O impacto da Teoria do Entretenimento durante a pandemia Covid-19

Fabrine Bartz
Fabrine Bartz
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11 min readMar 2, 2021

O seguinte ensaio busca analisar como crianças, jovens e adultos estão sendo afetados pela Teoria do Entretenimento em meio à pandemia do Coronavírus. Uma reflexão sobre questões físicas e psicológicas em relação com o tempo que cada indivíduo permanece diante das telas.

O entretenimento serve como fuga da realidade. Embora seja prejudicial ao incentivar que as pessoas levem uma vida baseada em super-heróis e contos de fadas, a população praticamente necessita do entretenimento para sair da rotina de trabalho e para relaxar, principalmente, em um ano atípico como 2020. As medidas de distanciamento social adotadas para diminuir o número de vítimas da Covid-19 trazem uma série de desafios para a primeira infância como, por exemplo, o aumento da dependência excessiva dos pais, desatenção, preocupação, problemas de sono, falta de apetite, pesadelos, desconforto e agitação. Os dados são do artigo “Repercussões da Pandemia de Covid-19 no Desenvolvimento Infantil” realizado pelo Núcleo Ciência Pela Infância. O grupo é formado por pesquisadores da área médica, da psicologia, da economia, da pedagogia e da administração pública vindos de instituições como a Universidade de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da América (EUA).

Diante das consequências da pandemia no desenvolvimento infantil, há outro aspecto que influencia diretamente nesse processo: a mídia. Em 2002, no Brasil, a média infantil de audiência televisiva era de 3,9 horas diárias. Com o avanço da internet e das mídias digitais, o acesso das crianças às redes sociais, como é o caso do Youtube, virou algo praticamente diário. A Teoria do Entretenimento, aponta que assistimos o que queremos ver e filtramos aquilo que está coerente com nossas crenças e necessidades. Com isso, o consumo das mensagens, em especial as relacionadas ao entretenimento, são capazes de alterar o ânimo existente. Desta forma, a seleção de mensagens específicas para o consumo serve frequentemente para regulação do humor coletivo. No entanto, embora as crianças tenham habilidades rápidas de digitação elas não possuem a mesma capacidade de digerir as informações que os adultos. Assim, o debate a respeito dos efeitos da Teoria do Entretenimento ganham outra perspectiva.

Quantas vezes você já presenciou uma criança mexendo no celular nos últimos dois anos? Agora, quantas vezes você já viu uma criança mexendo no celular sendo supervisionada por um adulto nos últimos dois anos? A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças com menos de dois anos não sejam expostas a telas. Já para aquelas de dois a cinco anos é recomendado que o tempo seja limitado em uma hora diária. A criança, por sua vez, é um ser que filtra as informações de seu contexto, construindo uma trajetória psicológica na interação com ambientes físicos e sociais. Logo, se uma criança é exposta à uma rede de compartilhamento de conteúdos, como o Youtube, ela possui capacidade suficiente para entender a mensagem principal sobre o que está acontecendo diante os seus olhos.

Photo by Diego Passadori on Unsplash

Com a pandemia, especialmente nas crianças menores, o processo de compreender a emergência vivida em um momento como este é mais complexo. O estresse acaba surgindo justamente por esse confronto entre uma situação desconfortável e os recursos que o indivíduo tem para lidar com ela. Como forma de evitar que as crianças fiquem agitadas, o ato de entregar a ela um dispositivo com acesso à internet, vídeos e desenhos animados já faz parte desta nova era que é o período Noolítico. Agora, vivemos uma era em que a comunicação, que antes era de um para todos, passou a ser de todos para todos. Porém, a mensagem ainda continua passando pelo processo emissor, mensagem e receptor, independente da fonte original da mensagem, causando um efeito planejado, ou não, pelo emissor. Quando direcionamos essa mensagem para o público infantil, até mesmo com a indústria cultural, o efeito persuasivo do entretenimento ganha mais espaço.

Diante deste cenário, vemos que com a pandemia, ou sem ela, o problema que envolve a questão das crianças estarem frente a frete com os dispositivos móveis é o fato dela ser inexperiente para digerir o que é transmitido pela mídia, sendo assim, influenciada e persuadida, embora compreenda a ideia geral da mensagem. O tempo em tela para crianças e adolescentes virou motivo de preocupação para a Organização Mundial da Saúde (OMS), somente em 2019, que abriu os olhos diante a necessidade de atenção para questões relacionadas com crescimento, prevenção de problemas relacionados com saúde mental, obesidade, isolamento social e sedentarismo.

Na atualidade, desde pequenos, os indivíduos são posicionados diante das telas, e, consequentemente, as formas de entretenimento chegam até elas. Seja através de animações como Peppa Pig ou de vídeos do canal Luccas Neto, grandes fenômenos que fazem parte do espetáculo. Contudo, o entretenimento manipula as emoções das pessoas. O tipo de emoção projetado determina o humor coletivo. A Teoria do Entretenimento explica não só este resultado, mas também explica o tipo de efeito que a audiência busca no entretenimento, havendo uma relação entre administração de humor e gênero no que se refere às preferências da mídia. Mas até que ponto?

Na sociedade patriarcal na qual vivemos, desde a infância há uma distinção entre coisas de meninas e coisas de meninos. A própria ministra Damares Alves deixou claro que “meninas vestem rosa e meninos vestem azul”. Provavelmente há mais pessoas que ainda possuem esse pensamento errôneo, que consiste em divisão de gênero em qualquer atividade. A mídia, por exemplo, faz parte desta distinção nas propagandas de brinquedos em que meninas aparecem brincando de boneca e meninos jogando bola. Portanto, é necessário que as plataformas digitais e televisivas busquem por representatividade até mesmo nas propagandas direcionadas para público infantojuvenil, pois as crianças precisam ter noção de que elas também podem alcançar qualquer profissão.

Mas, a grande questão deste ensaio é refletir até que ponto as crianças estão sendo beneficiadas ao ficar grande parte do seu tempo diante das telas. Neste caso, vale lembrar que uma coisa é a média de tempo recomendada para uma crianças assistirem vídeos e outra é o tempo em que elas realmente ficam diante desses dispositivos, tempo este em que ela deveria estar gastando energia estudando, brincando e praticando atividades físicas. Em um ano atípico como 2020 é compreensível que as crianças estejam mais tempo “dentro de casa”, pois esta é justamente a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), porém o que essa criança faz durante as 24 horas do dia? A análise desse comportamento é simples e não precisa necessariamente de grandes estudos científicos para refletir sobre o impasse. Considere um parente próximo. Você é capaz de imaginar quanto tempo essa criança passa diante dos dispositivos móveis? Se não, isso já é um sinal de que é um período longo.

Que a pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19) trouxe mudanças na vida cotidiana das crianças já não é mais novidade. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no mundo, 463 milhões de crianças estão sem ensino presencial e remoto. A ausência do ambiente escolar já diz muito no comportamento e no desenvolvimento dessas crianças. Se é difícil para alunos da universidade ficar longe da estrutura, do suporte dos professores e dos amigos, que são coisas que a vida acadêmica oferece, imagine como está essa situação para as crianças. Felizmente, em relação ao vírus há indícios de que a taxa de mortalidade nessa faixa etária é relativamente menor em comparação a outros grupos, como adultos e idosos. No entanto, é preciso afirmar que todas as crianças estão suscetíveis às repercussões psicossociais da pandemia. O estresse do ambiente familiar e a falta de convívio social durante este ano está afetando diretamente as relações pessoais, não só das crianças, mas de toda população.

Outro fator que deve ser levado em conta ao analisar o impacto das mídias digitais no desenvolvimento infantil, através da Teoria do Entretenimento, é a desigualdade social. Essa desigualdade também determina diferentes níveis e condições de vulnerabilidade sobre a experiência da infância, de modo que os profissionais da saúde devem estar atentos às demandas de atenção e cuidado que se produzem nessa situação. Além disso, a desigualdade social revela muito sobre o impacto do capitalismo em várias esferas da sociedade. Como o foco deste ensaio é o público infantil, basta voltar na reflexão que fizemos anteriormente sobre o tempo que uma criança próxima permanece assistindo vídeos. Atualmente, o comércio está cada vez mais presente no cotidiano dos brasileiros. Embora o mercado ofereça a possibilidade de criar prestações e comprar sem juros por um longo período, ainda não são todas as crianças que possuem acesso a um smartphone ou smart tv. Se as crianças que surgiram em sua mente ao fazer a reflexão sugerida anteriormente estavam todas mexendo no aparelho móvel por várias horas do dia, parabéns você vive em um ciclo de pessoas privilegiadas.

Como vimos, em 2002, a média infantil de audiência televisiva era de 3,9 horas diárias, por isso vale ressaltar que isso é uma média. Assim como todas as outras médias, esse número não significa que todas as crianças do Brasil permaneçam quase quatro horas por dia em frente à televisão. Isso significa que para chegar a esse número algumas crianças permanecem mais e outras menos, é lógica. Por outro lado, esse número foi o estipulado entre as crianças que participaram da pesquisa, e, como sabemos, em um país desigual como o Brasil, provavelmente não foram todas as crianças que participaram desta pesquisa. Ou seja, o entretenimento também possui restrições. Restrições econômicas, de raça e de gênero.

Logo no início deste ensaio, comentamos que o entretenimento funciona como uma tentativa ou, de fato, uma fuga da realidade. Mas qual realidade é essa? A realidade de uma família tradicional brasileira composta por pai, mãe e dois filhos ou a realidade de uma mãe solteira que mora na periferia de São Paulo e enfrenta uma luta para dar sustento ao filho pequeno, que está sem ir à escola desde março? A resposta é simples: as duas coisas. Lógico que as condições financeiras são fundamentais para o acesso ao entretenimento, desde coisas simples como assistir um filme na Sessão da Tarde (sessão de filmes exibida pela Rede Globo) até o acesso ilimitado de conteúdos, que é a internet. Porém, o entretenimento está presente nas duas esferas, sendo capaz de atingir grande parte da população brasileira e mundial.

Com o surgimento de novos recursos como a educação midiática, por exemplo, a sociedade está, aos poucos, se tornando adepta às tecnologias de forma racional. Isso quer dizer que as crianças podem ter acesso ao mundo dos desenhos, dos filmes e dos vídeos do YouTube, mas é fundamental que assim como se aprende a ler e a escrever, agora também seja necessário aprender a fazer pesquisas. Aprender a filtrar as informações, assim como questionar o mensageiro fazem com que o indivíduo desenvolva senso crítico e a partir disto será possível desenvolver a capacidade de análise dos conteúdos transmitidos pela mídia.

A Teoria do Entretenimento está, portanto, interligada a diversos pontos da comunicação, com ela o processo de analisar a mídia está sob vários olhares. Interliga-se com a Teoria crítica, que denuncia a contradição entre o indivíduo e a sociedade como um produto histórico da divisão de classes, desenvolvendo o olhar crítico desde a infância ao questionar as ações do Luccas Neto, por exemplo. Mas, quando não há tal questionamento, há uma conexão com a Teoria Hipodérmica, pois o mensageiro transmite a mensagem e o público aceita com facilidade, ou seja, o público acaba sendo manipulado pela mídia. Com o mundo infantil e infantojuvenil é comum que os responsáveis não prestem atenção aos indícios de manipulação, pois o complexo de “ele é criança e não sabe de nada” continua sendo frequente na sociedade. Mas, esse público é tão importante, ou mais, que o público adulto. Na prática, basta lembrar que a publicidade infantil foi proibida e, inclusive, o assunto já foi tema no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em 2014.

Contudo, a Teoria do Entretenimento é responsável por grande parte do repertório cultural e linguístico da criança e do adolescente. É através desse conteúdo que é apresentado as primeiras visões de mundo, mesmo que seja fictício. Embora os clássicos da Disney apresentem uma ideia de conto de fadas, com príncipes, princesas e poderes, eles apresentam às crianças a ideia de diversidade e companheirismo. Todas as histórias de super-heróis, de certa forma, refletem os problemas da sociedade real, até porque os vilões, geralmente, são humanos e isso passa um pouco a noção dos perigos que as crianças terão que enfrentar ao longo da vida. Não é atoa que a nova onda de filmes está apresentando a história dos vilões, como vimos no ano passado com o clássico “Joker” da DC Comics. O filme foi um sucesso de bilheteria e mostra como o Coringa lida com os seus problemas psicológicos.

Imagem: Divulgação

Embora a Teoria do Entretenimento esteja presente de forma explícita, principalmente, no público infantil, ela atinge e conforta os adultos. Na pandemia, o uso da rede social “Tiktok” virou febre entre os adultos. Criado em 2016 na China, o TikTok tornou-se, recentemente, o terceiro aplicativo mais baixado do ano na Apple Store e Google Play Store, ultrapassando Facebook e Instagram, ficando apenas atrás do aplicativos de mensagem WhatsApp e Facebook Messenger. Dublagens, danças e vídeos de culinária são apenas alguns exemplos do conteúdo presentes na rede.

Porém, o avanço das mídias digitais sempre terão prós e contras. Neste ano, foi lançado pela Netflix o documentário The Social Dilemma, que passou por diversas fases de análise. No primeiro momento, o choque de realidade com os impactos das plataformas digitais foi grande, mas logo as análises se voltaram para o complexo de que não trouxe nada de novo além daquilo que as pessoas de comunicação já sabem.

Mas, a questão da análise é que o entretenimento, mesmo cheio de clichês, sempre traz alguma reflexão posterior. Seja no roteiro ruim ou com as fortes críticas aos problemas estruturais. Vemos isso, claramente, com o filme “Borat Subsequent Moviefilm” no qual aborda além da pandemia Covid-19, questões raciais, genocidas, machistas e apresenta críticas ao governo estadunidense e brasileiro. Com isso, a ideia de que a emoção desejada é precursora da seleção do entretenimento e a emoção é também o primeiro resultado do consumo do entretenimento, de fato, faz sentido com as produções cinematográficas.

Imagem: Divulgação

O entretenimento atende as necessidades emocionais da audiência e a mídia oferece um ambiente seguro para se experimentar uma emoção negativa. Estes foram apenas alguns exemplos e questionamentos sobre o impacto da Teoria do Entretenimento em crianças, adolescentes e adultos. Mas afinal, somos vítimas ou cúmplices desse fenômeno? Até onde você foi afetado pelas mídias digitais, na pandemia? Mais do que nunca, os recursos tecnológicos foram aplicados neste ano. Através dos aparelhos de televisão recebemos, diariamente, há oito meses, a triste notícia de que houveram mais vítimas do vírus, mas pelos mesmos aparelhos ficamos sabendo dos avanços das vacinas para uma possível imunização da população mundial. Pelas mídias digitais, crianças mantiveram o contato com os avós e amigos, assim como o ano letivo de escolas e universidades deram continuidade. O impacto das redes sociais com certeza é grande, mas isso não quer dizer que seja negativo.

Portanto, concluo este ensaio com as mesmas palavras que iniciei: o entretenimento serve como fuga da realidade. Atingindo diversas gerações e comunidades, com a pandemia ou sem ela, a teoria é capaz de contribuir para o repertório socio-cultural, como também é capaz de disseminar fake news e manipular pensamentos e emoções humanas. Por isso, é fundamental que este assunto seja discutido e analisado com calma a fim de encontrar o equilíbrio entre as coisas.

O ensaio em PDF com as referências está disponível aqui!

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Fabrine Bartz
Fabrine Bartz

Jornalista. Produtora da BandNews Porto Alegre e pesquisadora da interseccionalidade nos novos formatos jornalísticos