O Lifelong Learning chegou para ficar. Adapte-se!

Filippo Ghermandi
Fala Clara
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10 min readMar 21, 2017

No meu último artigo, falei da nossa montanha-russa de descobertas até chegar à conclusão de que o nosso negócio tinha que priorizar o empreendedor. Hoje vamos conversar sobre uma pesquisa que nos ajudou muito a conhecer a nova geração de lifelong learners e a definir o empreendedor como foco principal.

Mas, afinal, o que é lifelong learning e quem são os lifelong learners? Confesso que não faz tantos anos assim que li esse termo pela primeira vez, mas ele começou a ser usado em 1993.

A tradução literal de lifelong learner é eterno aprendiz. Não no sentido pejorativo de ser um iniciante para sempre em algo, mas de estar sempre buscando novos aprendizados e experiências. O lifelong learner foge do modelo formal de educação. Ele não precisa de ensino imposto via tarefas, pois é auto-motivado para buscar as experiências que interessam a ele.

Outro dia mesmo, eu estava assistindo a um jogo de futebol na TV e o comentarista de arbitragem repetiu algumas vezes ao longo da transmissão:

“A história desse árbitro é curiosa. Ele era muito tímido e fez um curso de teatro para se soltar mais e crescer na carreira.”

É um belo exemplo. O árbitro percebeu um ponto a desenvolver nele, a timidez. Ele poderia estudar técnicas de arbitragem a vida toda e, ainda assim, não desenvolveria este ponto. Portanto, abriu-se para o novo. Decidiu embarcar em uma experiência totalmente fora de seu escopo de trabalho, pois sabia que, indiretamente ela o ajudaria a crescer, não só na profissão, mas como ser humano.

Anos atrás, lembro que Evander Holyfield agradeceu a sua professora de ballet por ter se tornado um campeão de boxe. Sem a movimentação, o alongamento e a flexibilidade que ele adquiriu dançando, não seria possível chegar lá. Parece óbvio, né?

Mas, então, por que essas iniciativas ainda são pontuais e causam espanto para alguns quando contadas?

No ano passado, contratamos a LUPA, uma agência de pesquisa (códigos culturais, de acordo com a auto-definição), para nos ajudar a conhecer melhor o público de lifelong learning no Brasil e posso dizer que eles fizeram um trabalho brilhante. Vou compartilhar um pouco do que aprendemos.

A desfragmentação das identidades profissionais

Atualmente estamos vivendo um momento de transição entre eras: da industrial para a digital. Na era passada, a vida profissional era linear. As pessoas nasciam, estudavam em escolas iguais, cursavam faculdade, se especializavam em algo e viviam uma vida inteira de estabilidade mergulhando cada vez mais em sua especialização.

Felizmente para alguns, como eu, infelizmente para outros, o mundo está mudando. E toda mudança requer um período difícil de adaptação. Os lifelong learners são os primeiros a pularem de cabeça nesse novo mundo. Eles sequer sentiram o peso da mudança. Querem abraçar a educação continuada.

Na era industrial o mundo era linear, segmentado, previsível e repetitivo. Na era digital passou a ser não-linear, conectado, imprevisível, exponencial e multidisciplinar. Várias estruturas criadas para servir o modelo industrial estão mostrando claros sinais de falência em relação às novas gerações.

Frequentemente, me deparo com textos criticando os Millennials. "Eles são mimados, preguiçosos". Corretos ou não, esses textos mostram um claro desgaste entre os ambientes de trabalho das grandes corporações, alinhados com a era industrial, e as novas gerações, alinhadas com a era digital.

As novas gerações se deram conta de que elas aprendem mais com experiências reais do que com a sala de aula. Todo o conteúdo acadêmico possível e imaginável já aparece nas buscas do Google e pode ser acessado sempre que precisamos.

Então, por que passar a vida focando em memorizar uma biblioteca que está na palma da nossa mão todos os dias, se podemos potencializá-la interagindo com novas culturas e aprendendo a criar estruturas?

Não quero dizer que o conhecimento acadêmico não é importante. Os lifelong learners leem e estudam muito. Mas sob demanda. Eles não vêem mais sentido em estudar a função da mitocôndria e torcer para que isso seja útil em algum momento da vida.

A pesquisa feita pela LUPA teve uma amostragem de cerca de 50 pessoas aleatórias na cidade de São Paulo. Pessoas de classes A/B/C, homens e mulheres de 25 a 40 anos que nos mostraram que alguns antigos paradigmas estão sendo quebrados. Com eles, os objetivos profissionais:

Mas quais são os direcionamentos atuais do novo profissional?

Inspiração: Perestroika (conteúdo abordado no curso Friends of Tomorrow)

Vamos entender cada um desses direcionamentos agora.

1) Descobrir o que faz sentido

A forma de pensar mudou:

Antigamente, o profissional seguia a risca a receita do sucesso para ser brilhante dentro da organização a qual pertencia. Ele não tinha acesso a muita informação quando a internet não existia e não era tão fácil chamar a atenção do mercado.

Atualmente, o profissional vê uma série de possibilidades batendo à sua porta. Ele busca experiências diferentes e vai ser leal a uma instituição que lhe permita algum tipo de flexibilidade nesse sentido.

As empresas conseguiam contratar qualquer pessoa boa tecnicamente e fazê-la render, via sistema gerencial. Hoje em dia a ligação precisa ser em termos de propósito e valores. Um novo profissional precisa ver que a empresa está entregando algo que ele concorda para o mundo para se entregar de corpo e alma.

2) Novas métricas de sucesso

E quais seriam os objetivos pessoais dos lifelong learners? Não, eles não visam o enriquecimento e a acumulação como a geração anterior. Tampouco são guiados a um propósito. Para muitos, o senso de cumprimento de propósito até demora a chegar ou nunca chega.

Na vida real, as oportunidades chegam antes dos sonhos. A busca do lifelong learner é por tranquilidade.

Tranquilidade Financeira — é preciso viver bem. Não é necessário acumular e ostentar, basta garantir um fluxo constante e suficiente para manter uma estrutura de vida confortável e sem dores de cabeça. Não é preciso ter um grande carro e uma casa na praia, como as gerações anteriores acreditavam. Eles geram custos fixos e requerem fluxos financeiros maiores. As gerações atuais querem mesmo liberdade geográfica e já perceberam que com o crescimento da economia colaborativa, podem ter acesso a bens de luxo sem possuí-los.

Tranquilidade Emocional — o grande lance é estar no controle da própria vida. Independentemente do regime de trabalho, ter autonomia para tomar decisões e gerir a própria carreira é o benefício mais almejado. As novas gerações começaram a questionar, por exemplo, o que faz mais sentido para si: ter um salário de R$15.000, trabalhar 12 horas por dia e ver a família nos fins de semana, ou viver com R$5.000, ter horários mais flexíveis e levar o filho para tomar um sorvete quando der vontade?

O maior controle sobre a vida é um tema no qual cada um tem sua verdade, mas isso não significa pouco trabalho ou aversão ao mesmo. Significa apenas que muitos profissionais preferem variar seus picos de dedicação ao longo do dia, ao invés de sentar 8h e levantar 17h todos os dias com a obrigação de render nessa faixa de tempo.

3) Explorar novas encarnações

Eu resumi no início do texto como a vida era linear em busca de estabilidade e especialização. Pois bem, isso acabou. O que antes era uma vida inteira, passou a ser apenas uma pequena encarnação dentre as muitas que um ser humano viverá. As encarnações estão sendo usadas aqui como os novos recomeços dentro de ciclos de aprendizado:

As experiências do presente se conectam na busca pelos objetivos do futuro. Quanto mais, melhor. Elas exigem o desenvolvimento de novas habilidades para que as posições almejadas sejam alcançadas através do conhecimento adquirido.

Seria mais ou menos como jogar The Sims. Para desenvolver lógica, você colocava o seu personagem para praticar xadrez. Para desenvolver a criatividade, ele pintava um quadro. Unindo as habilidades adquiridas, ele crescia na carreira e embarcava em novas encarnações.

E o lifelong learner é viciado em recomeços. Ele quer viver o máximo de experiências possíveis.

4) Desbravar conhecimentos

Para estar no controle e aproveitar todas as oportunidades, dando início a novas encarnações, é preciso aprender a aprender, abrir-se para o novo e buscar o máximo de experiências que moldarão uma visão mais holística de mundo, preparada para assumir diversos papéis sempre que necessário.

“Os analfabetos do século 21 não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não conseguirão aprender, desaprender e reaprender”. — Alvin Tofler

É aqui que entra a história do árbitro que eu contei, a do Evander Holyfield e a de tantos amigos que vejo buscando se abrir para o novo e serem confundidos com loucos.

Eu lembro de uma experiência pessoal significativa nesse sentido. Há cerca de 2 anos, eu percebi que uma das minhas maiores deficiências no marketing digital era SEO (search engine optimization), um conjunto de técnicas para otimizar blogs e sites para que eles apareçam bem posicionados no Google, levando a maior audiência.

Também foi mais ou menos nessa época que, na busca por novos hobbies e experiências que me desenvolvessem, eu comecei a tentar surfar. Curioso que sou, comecei a tentar ler mais sobre o tema e não achava nada legal em português.

Vi a oportunidade de aprender SEO na minha frente: e se eu criar um blog sobre surf para tentar indexar no google? Vai me forçar a ler sobre o tema e a testar técnicas de SEO. Me juntei com dois amigos e criamos um blog sobre surf, trilhas e skate.

Eu mal conseguia surfar uma onda inteira, mas pegava alguns textos gringos, traduzia, estudava, buscava conhecimento e ia produzindo conteúdo. Me chamaram de maluco “você nem é especialista e quer ensinar alguém?”. Eu explicava que era meramente informacional, não tinha nenhum caráter de especialista, mas não adiantava.

Um tempo depois, para minha surpresa, fui dar uma olhada no analytics e tinha batido a marca de 30 mil visitas por mês no verão.

Eu não recebi um papel bonito com o timbre de uma grande instituição e a assinatura de alguém falando que eu tinha aprendido SEO, mas, a partir dessa experiência, pude dormir com a certeza que eu tinha evoluído profissionalmente a partir de algo que eu busquei fazer na prática.

O empreendedorismo é a chave do novo modelo profissional

Eu gosto de uma definição do empreendedorismo como “abrir-se para o novo”. Não se trata de planejar e executar, mas estar aberto e interagir com aquela descoberta. Deixar que ela te molde e ir criando a partir dela. Posso até pegar emprestada a metáfora do meu sócio aqui na Clara, o Daniel.

O empreendedor não se parece muito com o piloto de uma lancha que quer chegar em uma ilha. Este vai colocar na velocidade máxima, traçar uma linha reta e chegar o mais rápido o possível.

O empreendedor se parece mais com o velejador. Ele gosta do vento na cara, de mudar a vela quando o vento muda de direção, de ficar parado curtindo quando está numa calmaria. Às vezes, ele vai até encontrar uma ilha mais bonita e vai mudar o percurso. Ele curte o trajeto e está aberto a descobertas.

O novo profissional é assim. E engana-se quem acredita que o empreendedor é apenas a pessoa que está tentando criar. São dois perfis:

Os competidores — são intraempreendedores. Disputam espaços de trabalho existentes e buscam realização e ascensão profissional dentro de organismos formais através da realização de processos seletivos. Concorrem a vagas internas, externas e concursos. Adquirem conteúdo para o outro.

Os criadores — criam novas estruturas. Abraçam oportunidades e buscam de forma autônoma a concretização de seus objetivos. Abrem novos negócios e adquirem conteúdo para si.

Estudando esses perfis mais a fundo e a forma como eles se relacionam com a educação, percebemos que, embora ambos queiram novas experiências e se envolver com algo grande, o peso da educação formal ainda é muito grande para o competidor.

Por mais que ele busque cursos e experiências que façam com que evolua na em sua carreira, sempre priorizará as que possuem chancela do mercado de trabalho no currículo. Um curso de uma instituição renomada ou um intercâmbio para aprender idiomas, por exemplo.

Já o criador busca o conhecimento rapidamente aplicável. Ele não fará um curso por causa do nome da instituição, mas considerará outras coisas, como: aprender fazendo, a qualidade medida através de referências de amigos, a duração, a facilidade de adequar a carga horária ao dia a dia e, principalmente, a velocidade com a qual ele conseguirá aplicar o conhecimento nos seus projetos.

Não preciso nem dizer o quanto essa pesquisa nos ajudou a enxergar que a Clara devia ser focada no empreendedor criador. Foi realmente um divisor de águas.

Muita coisa vai mudar após a transição entre eras. Algumas organizações ainda estão lutando para manter o status quo. Empresas chamam os Millennials de mimados e escolas ainda estão de olhos fechados, enquanto ainda podem disciplinar as crianças com a chancela dos pais, da geração X.

Mas a próxima geração de pais é composta pelos próprios Millennials e não sei se as coisas permanecerão assim por muito tempo.

Em vez de especular, decidi ser ativo, junto com meus sócios, na revolução educacional que parece estar se desenhando. Acreditamos que o empreendedorismo move a sociedade para a frente e desse sentimento nasceu a Clara.

Acreditamos também que é possível viver uma jornada prazerosa em direção a tranquilidade. Para isso, abra-se para o novo e adapte-se! O lifelong learning veio para ficar.

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Filippo Ghermandi
Fala Clara

Passionate about enterpreneurship and marketing. CMO at LUZ, a company that helps entrepreneurs to solve challenges