está suficientemente estruturado dentro de uma transracionalidade, ou então em uma nova racionalidade que perita isso?

Podemos então nos questionar também qual a capacidade do naturólogo de lidar com tantos conhecimentos distintos, e mais, qual a capacidade dele integrar estes conhecimentos em uma única lógica, um único eixo terapêutico.

Segundo a pesquisa de SOUZA (2012), parecem existir diferenças claras entra a teoria (ensino) e a prática (clínica) da atuação do naturólogo, o que nos faz questionar o quanto esse eixo, essa maneira de compreender o individuo do naturólogo, esta de fato clara e de fato faz sentido.

Se o naturólogo usa de diversas racionalidades, inclusive de racionalidades embasadas em uma visão materialista e reducionista como a que embasa o estudo da fitoterapia racional, qual seria a verdade do naturólogo? Em que ele acredita como caminho terapêutico? Em que direção vão às intervenções clinicas de um naturólogo, são para o sintoma, para o individuo, para ambos ou depende?

Construindo as bases fundamentais

A naturologia, para ser considerada algo palpável, deve ter uma identidade. Esta deve ser algo que a diferencie de qualquer outra coisa, que a torne única no campo de seu conhecimento e sua contribuição para o mundo, suas bases devem ser claras e bem definidas dentro daquilo que forme a identidade do naturólogo.

Se resumirmos todas as racionalidades que o naturólogo lida ao máximo vamos encontrar algo próximo a 2 correntes: uma embasada na matéria como principio formador da realidade e outra embasada na consciência (espirito, alma, essência etc..) como principio formador da realidade (a teoria quântica por exemplo, Ayurveda, MTC, Antroposofia). Estas correntes também se diferenciam pela separação corpo/mente, claramente adotada na primeira e excluída da segunda.

A diferença de um pensamento fundamentado na matéria para um pensamento fundamentado na consciência é enorme. Socialmente no ocidente somos formados na logica da matéria, da linearidade, nesta somos simples subprodutos da realidade material já posta e que impera todas as coisas, neste mundo somos separados do todo, tudo é mecânico e previsível. Porém socialmente estamos muito atrasados.

Segundo a física moderna existe algo mais fundamental do que a energia e a matéria, algo de ordem superior que organizaria toda a existência. Esta ordem superior pode ser associada aos símbolos agindo sobre a psique e a matéria, existindo de uma forma mental pura. (ROCHA FILHO, 2004)

Jung sepultou definitivamente (…) a possibilidade de se considerar a energia como entidade fundamental da psique, afinal, os símbolos são não-materiais e , portanto, não-energéticos, porém existem e impões seu poder sobre energias materiais, físicas ou psíquicas, sendo superiores a estas, pois carregam em si qualidades e escolhas, justamente as capacidades que faltam à energia psíquica ou não (ROCHA FILHO,2004)

Esta coisa de ordem superior Jung chamava de Arquétipo, e ela não pode ser tocada e nem representada por isto reduziria sua completude original, ela não possui energia mas é capaz de controlar as coisas.

…por não possuir energia intrínseca, não ocupa espaço, não tem inércia, não esta sujeita às leis restritivas da matéria não pode ser destruída e nem ao menos faz sentido dizer que foi criada. Não obstante, ninguém em sã consciência diria que ela não existe. Ela pode ser chamada de Informação (ROCHA FILHO,2004, p. 124).

Se pensarmos nesse ponto de vista, inclusive considerando os achados científicos que embasam a transdisciplinaridade, podemos entender que esta informação é modulada pela consciência, assim todos os processos físicos e a própria energia psíquica derivam desta informação, pois esta é de ordem superior. Portanto ela, a consciência, seria algo que rege todas as leis fundamentais do universo.

Segundo Amit Goswami (importante físico que estuda a teoria quântica e um dos percussores do movimento da transdisciplinaridade), a consciência seria a base fundamental de toda a realidade, sendo a matéria formada pela observação consciente.

O entendimento da realidade e o sentido da flecha de tratamento

O conflito entre qual é o “pano de fundo” da realidade deve estar resolvido dentro da maneira de entender o mundo do naturólogo, pois define o sentido da flecha de tratamento.

Uma visão baseada na matéria faz com que o foco do tratamento seja a dissolução do sintoma e até a prevenção, o bem estar, os hábitos saudáveis, entendendo que os fenômenos acontecem estritamente em um nível material, submetido a uma causalidade local, tempo linear, sendo todo o resto subproduto deste nível.

Uma visão baseada na consciência, no espírito, mente, ou qualquer abordagem que considere a matéria como um subproduto de níveis mais profundos, que caminham em direção ao universo informacional, faz com que o foco do tratamento seja aquilo que está nos níveis antes do material, não focando diretamente no sintoma, mas sim no desequilíbrio que gerou o sintoma.

Esta segunda abordagem não exclui ações em níveis de sintoma, como a fitoterapia para a dor na coluna de pessoa, porém se faz com a consciência e com o proposito de ir mais fundo neste sintoma, caminhando do físico em direção ao nível imediatamente mais profundo e assim sucessivamente.

A naturologia e as possibilidades de embasamento

Desta forma a naturologia vem tentando se afirmar neste campo, em resgate à visão integral do individuo, uma das formas da naturologia tentar justificar a sua essência é o conceito de Transdisciplinaridade.

A Transdisciplinaridade surge como uma corrente que abarca muitos elementos, é em suma uma nova forma de pensar a realidade assumindo como preceitos uma cosmologia compatível, que justifique e dê sentido ao transdisciplinar.

Esta cosmologia na qual se embasa a Transdisciplinaridade envolve todas as mudanças de paradigma implicadas pela física moderna (NICOLESCU, 1999).

A complexidade da relação entre a Transdisciplinaridade e Naturologia está na questão dos níveis de realidade, do que é o conhecimento e quais são as vias de se obter conhecimento, e tudo isso é permeado por uma pergunta: qual a essência/origem das coisas?

A naturologia possui então um olhar transdisciplinar sob o ser humano, utilizando de vários conhecimentos, estes embasados em racionalidades muitas vezes distintas, considerando o transracional como uma possibilidade válida e fiel à abordagem integral do ser humano.

A transracionalidade, aquilo que está além das racionalidades, proporcionaria a integração das técnicas da MTC, Ayurveda, Antroposofia, etc., dentro de uma logica de tratamento coerente.

Supondo, por ora, que as dimensões mais elevadas existam, podemos ver que o arco global da evolução e do desenvolvimento consciente se movimenta do pré-racional para o racional e para o transracional; do subconsciente para o auto-consciente e para o superconsciente; do pré-pessoal para o pessoal e para o transpessoal; do id para o ego e para Deus. (WILBER, 2007 p.76)

O naturólogo se dispõe a acreditar na existência destas dimensões superiores, sendo que em todas as discussões em naturologia a espiritualidade sempre está presente. Esta parece ser algo unânime entre os naturólogos, claramente pontuada como uma das bases da visão de saúde em naturologia desde o I Fórum Conceitual de Naturologia.

Portanto, a cosmologia necessária para embasar a abordagem clinica do naturólogo, deve contemplar esta dimensão espiritual/imaterial e também sua relação com outras dimensões e a dimensão física. É necessário elaborar uma visão clara, estudando inclusive em quais níveis cada intervenção atua, qual o sentido da flecha de tratamento dentro de cada um destes níveis e qual o objetivo final.

Um modelo que pode ser útil na compreensão e que estuda estas correlações de níveis, dos níveis sutis e, em uma relação de causalidade descendente, aos níveis materiais, é o Modelo Quântico de Homem proposto por Amit Goswami. Uma modificação deste modelo, feita pelo Dr Fernando Bignardi, é adotado pelo Setor de Transdisciplinaridade Aplicada à Saúde da UNIFESP, este um dos pioneiros na aplicação da transdiciplinaridade na pratica de saúde.

Coloco este modelo com o objetivo de gerar reflexão sobre a lógica terapêutica do naturólogo, esta lógica deve ser discutida pois permeia todo o estudo conceitual do que é naturologia e suas bases filosóficas.

A multiplicidade da atuação do naturólogo, com suas técnicas de diversas racionalidades, necessita de atenção, tanto para uma integração e a formação de uma base filosófica da naturologia, quanto para a inserção científica da naturologia sem que esta se desconecte da base filosófica.

Esta cosmologia deve ficar bem clara para os estudantes e profissionais naturólogos, para que, como uma classe de profissionais que acreditam na mesma integralidade, possamos dialogar e “falar a mesma língua”. Isso cria uma identidade para a naturologia que vai além das partes, uma abordagem transdisciplinar, transracional, e verdadeiramente integral, abrindo espaço para a integração não só das técnicas que o naturólogo utiliza mas também da integração do trabalho do naturólogo com outros profissionais da Saúde, fundamental para uma atenção integral à saúde.

REFERÊNCIAS

BIGNARDI, Fernando A.C. Protocolo de Medicina Transdisciplinar, (UNIFESP) 2005. GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 5 ed. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos tempos, 2002.

JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique, Obras Completas — vol. VIII/2 NICOLESCU, Basarab. O manifesto da trasdisciplinaridade. São Paulo: Trion,1999 WILBER, K. (2007) A união da alma e dos sentidos. São Paulo: Pensamento-Cultrix.

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