Restaurante Senzala e o racismo enraizado na alma do brasileiro
"No coração do Alto de Pinheiros, nasce na década de 70 o Senzala Bar e Grill e Restaurante SENZALA, na época transformando-se na sensação da região. O Restaurante foi criado para atender as necessidades dos moradores e empresários regionais"
Essa é a descrição dada pelos donos do Senzala, um restaurante frequentado pela burguesia brasileira e que, há quase 50 anos, tripudia sobre a dor do povo negro. O nome, como todos sabem, remete ao local de cativeiro de milhares de escravos negros que sofreram e morreram em terras brasileiras.
Não existe glamour em uma senzala, pois eram nesses espaços que os escravos eram açoitados e muita mulheres estupradas. É o símbolo máximo do domínio do homem branco sobre os negros, uma lógica que perdura até os dias atuais.
Mas, para um país que romantizou o período escravagista e transformou os estupros às mulheres negras, que deram origem a boa parte dos primeiros mestiços, em histórias de amor nas novelas e livros, é fácil entender que o nome senzala vire algo folclórico e exótico.
Afinal, quase todos os brasileiros têm "um pé na senzala", não é mesmo? Mas dos frequentadores do dito restaurante, a maioria tem o pé na casa grande mesmo e o sofrimento negro nunca foi uma questão.
Mas isso não é vitimismo, Fábio?
Claro que espero ouvir os clássicos comentários de que é apenas um nome de restaurante, de que estou sendo vitimista e que (cof,cof), os próprios negros que começaram com essa história de escravizar. Aliás, já ouvi tudo isso ao entrar na página do Facebook do restaurante e questionar um cliente assíduo.
“Eu sei o que acontecia em Senzalas, mas denegrir a imagem de um restaurante de quase 50 anos que durante mais de 40 não houveram reclamações do seu nome na minha opinião não é certo. Minha esposa é bisneta de um escravo, uma mulher branca, e me acompanha por mais de 20 anos lá e nunca se sentiu ofendida pelo nome. Sei que não tiveram a menor intenção de denegrir a história de ninguém e se tivessem reclamado, já teriam mudado o nome no começo da Casa", disse o cliente.
Sim, ele usou a palavra denegrir. Duas vezes!
Bom, acontece que já reclamaram com os donos do restaurante. Já fizeram diversas publicações denunciando esse racismo histórico e já fizeram até manifestações dentro do estabelecimento, onde pessoas negras entraram acorrentadas e foram alvo de risos dos clientes.
Parafraseando o músico Emicida: "a dor dos judeus choca, a nossa gera piada". E, da minha parte, como um humilde mestiço e descendente de negros e índios, cabe a função de não me calar diante desse absurdo que é ter que conviver com um restaurante, na minha cidade natal, que homenageia um local de tortura para o meu povo.
Repetindo o coletivo que fez o protesto lá em 2015, não admitiríamos um prato chamado Richthoffen ou Nardoni. Não frequentaríamos um restaurante Auschwitz ou Hiroshima Grill e muito menos pediríamos um picadinho à moda Maníaco do Parque.
A indignação é seletiva e a escravidão no Brasil foi naturalizada. Lutemos contra isso!
“Serviço”
Senzala Grill
Praça Panamericana, 41
Alto de Pinheiros, São Paulo — SP
Aviso: apesar do nome, negros podem entrar e serão atendidos normalmente. Não há relatos de nenhum tipo de tortura aos clientes afrodescendentes.