Ô Rita…

Leopoldo Jereissati
Fala Man
Published in
4 min readOct 8, 2022

De Goiás Velho para o Mundo

— Quarta-feira, 12h30. Você poderia vir jogar? Perguntou-me o professor de tênis que precisara remarcar nossa costumeira aula às sextas-feiras pela manhã. No intuito de não perder o ritmo dos treinos me organizei e quebrei o protocolo da semana, famosa rotina.

Ando me dando mais possibilidades de me sentir vivo no dia a dia depois de uma pequena pedrinha no rim que tive que encarar e que saiu depois de quatro dias de muita dor e uma internação, porém sem cirurgia.

Na aula conheci uma pessoa nova, reencontrei amigos que não via há tempo e de quebra na saída encontrei com uma das minhas irmãs no bar do clube e aproveitamos para almoçar e por o papo em dia, ao acaso.

Nessa hora o clube é cheio de pessoas com mais idade e como as crianças estão em geral nas escolas, há pouca gente e muita paz no ambiente. O mesmo é válido para o parque do Ibirapuera em uma segunda-feira as 11h da manhã; é o prime-time do parque, o mais perto de um oásis urbano que poderia ser.

Essa minha irmã tem quase quarenta anos de idade mas suas amigas do clube, de um grupo chamado Chave do Coração, tem garotas um pouco mais velhas do que ela, na maioria entre 65 e 90 anos. Eis que chega com muita alegria uma delas em nossa mesa, a Rita com muita saudades da minha irmã — sua neta de coração — e começa a conversar.

Com a maior naturalidade, e ainda bem que foi assim, ela se sentou conosco e não parou mais falar. Ela estava com alguns exames na mão, recém chegada de um laboratório, comentou estar com início de labirintite e foi conferir os ouvidos se estava tudo bem. 82 anos completava esse ano. Aparentava bem menos — “estava inteira” essa senhora.

Estava ansiosa e um pouco triste no início da conversa pois se via obrigada a voltar para sua cidade natal, Goiânia, na verdade era Goiás Velho. — Gosto demais do clube meu filho. Aqui tem gente boa, companhia… eu ando muito sozinha. Eu queria muito ficar aqui em São Paulo mas minha casa tem escada. Lá em cima é uma delícia, mais reservado. Mas é uma casa muito dispendiosa. Tenho algumas pessoas que me ajudam em casa, mas sabe como é né: inimigas pagas! Tenho dois filhos, um mora aqui o outro lá. Não quero dar trabalho para ninguém. Minhas noras são queridas mas devem ter pavor de eu ligar e dizer que estou indo morar com elas (e gargalhamos).

— Sabe que eu trabalhava na Varig (nesse momento os ânimos dela melhoravam). Foi o melhor emprego da minha vida. Eu cuidava dos lugares. Se alguém quisesse viajar tinha que passar pela nossa área. Aí a gente ajudava as pessoas mais legais né, as mais chatas nem pensar. Eu viajava por trinta dólares acredita?! Certa vez levei meus dois filhos para Londres para comprarmos lindos ternos para eles. Saiu mais barato ir para lá com os dois, comprar e voltar do que comprar aqui. Eu tinha muitos contatos em pensões e hotéis locais, sempre dava um jeito. Pegava os dois pequenos e girava o mundo com eles. Fui para Suécia, Dinamarca, Japão, aquela ilha americana no meio do oceano… o Havaí. Você imagina? Umas das primeiras brasileiras a ir para lá com certeza com os dois pequenos. Como eu viajava muito, eu sempre levava eles a um lugar que eu conhecia e um novo para eu aumentar o meu repertório. Também fiz questão de levar os dois quando completaram 15 anos para a Europa nos principais pontos.

Infelizmente o que a Rita está passando é muito comum na terceira idade. Quem sou eu para julgar o motivo pelo qual ela esteja se sentindo tão sozinha nessa fase da vida. A organização financeira, para qualquer pessoa nessa fase, também é um ponto crítico a ser observado. Ela contou com tanta alegria as passagens da vida dela com os filhos, ela disse ter dado o melhor dela para criá-los e educá-los. Fica aquela sensação de vazio né… de tentar entender por que eles não cuidariam dela de tal forma que ela pudesse fazer a vontade dela e continuar a viver por aqui. Todavia quando olhamos para a nossa vida e as pessoas de mais idade com quem convivemos, estamos tão em dívida senão mais do que eles. Meu filho de um ano e um mês viu a bisavó dele três ou quatro vezes apenas.

Voa Rita, e volta para nos visitar aqui quando der. Prometi a ela que levaria minha irmã para visitá-la lá também no ano que vem. Das coisas da vida que nos faz sentir vivos…

— Nossa, como você é bonito rapaz! Ela soltou do nada, ao fim da nossa conversa. Na verdade eu sou paciente, e há uma beleza intrínseca em dar verdadeira atenção às pessoas — outra lição de vida que a pedra no rim que me deu.

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