"Por que eles podem mexer no nosso rio sem avisar?"

Fórum Teles Pires
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3 min readSep 12, 2017

Mundurukus escrevem carta denunciando ilegalidades da UHE São Manoel e questionam a atuação da empresa responsável pelas obras da usina.

Usina Hidrelétrica São Manoel (Foto: Caio Mota)

"Nós precisamos do rio, nossa vida está no rio, eles fazem o que querem sem nos avisar, não perguntam a opinião do povo Munduruku, nós sofremos as consequências, com a falta de peixe, a água fica barrenta, o rio fica baixo e estraga motor do barco, os peixes morrem por falta de água, a gente fica com doença de pele. Ninguém fala dos impactos que vamos ter quanto o reservatório da São Manoel encher."

O trecho acima está na carta elaborada pela Associação Indígena Munduruku Dace, que foi encaminhada, ontem (11), ao procurador da República, Malê de Aragão Frazão, do Ministério Público Federal em Sinop, no Mato Grosso.

O documento denuncia uma série de violações cometidas pela Empresa de Energia São Manoel (EESM), responsável pelas obras da Usina Hidrelétrica (UHE) São Manoel. No último dia 5, o IBAMA concedeu a Licença de Operação (LO) para usina mesmo depois de todas as irregularidades cometidas pelo empreendimento.

A EESM é um consórcio formado pela empresa chinesa ‘Three Gorges’, pela portuguesa ‘EDP’ e pela estatal Furnas, do Grupo Eletrobrás.

Leia na integra a carta dos Munduruku da aldeia Teles Pires, localizada na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso:

Mundurukus navegando no rio Teles Pires (Foto: Caio Mota)

Carta 041/2017

Ao procurador Sr. Malê de Aragão Frazão

Ministério Público Federal — MPF

Prezado,

A Associação Indígena Munduruku Dace informa que no dia 10 de agosto de 2017 a vazão do rio Teles Pires diminuiu muito. A comunidade soube que a usina estava fazendo testes no reservatório. Nós não recebemos nenhum comunicado da Empresa de Energia São Manoel, FUNAI nem do IBAMA sobre o teste. Nós, povo Munduruku, conhecemos o rio, fazemos muitas coisas no rio, percebemos toda mudança que acontece no rio. Nunca tínhamos visto o rio tão baixo. Por que a usina está fazendo testes sem avisar a comunidade?

Sabemos também que a usina está mandando comunicado para nossos parentes que vai fechar o reservatório em Agosto. Por que isso vai acontecer sem conversar sem ter uma reunião na comunidade? Por que eles podem mexer no nosso rio sem avisar? Sabemos que a usina não pode encher o reservatório sem autorização do IBAMA, por que o IBAMA ou a FUNAI não nos avisaram? Queremos participar das decisões sobre nosso rio, queremos ser consultados e decidir sobre o que vai acontecer com o nosso rio.

Nós precisamos do rio, nossa vida está no rio, eles fazem o que querem sem nos avisar, não perguntam a opinião do povo Munduruku, nós sofremos as consequências, com a falta de peixe, a água fica barrenta, o rio fica baixo e estraga motor do barco, os peixes morrem por falta de água, a gente fica com doença de pele. Ninguém fala dos impactos que vamos ter quanto o reservatório da São Manoel encher. Duas usinas barrando o nosso rio, os peixes já estão magros, já estamos com problemas de saúde por causa da água. A usina fala que não tem impacto no peixe que o rio está bom para nadar, mas a gente que vive do rio que sabe. Estão desrespeitando nosso rio e nosso povo. A usina faz o que quiser com nosso rio, o governo não protege nossos direitos. Queremos que nosso direito de consulta prévia, livre e informado previsto no artigo 6º da Convenção 169 da OIT, seja respeitado.

Jacareacanga-pá, 11 de agosto de 2017.

Presidente da Associação Indígena Munduruku Dace

Laureci Muo Munduruku

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Ação coletiva de enfrentamento das violações de direitos cometidas pelos empreendimentos hidrelétricas, na região do rio Teles Pires