A ética no nível do grotesco

Fabrine Bartz
Fabrine Bartz
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2 min readMar 17, 2021

Uma reflexão entre a ética jornalística na ficção e na realidade

Em junho deste ano, a cobertura realizada pela RecordTV sobre o assassinato de Josevaldo Silva, em Santo André, grande São Paulo, gerou bastante impacto na mídia. No caso, a emissora relatou que o assassinato ocorreu por conta de uma briga entre Josevaldo Silva e sua amante ou por conta de profissão, agiota. No entanto, não havia provas de que o homem, de fato, era um agiota, a equipe, inclusive, refere-se a vítima como “Josenildo” e passou as informações ao vivo, em entrevista com a Amanda, filha da vítima, que não aceitou o desrespeito e demonstrou sua revolta em frente às câmeras. Pelas redes é possível acompanhar como o público lidou com a situação.

Imagem: Divulgação

A situação chegou ao nível do grotesco. Assim como no drama de 1951 “A montanha dos Sete Abutres”, os repórteres envolvidos na cobertura do caso passaram a interferir no desenvolvimento da história fazendo com que a notícia gerasse outro aspecto para ser analisado. Se no filme Tatum, personagem principal, revolve prolongar e romantizar a história do único homem vivo preso dentro da montanha, agora os repórteres fogem da ética jornalística da mesma forma ao considerar que até o nome da vítima, em São Paulo, era outro. Em “Mídia, espetáculo e grotesco”, o jornalista Muniz Sodré define o termo grotesco como um substantivo que foi transformado em qualificativo que entrou no campo semântico do ridículo, do caricatural ou do paródico. Sendo então uma estratégia para captação do público.

Será mesmo que os casos citados ocorreram por acaso? Se Cláudio Abramo e Francisco Karan, no livro “Jornalismo, ética e liberdade” apontam que não há uma ética específica do jornalista, em seu âmbito profissional e pessoal, porque os dois repórteres, do filme e do caso de Josevaldo, insistem em continuar a matéria mesmo violando dos direitos humanos das fontes? No entanto, Karan avalia também o sentido da profissão e da ética jornalística ao questionar se “haveria sentido falar em jornalismo profissional se a informação pode ser obtida por diferentes formas e por distintos protagonistas e fontes e em circuitos que passam à margem do processo tradicional jornalístico?’’. Desta forma, vemos com clareza que a falta de ética dos exemplos deve ser repensada, e, notamos também que os meios de comunicação possuem a responsabilidade de conferir, compreender e tratar com respeito seus entrevistados, independente da fonte, embora seja contra os princípios do repórter.

Confira matérias sobre o caso de Josevaldo Silva por aqui!

Entrevista com o jornalista Muniz Sodré no Sem Estúdio, programa de entrevistas coletivas do Editorial J (Famecos/Pucrs).

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Fabrine Bartz
Fabrine Bartz

Jornalista. Produtora da BandNews Porto Alegre e pesquisadora da interseccionalidade nos novos formatos jornalísticos